O cérebro todos os dias

Texto com passeios químicos que apareceu no Diário de Coimbra de 15 de Março de 2011, durante internacional do cérebro

Na semana do cérebro proponho um passeio com a química cerebral em mente. No funcionamento deste órgão estão envolvidas muitas moléculas. A glicose é o seu principal combustível e os seus mais importantes reguladores são o glutamato, activador das células cerebrais, e o GABA (ácido gama-aminobutírico) que tem o efeito contrário.

A atenção, emoções e memórias envolvidas nas acções de conduzir um carro, ver um jogo de futebol, namorar no parque, sair à noite com os amigos ou estudar resultam de mecanismos químicos complexos que vão ocorrendo sem que o notemos. Mas numa situação que pareça de risco, a norepinefrina e a epinefrina (adrenalina) são rapidamente produzidas, estimulando as partes do cérebro onde a atenção e a acção são controladas, aumentando o ritmo cardíaco e o fluxo de sangue para os músculos.

Paremos o carro e vamos tomar um café. A cafeína entra rapidamente no cérebro e aumenta ligeiramente o fluxo sanguíneo cerebral. Interfere também com os receptores da adenosina, aumentando o estado de alerta mas, em quantidades moderadas, a cafeína não impede o sono. Este alcalóide interfere ainda com os receptores da dopamina, o que ajuda a explicar o prazer de tomar café, mas não parece ser viciante. A adenosina tem um papel importante em lembrar que está na hora de dormir, mas acredita-se que há vários mecanismos cerebrais responsáveis pelo sono. Um estudo comparado da condução sob efeito do álcool e sem descansar, concluiu que mais de dezassete horas sem dormir é equivalente ao limite legal de álcool no sangue. O etanol interfere com o GABA e o glutamato modificando o nível geral de activação dos circuitos nervosos. Por isso, se já é perigoso beber em excesso, muito pior é beber quando se estão a tomar medicamentos como as benzodiazepinas.

Estamos agora namorar no parque. A norepinefrina e a feniletilamina (molécula que existe naturalmente no chocolate) estão relacionadas com a atracção e a dopamina, a prolactina e a serotonina controlam em parte a excitação e o prazer com o apoio do monóxido de azoto. A serotonina está associada à depressão e aos mecanismos do vício. Parece até que os baixos níveis de serotonina dos apaixonados os aproxima dos doentes e viciados. Mas com o tempo a exaltação vai dando lugar à estabilidade, na qual a oxitocina tem um papel importante. Esta hormona, que induz o trabalho de parto nas grávidas, é também libertada durante o orgasmo. E a vasopressina, uma hormona que participa no controlo da retenção de água e formação das memórias, parece estar ligada à fidelidade. Na paixão, a norepinefrina exalata-nos, a serotonina prende-nos e a dopamina diz-nos que devemos ficar felizes com isso. Finalmente, a festa acalma com a oxitocina e a vasopressina e nada disto tira poesia ao amor.

Conhecer os mecanismos bioquímicos, muitas vezes redundantes e adaptáveis, de funcionamento do cérebro é importante para se obter, longe de quaisquer considerações morais, uma perspectiva científica do seu funcionamento saudável e permite desenvolver fármacos mais específicos e seguros para curar as doenças que o afectam.

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