(PQ-UC) A azeda infestante e o ácido oxálico

As azedas são uma planta infestante que produz sais de ácido oxálico. Este ácido, que tem bastantes aplicações, é muito tóxico. Reconheço agora a nossa imprudência em crianças quando mordiscávamos os caules desta planta. Felizmente esta não produz ácido suficiente para ser muito perigosa, mas pela cidade há bastantes plantas perigosas como veremos noutra paragem...

Para além de estar presente nesta planta, os sais de ácido oxálico podem ser encontrados nas folhas do ruibarbo, entre outras plantas que são por vezes usadas na cozinha. O ácido oxálico é também o produto tóxico do metabolismo de várias substâncias que são por isso consideradas também tóxicas. Em pequenas quantidades este ácido dá origem às conhecidas pedras no rim, mas em maiores quantidades pode levar à morte por falha renal. Um produto químico muito perigoso por ingestão cujo produto do metabolismo é o áxido oxálico é o etilenoglicol, o qual é usado como anticongelante nos automóveis. Este composto e outros relacioandos são especialmente perigosos para as crianças devido a terem um sabor adocicado. Actualmente são adicionados produtos químicos de sabor e cor desagradáveis aos anticongelantes, mas são conhecidos vários casos de intoxicação. E são também conhecidos casos de deliberada adição de etilenoglicol a xaropes e medicamentos para os tornar doces por pessoas ignorantes e criminosas e que não sabiam, obviamente, química.

Uma curiosidade em relação à intoxicação com etilenoglicol, metanol, ou outros alcoóis muito tóxicos é que a desintoxicação é feita com álcool etílico, o qual, embora como bem se sabe também seja tóxico, é menos tóxico e vai saturar a enzima que degrada os outros alcoóis evitando a formação dos produtos tóxicos da sua degradação. Neste caso, e só neste, uma bebedeira pode evitar a morte!

[versão preliminar de 9 de Março de 2010. Última alteração de 27 de Abril de 2010]

(PQ-UC) Mapa do Percurso Químico na Universidade de Coimbra

Percurso inicialmente idealizado para ser realizado no dia 22 de Julho de 2009 entre as 12:00 e as 13:00, integrado na Universidade de Verão da UC. Posteriormente foi realizado no âmbito das actividades do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra no programa Trilhos, tendo tido uma razoável cobertura pela imprensa, nomeadamente nos jornais As Beiras, Jornal de Notícias, Diário de Coimbra e Semanário Sol, e ainda em muitas páginas pessoais e institucionais da net. Foi ainda adaptado para o programa da final das Olimpíadas da Química Junior realizada em Coimbra.


Ver PQ-UC num mapa maior

(PQ-UC) Química da Porta Férrea e das pedras que a rodeiam

Na Porta Férrea da Universidade de Coimbra podemos encontrar um metal, o ferro, e um outro material que é uma mistura sólida, a pedra. Sim, também a pedra, pois a porta não é só o artefacto que fecha e abre, é também a construção que a envolve. Vamos, pois, falar um pouco da química destes dois materiais e das reacções químicas a que estão expostos no sítio onde se encontram.

O ferro é um metal. Quase toda a gente consegue identificar um metal, mas o que é um metal? Porque distinguimos os metais dos outros materiais? Por agora podemos ficar com uma ideia simplista: um metal é um material, em geral elementar, mas pode ser um composto, que é bom condutor de electricidade. Cerca de 80% dos elementos químicos podem ser obtidos sob a forma de materiais metálicos elementares e são classificados como metais.

Mas voltemos ao ferro que é um metal muito sensível à degradação por corrosão. De facto, a camada de óxidos de ferro (a que vulgarmente chamamos ferrugem) não forma uma superfície protectora que impossibilite a continuação da degradação e por isso uma peça de ferro que esteja a sofrer corrosão acaba por se transformar apenas em ferrugem que acabará por ser levada pelo vento, ou pela chuva. E já todos devem ter visto latas, carros, ou ferramentas velhas aos quais esteja a acontecer esse fenómeno.

A Porta Férrea já tem quase quatrocentos anos e não se nota que esteja, para além de uma camada superficial de ferrugem, muito corroída. Porquê?

Uma das explicações é que o ferro exposto ao ar e mantido seco, não sofre corrosão significativa. Para haver corrosão é necessário, para além do oxigénio do ar, que haja humidade (aliás, se em vez de apenas água, forem soluções com sais, ou ácidas a corrosão será ainda mais rápida) e ainda que existam zonas do ferro relativamente protegidas do ar. Sendo uma porta que deixa passar as correntes de ar, mesmo quando está fechada, está também mais protegida da corrosão!

Outra possível explicação, que me foi indicada pelo Professor Victor Lobo, será a presença de fósforo e arsénico na composição do ferro da porta, a qual poderá ser devida aos processos de produção deste material à época. Assim, a presença destes elementos contribuiria para a maior resistência à corrosão. É de referir que essa explicação é actualmente a que se considera mais relevante para justificar a resistência à corrosão da famosa coluna de Delhi.

Consideremos as reacções químicas envolvidas. A oxidação do ferro, propriamente dita,

Fe(s) → Fe2+(aq) + 2e- → Fe3+(aq) + 3e-

só ocorre se houver água, ou soluções aquosas em contacto com o ferro numa zona relativamente protegida do ar que funcione como ânodo. Os electrões libertados fluem pelo metal para as zonas mais expostas ao ar e água onde ocorre a reacção de redução (cátodo)

O2(g) + 2H2O(l) + 4e- → 4OH-(aq)

Os iões hidróxido e ferro (III) difundem-se pela solução e acabam por formar um precipitado de óxido de ferro (III) hidratado (a ferrugem),

2Fe3+(aq) + 6OH-(aq) → Fe2O3⋅H2O(s) + 2H2O(l)

É importante notar que o ferro sofre corrosão significativa em zonas pouco oxigenadas e portanto normalmente pouco visíveis, mas que poderão ser as zonas por debaixo da ferrugem que já se formou, debaixo da pintura, zonas de contacto com as paredes, etc. No caso da presença de fósforo, poderá haver a formação de uma camada protectora de FePO4⋅H3PO4⋅4H2O entre o metal (com fósforo) e a ferrugem à superfície. É digno de nota que os químicos, ao longo dos tempos, têm desenvolvido muitas formas de minimizar a corrosão, mas isso é o assunto de outra paragem no nosso passeio.

E quanto à pedra? É, no presente caso, uma rocha calcária denominada pedra de Ançã. Trata-se de uma pedra relativamente mole, constituída em grande percentagem por carbonato de cálcio. Esta pedra, contrariamente a outras rochas ricas em minerais carbonatados, como o mármore, é muito porosa e mais sensível à degradação. Embora a erosão física causada pelo vento e pela chuva seja importante, a erosão química causada pelas chuvas ácidas e pelos gases emitidos pelos carros terá sido ainda pior. De facto os ácidos provocam a degradação rápida do calcário de acordo com a reacção química,

CaCO3(s) + 2H+(aq) → Ca2+(aq) + H2O(l) + CO2(g)

Mas, contrariamente ao que se possa pensar, hoje em dia a poluição atmosférica causada pelos automóveis e fábricas, a qual originava as chuvas ácidas e outros problemas ambientais, é muito menor que há décadas atrás. De facto, os carros e fábricas são hoje muito menos poluentes e isso é em grande parte devido à química e aos químicos. Noutro ponto do passeio, quando pararmos para falar da química ligada aos automóveis, falamos disso. É de salientar, aliás, que já em 1932 (ver cópia ao lado de uma estampa do artigo de Virgílio Correia) a estátua alegórica à Faculdade de Leis estava em muito mau estado.

E voltando à pedra mole. Os químicos em colaboração com os engenheiros têm contribuído para o desenvolvimento de métodos de preservação deste tipo de rochas nos monumentos em que se encontram, através, por exemplo, de tratamentos de consolidação e impermeabilização baseados em polímeros e resinas muito pouco reactivos.

Bibliografia:
Peter Borrows, Education in Chemistry, May 1995, p 62.
Peter Borrows, Education in Chemistry, May 1994, p 63.
Carlos Ruão, Monumentos, vol 8, p 26, 1997.
Ana Paula Ferreira Pinto e José Delgado Rodrigues, Monumentos, vol 8, p 114, 1997.
Virgílo Correia, Biblos: Revista da FLUC, vol 8, p 501, 1932.
R. Balasubramaniam, Corrosion Science, 42, 2000, 2103-2129.

[Versão de 4 de Setembro de 2009. Última alteração 22 de Maio de 2010]

(PQ-UC) Há química no ar e no céu

O ar é constituído por gases que não conseguimos ver, pois são absorvem luz visível, mas são esse mesmos gases os responsáveis pela cor azul do céu. O oxigénio é extremamente reactivo, mas a sua quantidade mantém-se constante na atmosfera. O ozono é um poluente junto ao solo, mas a cerca de trinta quilómetros de altitude protege-nos das radiações ultravioleta. Há muita química no ar e no céu e esta paragem no passeio é dedicada a ela. Vamos pôr a cabeça no ar e ver o céu.

A atmosfera é constituida por cerca de 78% de azoto, 21% de oxigénio e 1% de outros gases. Estes números referem-se ao que é designado por ar seco, ou seja sem vapor de água, pois a percentagem de vapor de água pode variar bastante (1 a 4%) nas camadas mais baixas da atmosfera. Estes gases são transparente à luz visível [1], mas são responsáveis pela cor do céu e do pôr do sol. A radiação solar é difundida em todas as direcções (embora nalgumas um pouco mais) pelos gases e poeiras da atmosfera e essa difusão é maior para os comprimentos de onda da radiação visível de cor violeta e azul. Como os nossos olhos são mais sensíveis ao azul é essa a cor do céu que vemos quando olhamos para o céu, mas não na direcção do Sol (o que é muito perigoso!). E o pôr do sol? Nesse caso já estamos a olhar aproximadamente na direcção do Sol através de uma camada muito maior de atmosfera e a radiação que vemos é a que restou após difusão pelos gases e poeiras. E o nascer do Sol, porque não costuma ser tão espectacular? Também pode ser, mas é mais raro, pois de manhã há menos poeiras e a sucessão de cores é ao contrário.

E porque está o céu cinzento por vezes? Pela mesma razão que as nuvens são brancas. As gotículas de água presentes nas nuvens e no céu enevoado difundem todos os comprimentos de onda múltiplas vezes. E podem ser cinzentas se lhes chegar menos luz vinda do Sol.

[1] O vapor de água e a água líquida absorvem ligeiramente na zona do vermelho o que faz com que um grande volume de água tenha uma cor azulada. Embora esse facto possa contribuir para a cor das grandes massas de água, costuma ser indicada como principal causa da cor da água do mar, rios e lagos, o reflexo da cor do céu em conjunto com efeitos subtis de absorção e difusão da luz devidos à matéria orgânica e inorgância dissolvidas.

[Versão de 22 de Julho de 2009]

(PQ-UC) Aloe Vera: serve para tudo ou para nada?

Nos jardins em volta do edifício das Químicas há vários canteiros com aloés [1]. A Aloe Vera é uma planta muito usada em remédios e cosméticos naturais, que é referida, por exemplo, n'Os Lusíadas. Ainda não terá sido descoberto, nesta planta, nenhum princípio activo eficaz que possa ser usado como base para o desenvolvimento de medicamentos (um lead), mas a maioria dos estudos realizados indica que os extractos desta planta têm efeitos benéficos gerais. No entanto não podemos cair na falácia de que alguma coisa não pode fazer mal por ser natural. De facto, há pelo menos um caso documentado de uma potencial interacção entre um anestésico e a ingestão de comprimidos de Aloe Vera [2].

 Embora os aloés dos canteiros das Químicas não sejam Aloe Vera, encontrei num jardim de Coimbra os exemplares da foto ao lado que julgo serem mesmo Aloe Vera.

Para além da questão da utilização de produtos naturais como medicamentos, sem tomar em consideração que podem ter efeitos secundários, neste caso verifica-se que é também relevante o problema da identificação correcta da planta. A química medicinal e o desenvolvimento de novos medicamentos, devem, por isso, envolver equipas multidisciplinares de químicos, farmacêuticos, bioquímicos, botânicos, biólogos e médicos.

[1] O aloés que estão nos canteiros das Químicas não são, como estava implícito na versão inicial, Aloe Vera. Trata-se, se não estou em erro, de Aloe Arborescens, uma planta muita vezes confundida com a anterior, não raras vezes também por curandeiros populares, a qual não tem as mesmas características medicinais da Aloe Vera.
[2] A. Lee, P.T. Chui, C.S.T. Aun,T. Gin, A.S.C. Lau, Possible Interactions between Sevoflurane and Aloe Vera, The Annales of Pharmacotherapy, 38 (2004) 1651.

[versão inicial de 20 de Julho de 2009; correcções de 23 de Junho de 2012]

(PQ-UC) Garcia d'Orta, Amato Lusitano e a Química Medicinal

Sobre as portas do edifício da Faculdade de Medicina podem ver-se estátuas evocativas de figuras que contribuiram para a evolução da Medicina em Portugal. As estátuas não têm grande interesse artístico, além de que, pelas suas posições, não são facilmente percebidas. Mas têm o mérito de chamar a atenção para Garcia d'Orta (na porta Oeste) e Amato Lusitano (na porta Este), médicos e filósofos naturais (disciplina que incluía a ciência que chamamos hoje Química) de origem portuguesa que tiveram um papel relevante para o desenvolvimento da ciência da sua época, além de terem alcançado um notável reconhecimento internacional. Infelizmente, também dentro do espírito da época, ambos foram perseguidos em Portugal...

João Rodrigues (Castelo Branco, 1511-1568) conhecido por Amato Lusitano e Garcia d'Orta (Castelo de Vide, ca 1500-Goa, 1568) apresentam nas suas obras uma atitude rigorosamente científica tanto no que concerne à medicina como à descrição dos simples (nome pelo qual eram conhecidos os ingredientes dos medicamentos). E, se os escritos de Amato Lusitano focaram sobretudo os aspectos médicos, Garcia d'Orta é autor do famoso Colóquio dos simples e drogas e coisas medicinais da Índia, publicado em Goa em 1563.

Este livro de Orta, escrito sob a forma de um diálogo, revela um notável espírito científico baseado no método experimental [1]. Por exemplo, a propósito dos óleos essencias extraídos dos linaloés, Orta refere com grande perspicácia que estas substâncias podem ser encontradas na planta viva, não sendo devidas ao apodrecimento como muitos comentadores, mesmo posteriores, consideraram. Explicando que a ausência aparente do cheiro quando se cortava um ramo fresco seria devido à presença da casca grossa e ao facto de estas substâncias se encontrarem no lenho. Segundo Andrade Gouveia [1], o poder de observação de Orta fornece uma opinião muito válida e concordante com os conhecimentos actuais sobre os processos bioquímicos que têm lugar nas plantas.

[1] A. J. Andrade de Gouveia, Garcia d'Orta e Amato Lusitano na Ciência do seu Tempo, ICALP- Colecção Biblioteca Breve - Volume 102, 1985 (PDF disponível no Instituto Camões)

[versão de 9 de Março de 2010]

(PQ-UC) Portas de alumínio e vidros

Na entrada do edifício do Departamento de Química encontramos alguns materiais muito usados em construções: o vidro e o alumínio. O alumínio é um metal muito reactivo, mas forma uma camada de óxido de alumínio que estabiliza a sua superfície. Para utilização em construção, esta camada de óxido é reforçada de forma artificial, denominando-se o material como alumínio anodizado.

O vidro é um dos materiais comuns mais inertes (menos reactivos) que conhecemos. O vidro comum é obtido por aquecimento a alta temperatura de uma mistura de silica e carbonatos de cálcio e sódio. Um pormenor interessante sobre o processo de produção de vidros de grandes dimensões é a sua solidificação ser realizada por flutuação sobre estanho fundido, cujo ponto de fusão é muito mais baixo (230oC) que a zona de temperaturas às quais o vidro solidifica, para garantir que este seja completamente plano. A partir dessas chapas podem ser criados os vidros temperados que são produzidos por aquecimento controlado das chapas de vidro e os vidros laminados. Estes últimos são obtidos através da sobreposição de duas ou mais chapas de vidro unidas com um polímero ou resina. Normalmente é usada a resina butiral de polivinilo, cuja estrutura, mais complexa do que se esperaria apenas a partir do nome, é apresentada aqui ao lado. Os vidros laminados são usados nos pára-brisas dos carro que é um assunto de outra paragem.

Mas voltando ao alumínio. As equação químicas permitem descrever em pouco espaço um grande conjunto de informações (as fórmulas químicas dos compostos, os seus estados físicos, o tipo de reacção química, etc.) Em contacto com o ar o alumínio pode sofrer a seguinte reacção espontânea,

4Al(s) + 3O2(g) → 2Al2O3(s)

Embora se possa também dar a reacção

2Al(s) + 3H2O(l) → Al2O3(s) + 3H2(g)

a sua extensão é, em condições normais, tão pequena que para efeitos práticos não tem relevância. No processo tradicional de anodização do alumínio explora-se esta última reacção de acordo com as semi-reacções

2Al(s) + 3H2O(l) → Al2O3(s) + 6H+(aq) + 6e-
6H+(aq) + 6e- → 3H2(g)

O ânodo da pilha é o local onde ocorre a deposição do óxido de alumínio, daí o nome anodização.

[Versão de 17 de Julho de 2009. Última alteração de 23 de Maio de 2010]

(PQ-UC) Gases que usamos para nos aquecer e arrefecer

Neste ponto do passeio vamos falar dos clorofluorocarbonetos (CFC), e dos seus substitutos, que são usados nos aparelhos de ar condicionado e frigoríficos, e também dos gases que usamos para aquecer água e cozinhar: metano, propano e butano.

O ar-condicionado moderno utiliza compostos, dentro de um mecanismo estanque que no exterior da habitação são comprimidos, passando do estado gasoso a líquido, aquecendo o meio exterior, e no interior da habitação são expandidos, passando do estado líquido ao de vapor, arrefecendo o meio interior. Os frigoríficos funcionam de uma forma bastante semelhante e este processo é muitas vezes descrito como bombear calor de dentro para fora da casa...

Os CFC (nas figuras está representado o diclorodifluorometano), inventados por Thomas Midgley Jr., que é referido noutra parte do passeio, revelaram-se as moléculas ideias para usar como refrigerantes. O problema é que estas moléculas ao subirem para a estratosfera contribuem para a deplecção da camada do ozono.

Assim, os CFC foram banidos e substituidos por espécies mais amigas do ozono como os hidrogenoclorofluorocarbonetos (HCFC). Mas a história não fica por aqui pois estes gases estão-se a revelar também problemáticos por contribuirem para o chamado efeito de estufa...

Um outro gás que também é usado em refrigeração é o amoníaco [1]. Este foi aliás, antes do aparecimento dos CFC, um gás muito usado em sistemas de arrefecimento. No entanto, com o aparecimentos dos CFC, foi relegado para aplicações industriais devido à sua utilização ser menos prática. De facto, os equipamentos de refrigeração envolvendo o amoníaco são diferentes e mais complexos que os que envolvem os CFC, necessitando de um outro fluido, em geral água [2]. No entanto, o processo é bastante adequado para aplicações que usam energia solar ou o aproveitamento de energia térmica. Se a isso juntarmos que o amoníaco não contribui para a deplecção da camada de ozono e que a sua potencial contribuição para o aquecimento global é quase nula, poderíamos pensar que tinhamos todos os problemas resolvidos. Mas será mesmo assim? O amoníaco devido à sua toxicidade e perigo de explosão só é adequado para aplicações exteriores. Além disso é reactivo e corrói os tubos de cobre. Aliás, continua a ser considerado um poluente atmosférico na União Europeia...

E, surpresa: mais recentemente têm sido desenvolvidos sistemas que usam dióxido de carbono como gás refrigerante.

O gás da botija azul da fotografia é o propano, que se encontra, na realidade, no estado líquido; na forma de um gás de petróleo liquefeito (GPL). Em alguns países, as botijas de gás butano podem ter uma percentagem razoavelmente alta de propano. Porque será? Bem, o butano tem um ponto de ebulição normal de -0.5oC e o propano de -42oC.

E quanto ao cheiro? Toda a gente sabe que estes gases não têm cheiro. O cheiro a gás vem de um um composto de enxofre, em geral etanotiol (composto com uma estrutura idêntica ao etanol, com o átomo de oxigénio substituido por um de enxofre).

[1] Agradeço aos alunos da Universidade de Verão terem-me alertado para a referência à utilização do amoníaco em sistemas de refrigeração que consta dos programas de Físico-Química.
[2] Embora inicialmente tenha suspeitado que uma pequena torre que se via na zona da Universidade era um refrigerador de amoníaco, tal não se confirmou. Verifiquei depois que na zona de Coimbra existe este tipo de refrigeração em fábricas de processamento de carnes, como a Probar.

[versão de 28 de Julho de 2009. Última alteração de 27 de Abril de 2010]

(PQ-UC) A incrivel química ligada aos carros

Na zona da Universidade podemos encontrar imensos carros estacionados. A química está presente em todas as partes dos automóveis e poderíamos falar horas sobre isso. Desde logo nos combustíveis e nos materiais de que é feito um carro. Mas também está na pintura e nos tratamentos anti-corrosão. Está nos vidros e nos espelhos, nos lubrificantes, nos gases de escape, nos métodos usados para minimizar esses gases, no motor, no catalisador, no ar condicionado, nas baterias, no air-bag. E até há quimica no rádio e no leitor de CD...

Os combustíveis mais comuns, gasolina e gasóleo, são misturas de hidrocarbonetos que eram inicialmente obtidos siplesmente por destilação do petróleo. Hoje em dia, dada a sua grande procura, é também necessário obtê-los a partir de fracções de hidrocarbonetos mais pesados por um processo denominado cracking. Este processo tem tendência a originar hidrocarbonetos aromáticos que são potencialmente nocivos para o ambiente (embora bons para o combustível). É de notar que as quantidades máximas destes compostos são rigorosamente controladas. Além dos hidrocarbonetos e de possíveis impurezas, os combustíveis têm também vários tipos de aditivos. Hoje em dia usam-se muitos aditivos da família química dos éteres.

Em termos histórios, um dos aditivos mais famigerados foi o tetraetilchumbo, inventado por Thomas Midgley Jr.[1] para aumentar o poder detonante das gasolinas. Este composto era adicionado numa quantidade muito pequena, mas mesmo assim, dado o volume de carros em circulação, tornou-se um problema ambiental e de saúde pública muito sério. Deve notar-se que, deste o início houve muita resistência, especialmente da parte dos químicos (conhecedores profundos dos malefícios do chumbo), a esta grande invenção envenenada. Essa preocupação com o ambiente e saúde pública, aliada ao aparecimento de motores mais eficientes e com catalizadores (os quais são envenenados pelo chumbo) levou à proibição deste famigerado aditivo.

Outros combustíves também usados nos automóvies são o gás de petróleo liquefeito (GPL), o gás natural e o biodiesel. Os dois primeiros são também usados nas nossas casas para aquecimento e cozinhar e são referidos numa outra paragem. O biodiesel pode ser obtido por reciclagem de óleos alimentares usados, mas a sua produção a partir de plantas, cultivadas especialmente para esse fim, tem-se revelado bastante polémica.

A química dos pneus é também muito interessante. Desde logo a descoberta acidental da vulcanização por Goodyear. E, por que razão são os pneus em geral pretos? É que o pigmento negro de fumo (que é carbono quase puro) contribui também muito para a sua durabilidade e resistência.

Da protecção anti-corrosão que permite aos fabricantes prometerem anos e anos de garantias, falamos junto aos sinais de trânsito. E sobre a pintura também há muito a dizer. A tinta metalizada tem mesmo grânulos metálicos minúsculos de alumínio, mas as pinturas mais espectaculares são as que criam efeitos translúcidos baseados em grânulos de materiais inorgânicos.

E poderíamos continuar a discursar sobre a química dos carros, mas temos pressa em continuar o nosso passeio...

[1] Thomas Midgley Jr., cuja formação de base é a engenharia mecânica (seguida de um doutoramento em química), está associado a duas das maiores catástrofes ambientais do século XX: o chumbo nas gasolinas e os clorofulorocarbonetos (CFC). Estes últimos, dos quais falamos noutra parte do passeio, estão relacionados com o buraco do ozono.

[Versão de 17 de Julho de 2009. Última alteração de 27 de Abril de 2010]

(PQ-UC) Corrosão

Nesta placa metálica no parque de estacionamento das Matemáticas é bem vísível a corrosão do ferro e as fraquezas de alguns tipos de protecções anti-corrosão.

(PQ-UC) Sinais de trânsito e marcas na estrada

Nos sinais de trânsito podemos também encontrar química. O aço de que são feitos é protegido da corrosão com processos de galvanização (adição de uma camada de zinco), ou passivação por fosfatação ou por aplicação de resinas. Os sinais podem ser pintados com pigmentos inorgânicos ou orgânicos [1]. Os pigmentos brancos, em geral contêm dióxido de titânio. O vermelho não há muito tempo atrás provinha de pigmentos inorgânicos, inicialmente óxido de chumbo e posteriormente uma mistura de sulfato e molibdato de chumbo. Actualmente, devido à toxicidade do chumbo e abaixamento dos preços, começam a ser usados pigmentos orgânicos, nomeadamente o vermelho de dicetopirrolopirrol (DPP), mais conhecido por vermelho Ferrari[2]. É de notar que o óxido de ferro é um pigmento inorgânico que pode ter cores do vermelho ao castanho e poderá também ser usado. O azul pode ser um pigmento inorgânico designado por ultramarino, o qual tem uma estrutura químico bastante complexa, ou um pigmento orgânico de um grupo de compostos designado como ftalocianinas. A cor preta é dada pelo negro de fumo, referido na paragem do passeio em que se fala de carros. De facto, nos sinais da zona da Universidade que ostentam a marca SNSV foram usados, segundo informação dos fabricantes [3], os pigmentos dióxido de titânio, ftalocianinas, DPP e negro de fumo.

As marcas amarelas na estrada tinham até há pouco tempo como pigmento uma solução sólida de sulfato de chumbo e cromato de chumbo. Os pigmentos de chumbo e cromato são uma preocupação ambiental pois, embora sejam em condições normais muito pouco solúveis, são solúveis em meio ácido. Daí a necessidade de evitar o contacto de crianças com materiais pintados usando pigmentos com chumbo (perigo de ingestão). Assim, têm sido desenvolvidos pigmentos para subtituir os pigmentos amarelos de chumbo como seja o vanadato de bismuto que é muito menos tóxico.

Os sinais de trânsito podem ser recobertos com camadas retroreflectoras constituidas por camadas de micro-esferas de vidro dispersas numa resina ou polímero.

É de referir que os pigmentos orgânicos são em geral muito mais sensíveis à luz que os inorgânicos, mas têm aprecido cada vez mais excepções como as ftalocianinas e o DPP.

No Departamento de Química da FCTUC, em colaboração com empresas da especialidade, estão a ser estudados pigmentos inorgânicos fluorescentes e fosforencentes baseados sais em estrôncio, alguns dos quais já têm aplicação em sinalização.

[1] Os compostos orgânicos têm carbono na sua composição, mas nem todos os compostos de carbono são definidos como orgânicos. Por exemplo, o monóxido e o dióxido de carbono, os carbonatos, o diamante, a grafite e os fulerenos não são considerados compostos orgânicos. Compostos inorgânicos são todos os que não são orgânicos.
[2] Steven Litt, The story behind Pigment Red 254, nicknamed 'Ferrari Red' (acedido 28/7/2009)
[3] Agradeço à SNSV e à CIN as informações cedidas sobre os processos de produção de sinais de trânsito e sobre os pigmentos utilizados.

[Versão de 28 de Julho de 2009]

(PQ-UC) Estalactites nos Arcos do Jardim

Os Arcos do Jardim, parte do Aqueduto de S. Sebastião, são uma construção muito elegante que foi recentemente restaurada e que merece ser olhada com atenção. O templete com S. Sebastião que deu origem à famosa história coimbrã das setas de prata roubadas e da placa com os dizeres basta de tanto sofer tem uma geometria que proporciona a ilusão de estar sempre virado para o observador.

E tentar saber para que lado descia a água leva-nos a pensar em ilusões de óptica e no efeito que as imagens (veja-se a fotografia de cima) podem causar na nossa percepção da realidade.

Para além da história e da estética, os Arcos do Jardim restaurados têm aspectos químicos muito interessantes. Um destes é a formação de estalactites, fenómeno que também encontramos na zona da cantina das Químicas. Trata-se de um processo químico muito comum envolvendo betão, cimento, ou cal e reações ácido-base.

Os Arcos aparentam ter sido restaurados de forma tradicional, usando argamassas à base de cal (cujo importante constituinte é o hidróxido de cálcio), por isso a formação de manchas brancas e estalactites de carbonato de cálcio de acordo com a reacção

Ca(OH)2(aq) + CO2(aq) → CaCO3(s) + H2O(l)

parece estar a ser especialmente rápida (veja-se a fotografia de baixo). De facto, estas estalactites crescem muito mais depressa que as estalactites que surgem de forma natural, por exemplo em grutas. Nesse caso, a rocha calcária dissolve-se em água com dióxido de carbono formando bicarbonato de cálcio a partir do qual vai lentamente formando de novo carbonato de cálcio de acordo com o equilíbrio

CaCO3(s) + CO2(aq) + H2O(l) ↔ Ca(HCO3)2(aq)

No caso do betão, que é constituido por cimento, areia, água e pequenas pedras, o processo de formação de estalactictes é precedido pela reacção do óxido de cálcio presente no cimento com a água,

CaO(s) + H2O(l) → Ca(OH)2(aq)

O cimento é obtido aquecendo a 1450oC rochas carbonatadas ricas em silicatos de alumínio. Este processo é bastante complexo, mas pode, de modo simplificado, ser representado pela reacção,

7CaCO3(s) + Al2Si2O5(OH)4(s) → Ca3SiO5(s) + Ca2SiO4(s) + Ca3Al2O6(s) + 7CO2(g) + 2H2O(g)

que, usando a notação da literatura especializada, pode ser escrita na forma,

7CaCO3(s) + Al2O3⋅2SiO2⋅2H2O(s) → 3CaO⋅SiO2(s) + 2CaO⋅SiO2(s) + 3CaO⋅Al2O3 + 7CO2(g) + 2H2O(g)

De facto, os constituientes do cimento são muitas vezes indicados como: 3CaO⋅SiO2(s) ou (de forma simplificada) C3S; 3CaO⋅Al2O3 ou C3A, etc. Durante o processo, algum carbonato de cálcio decompõe-se em óxido de cálcio (notar que este é o processo de produção da cal, referida acima),

CaCO3(s) → CaO(s) + CO2(g)

sem que seja neutralizado. E uma vez incorporado no betão vai-se lentamente dissolvendo em água para formar hidróxido de cálcio que, como vimos acima, dá origem às estalactites rápidas.

Finalmente refira-se que os químicos têm desenvolvido, ao longo dos tempos, produtos e métodos de tratamento e estabilização de betões e outros materiais de construção.

Bibliografia:
Peter Borrows, Education in Chemistry, January 1994, p. 7.
E. Stocchi, Industrial Chemistry (1990, Ellis Horwood, New York).

[Versão de 9 de Julho de 2009. Última alteração 12 de Março de 2010]

(PQ-UC) O cheiro da relva acabada de cortar

Quase ninguém fica indiferente ao cheiro da relva acabada de cortar. Os químicos não descansaram enquanto não descobriram as moléculas responsáveis por ele e também as reacções químicas que lhe estão associadas (veja-se [1]).

A molécula responsável pelo cheiro a relva cortada é o cis-3-hexenal (ou cis-hexen-3-al), cujo limite de detecção pelo nosso olfato é cerca de 0.25 partes por bilião (ppb), ou seja, conseguimos detectar o seu cheiro se a sua concentração for superior a 0.25 miligramas por cada tonelada de ar. Trata-se de uma concentração muito pequena, mas em termos de moléculas é ainda um número muito grande (deixo essas contas para os visitantes!)

Esta molécula é formada pela planta cortada como parte do seu mecanismo de defesa contra as bactérias, enquanto não saram as feridas. Infelizmente, o cis-3-hexenal é pouco estável e tende a rearranjar-se para formar o isómero [2] trans-2-hexenal, uma molécula com um limite de detecção olfativo bastante superior (17 ppb), mas que tem também um cheiro muito característico. Aliás, esta última molécula é um dos muitos aldeídos [3] encontrados, por exemplo, nos coentros, que, para além de serem usados como especiaria, podem também ter um papel na preservação dos alimentos.



O trans-2-hexenal aparece também nalguns insectos, como aqueles que são conhecidos pelo seu especial mau cheiro! Estes usam esta molécula como feromona de alarme ou atracção. E isso alerta-nos para um conhecido facto na química dos perfumes: a concentração das moléculas que provocam as sensações olfativas é muito importante para o efeito de agrado ou desagrado que causam a quem as cheira.

[1] Simon Cotton, cis-3-hexenal, trans-2-hexenal and 'green grass' smell (página acedida em 9/7/2009)
[2] Isómeros são compostos químicos que têm os mesmos números e tipos de átomos em diferentes arranjos estruturais.
[3] Um aldeído é um tipo de composto orgânico que posssui um grupo de átomos no qual a um carbono está ligado um oxigénio e um hidrogénio ligado a outro carbono da molécula. Nos modelos moleculares apresentados os carbonos estão representados a castanho, os hidrogénios a branco e o oxigénio a vermelho.

[última alteração em 14/7/2009]

(PQ-UC) Parede do Botânico: rochas e líquenes

Os líquenes são muitas vezes referidos como indicadores de poluição pois não se desenvolvem em condições ácidas. É por isso que preferem as superfícies que neutralizam a acidez: as rochas calcárias (como pode ser visto na fotografia) e o cimento [1]. Em condições de muito pouca acidez poderemos encontrá-los também em tijolos e no granito. É interessante notar que os lodões do outro lado da rua e as tílias junto ao edifício das Químicas têm muitos líquenes nos troncos.

[1]Peter Borrows, Education in Chemistry, January 1995, p6.

[Versão de Julho de 2009. Última alteração 19 de Abril de 2010]

(PQ-UC) história de um herbicida contada junto à planta que o inspirou

No quadrado central do Jardim Botânico podemos encontrar um arbusto com uma história interessante relacionada com o desenvolvimento de herbicidas e fármacos. Designada por vezes como árvore das escovas vermelhas, limpa garrafas, o Callistemon citrinus é um arbusto que este ano floriu em Junho e que no que no final de Julho já deve estar sem flores.

A procura de novos compostos herbicidas é uma das tarefas mais importantes de Investigação e Desenvolvimento (I&D) nas companhias agroquímicas. O desenvolvimento de novos compostos herbicidas começa, em geral, com a descoberta de compostos (designados lead) com propriedades interessantes que possam servir de guia para a produção de compostos análogos com propriedades mais efectivas.

Partindo da leptospermona (figura ao lado [2]), composto presente nas raizes deste arbusto e que tem propriedades herbicidas, mas não é adequada para a produção comercial, a Syngenta desenvolveu compostos mais potentes, entre os quais se encontra a mesotriona [1], usada como herbicida específico para o controlo de ervas daninhas na produção de milho.


Mas a contribuição deste arbusto não fica por aqui. A leptospermona e a mesotriona inspiraram uma outra molécula (a nitinisona, na qual o grupo -SO2CH3 da mesotriona é substituido por um grupo -CF3), inicialmente também desenvolvida como herbicida, mas que é agora usada no tratamento de uma doença hereditária rara.

Para além destas aplicações já conhecidas, outras moléculas extraídas deste arbusto estão a ser estudadas como potenciais agentes antibióticos contra infecções multi-resistentes. Refira-se que a descoberta de novas moléculas que possam funcionar como leads para o desenvolvimento de fármacos é também um dos objectivos mais importantes da investigação em Química Médica.

Parece demais para uma planta só? De facto, sabe-se que muitas destas moléculas estão presentes também noutras plantas. Em qualquer dos casos, os químicos estarão lá para analisar, estudar, sintetizar e desenvolver o que for necessário com vista a melhorar o futuro da humanidade.

[1] Derek Cornes, Callisto: a very successful maize herbicide inspired by allelochemistry (página acedida em 9/7/2009)
[2] Entender as representações bidimensionais das moléculas usadas pelos químicos é uma arte que se aprende com algum treino. Os símbolos químicos do carbono e do hidrogénio são muitas vezes omitidos; os carbonos da molécula são indicados pelos vértices e pelas ligações entre si (simples, duplas, ou triplas); os hidrogénios ligados aos carbonos são subentendidos com base nas quatro ligações possiveis de cada carbono. Os outros átomos (oxigénio, enxofre, azoto, etc.) são representados pelos seus simbolos químicos.

[última alteração: 17/7/2009]

(PQ-UC) Cevadilha uma planta tóxica muito comum

Podemos encontrar cevadilhas (Nerium Oleander L., família das Apocynaceae), também chamados loendros em todo o lado, com flores brancas ou cor-de-rosa. Trata-se de uma planta da qual todas partes são tóxicas, mas em Portugal não parecem ser conhecidos casos de intoxicação, nem parece haver muita preocupação com isso. De acordo com a página do Jardim Botânico, esta planta teria sido usada para exterminar os parasitas dos soldados portugueses nas trincheiras, na Primeira Gerra Mundial. Eu acrescento que, se calhar, também contribuiu para grande parte destes soldados estarem muitas vezes doentes.

A principal substância tóxica desta planta é a oleandrina, um esteróide cardiotóxico que pertence à família dos glicosídeos de acção cardíaca, os quais são compostos activos retirados de várias plantas, também tóxicas, usados em medicamentos para alguns tipos de doenças cardíacas. Assim, desde há muito tempo que se têm procurado aplicações médicas para a planta, mas sem grandes resultados. Actualmente os glicosídeos cardíacos estão a ser alvo de uma renovada área de investigação como agentes anti-cancerígenos[1], o que poderá ser a oportunidade de o loendro ganhar uma nova utilidade.

[1] Prassas I, Diamandis EP, Novel therapeutic applications of cardiac glycosides Nature Reviews Drug Discovery, 7(11), 926-935 (2008).

[Versão de 17 de JUlho de 2009; ultima actualização 30 de Março de 2010]

(PQ-UC) Placa evocativa de Domenico Vandelli

Não é fácil encontrar a placa evocativa de Domenico Vandelli (1739-1816) no Jardim Botânico pois está coberta com plantas trepadeiras. Em 1772 foi convidado pelo Marquês de Pombal para ser ser Professor de História Natural e Química na Universidade de Coimbra. A sua produção científica e pedagógica no domínio da química foi pouco significativa, mas redigiu um grande número de artigos de história natural e economia [1]. Os Jardins Botânicos foram uma das suas grandes paixões; tinha uma especial interesse por dragoeiros (que são referidos numa outra parte do passeio). Também se dedicou a actividades empresariais relacionadas com a produção de porcelanas, o que pode pode ser considerado, em linguagem moderna, uma forma de empreendedorismo e criação de empresas spin-off. Esse espírito empresarial e a preocupação económica era bastante comum à época. Lavoisier (1743-94), por exemplo, que é considerado um dos criadores da química moderna, tinha também preocupações e actividades de natureza económica, o que, tragicamente, acabou por ser a causa da sua execução durante a Revolução Francesa.

[1]António Amorim da Costa, Domenico (Domingos) Vandelli (1730-1816) (página acedida em 16/7/2009)

[ultima actualização em 16/7/2009]

(PC-UC) Dragoeiro: a árvore milenar do sangue do dragão

O Sangue do dragão é uma resina natural com uma forte cor vermelha, obtida de várias árvores da família das Draconeáceas, as quais são usadas há séculos com fins artísticos e medicinais. Em publicações científicas recentes, J. Sérgio Seixas de Melo, do Departamento de Química da FCTUC, e colaboradores, têm desvendado os segredos da composição e propriedades do Sangue do Dragão, tendo identificado e caracterizado a molécula responsável pela cor vermelha a que denominaram dracoflavilium (ver por exemplo [1]).

Extractos de seiva de dragoeiro são usados em medicina tradicional chinesa. De facto, as antocinaninas e outros flavonóides parecem ter efeitos benéficos no organismo. É bem conhecida a correlação entre consumo moderado de vinho tinto, bastante rico nestes compostos, com a diminuição estatística do número de patologias cardíacas.

Segundo a wikipedia o Sangue do Dragão foi muitas vezes confundido com o cinábrio que é um pigmento vermelho de sulfureto de mercúrio (o que não seria uma confusão muito saudável).

Para além do Sangue do Dragão, também os próprios dragões continuam a estimular a imaginação dos cientistas e escritores [2,3].

[1] M.J. Melo, M. Sousa, A.J. Parola, J.S.S. Melo, F. Catarino, J. Marçalo, F. Pina, Identification of 7',4-Dihydroxy-5-methoxyflvylium in "Dragon's Blood": To be or Not to Be an Anthocyanin, Chemistry European Journal, 13 (2007) 1417-1422.
[2]R. Highfield A Ciência e a magia em Harry Potter (Magnólia, 2007).
[3]R. May The Ecology of Dragons, Nature, 264 (1976) 16-17.

(PQ-UC) Química num quiosque no Jardim Botânico

Na parte de cima, chapas de cobre que desenvolveram uma camada verde típica de sais de cobre. Em baixo uma tinta verde sobre ferro. Na zona de união uma pintura recente com uma tinta que parece ser de alumínio ou zinco, porquê? Isto é verde, mas há muita química aqui...

(PQ-UC) O castanheiro-da-Índia na Primeira Guerra Mundial

Durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) o castanheiro-da-Índia poderia ter tido um papel químico importante, pensado por um químico que mais tarde foi presidente de Israel, Chaim Weizmann. No entanto, por razões logísticas, mas também devido à entrada dos EUA na guerra, esse plano perdeu o interesse.

Recordar esta história é também lembrar que o sucesso de uma boa ideia está dependente de muitas contingências.

Como chefe dos laboratórios do Almirantado Britânico, em 1917 Weizmann desenvolveu um processo para obter acetona a partir dos frutos dos castanheiros-da-Índia, os quais eram recolhidos por crianças e enviados por combóio para o local de processamento.

A acetona era necessária como solvente na produção de cordite, um explosivo e propelente com uma formulação essencialmente baseada na nitrocelulose e na nitroglicerina. Como foi referido acima, o processo de recolha e envio das castanhas e de produção da acetona acabou por se revelar pouco eficiente e, com a entrada dos EUA na guerra, foi abandonado.

[versão inicial de 17 de Janeiro de 2010. Última alteração e correcções de 24 de Abril de 2010]

(PQ-UC) A pia da pólvora de Tomé Rodrigues Sobral


No Museu da Ciência podemos ver uma pia que terá sido usada para produzir pólvora para combater as invasões francesas por inciativa do lente de química do início do séc XIX Tomé Rodrigues Sobral. Por causa disso os franceses acabaram por lhe queimar a casa, o que levou a que perdesse todos os seus papéis incluindo o manuscrito de um livro de ensino da química que estaria quase pronto.

A composição típica da pólvora, duas partes de enxofre, três partes de carvão e quinze partes de salitre (nitrato de potássio) é conhecida há séculos, mas o comportamento deste material era tido muitas vezes como imprevisível. E, de facto, as reacções químicas envolvidas e o mecanismo de combustão da pólvora só muito mais recentemente começaram a ser conhecidos. A pólvora é muito higroscópica; a presença de uma pequena quantidade de água pode levar em algumas raras circustâncias à sua explosão, mas leva em geral à sua inactivação e tranformação num material corrosivo.

Outra das iniciativas de Tomé Rodrigues foi a utilização de desinfectantes de cloro para combater um surto de peste que surgiu em Agosto de 1809, tendo deixado essa actividade descrita de forma muitíssimo detalhada e verbosa em publicações da época. Na altura existia a teoria dos miasmas que, segundo Sobral, seriam corpúsculos químicos ainda não identificados causadores de doenças que eram inactivados de forma química pelo desinfectante.

Os aparelhos desinfectantes consistiam num pequeno vaso de barro no qual era colocado sal marinho e morado (óxido de manganésio). Para fazer a desinfecção adicionava-se ácido sulfúrico, após o que se libertava um gás que na altura era designado como ácido muriático oxigenado mas sabe-se hoje ser o cloro, segundo a reacção

MnO2 + 4NaCl + 2H2SO4 → Cl2 + MnCl2 + 2H2O + 2Na2SO4

A designação de ácido muriático oxigenado advém de se pensar na altura que o oxigénio do óxido de manganésio passava a fazer parte do gás que se libertava, após a reacção com o ácido muriático (HCl). Essa interpretação foi seguida pelo próprio Lavoisier e só mais tarde Davy a pôs em causa. É interessante notar que num relatório que escreveu em 1813 Tomé Rodrigues Sobral já conhecia e possivelmente aceitava as conclusões de Davy.

É de notar, no entanto, que na altura também poderia ser designado como ácido muriático oxigenado o ácido hipocloso HClO cuja base conjugada é o hipoclorito ClO- que pode ser obtido pela dismutação do cloro em solução alcalina na presença de cloretos,

Cl2 + Cl- + 2OH- → 2ClO- + H2O


[Versão de 9 de Abril de 2010. Ultima alteração de 31 de Maio de 2010]

(PQ-UC) Química das cores do Outono

O Outono traz-nos cores magníficas nas folhas das árvores. Vale a pena parar um pouco para as apreciar e procurar entender porque surgem.

O pigmento verde das plantas é a clorofila que tem como ião central o magnésio. Para além da clorofila, há outros pigmentos como os carotenóides (que são de cor amarela). Nas folhas verdes a clorofila está ligada a uma proteína que origina um produto insolúvel. Há medida que se aproxima o Outono a proteína separa-se em aminoácidos que são armazenados nas raízes e a clorofila degrada-se, permitindo que se tornem visíveis os amarelos dos carotenóides, além de cores devidas a outros pigmentos. Para além disso, os açucares que ficam nas folhas sofrem transformações que resultam em antocianinas dando os tons de vermelho.

P. Borrows, Educ. Chem. 1993, 30(1), 182.

[Versão preliminar de 9 de Abril de 2010; fotografia de Outubro de 2009]

Porquê percursos químicos?

Inspirados pela sugestão de Peter Borrows [1,2] para a criação de chemistry trails no ambiente local de cada escola, a qual é, por sua vez, baseada nos tradicionais percursos na natureza, os percursos químicos podem contribuir para revelar a importância da química e das suas aplicações e ser um instrumento de apresentação ou revisão de conceitos e conhecimentos em novos contextos, reforçando a eficácia do ensino da química e a motivação dos estudantes.

[1] Peter Borrows, The Pimlico chemistry trail, School Science Review 66, 221 (1984).
[2] Peter Borrows, Chemistry outdoors, School Science Review 87, 23 (2006).