Existia, à partida, bastante ousadia neste meu empreendimento, pois não sou um conhecedor do Porto. No entanto, com a ajuda de alguns livros, em especial os de Germano Silva, assim como da internet e de um mapa, planeei uma visita bastante ambiciosa que se revelou mais curta nas distâncias do que pensei à partida, mas que foi muito mais demorada, porque não segui o plano de forma estrita.
As referências químicas históricas mais conhecidas do Porto são a Academia Politécnica do Porto, criada em 1837, a qual está na origem da actual Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, e o Professor Ferreira da Silva que foi o primeiro presidente da Sociedade Portuguesa de Química. Por serem essas as referências mais seguras deixei-as para o fim do passeio, mas, infelizmente, anoiteceu rapidamente e acabei por não ter fotografias do antigo edifício da Academia Politécnica, onde fica actualmente a Reitoria da Universidade do Porto e Museus de Ciência e de História Natural, nem do livraria Lello e Jardim da Cordoaria, onde existem muitos pontos químicos de interesse.
Por acaso, comecei o passeio pelo antigo Edifício do Frigorífico do Peixe, um edifíco agora em obras, ao lado do actual Museu do Carro Eléctrico. O primeiro edifício evoca a industrialização da conservação pelo frio. A química da conservação pelo frio, que nem todas as pessoas sabe como funciona, e o desenvolvimento dos processos de conservação e da produção de frio e gelo são aqui um bom tema químico. Também a própria água, que é um líquido com um comportamento excepcional, com o Douro mesmo ali à frente, não pode deixar de ser referida.
O Museu do Carro Eléctrico foi em tempos uma central termoeléctrica. Uma forma moderna de produzir electricidade que hoje estamos a abandonar, mas que tem a sua história. Se tivesse seguido na direcção da ponte da Arrábida chegaria à Rua do Ouro na qual se situava o gasómetro (de que li ainda haver vestígios), o qual evoca uma forma de iluminação pública há muito esquecida.

Mais à frente fica o Museu do Vinho do Porto. Quanta química há no vinho, e no vinho do Porto em particular! Real e metafórica. Os tratamentos das vinhas tradicionais e modernos, as análises químicas, as moléculas e reacções químicas envolvidas, as glórias e misérias do etanol, tanta coisa que há para contar! Não tive tempo de entrar, mas fotografei uma das montras com alfaias e outros instrumentos. Mais à frente uma antiga fábrica com a data de 1942, a investigar melhor. Para cima (e é mesmo a pique pelas Escadas das Sereias ou Calçada de Monchique, onde ficava o convento referido acima) fica a Banderinha da Saúde cheia de histórias que Germano Silva evoca. Memórias dos tempos em que as doenças eram um risco difícil de entender e evitar.


Acabei por voltar a passar no mesmo caminho, mas agora fiz o cais das pedras por dentro e fotografei uma enorme argola metálica. Um exemplo de como a corrosão pode ser retardada apenas por todos os seus pontos estarem em contacto com o ar.
Seguindo para Miragaia, Germano Silva conta a história dos anarquistas que em 1916 fizeram explodir um conjunto de casas, enquanto faziam nitroglicerina. Aparentemente ainda lá está o buraco, mas há vários buracos e por isso não o consegui identificar (para isso irei precisar de ajuda quase de certeza). De qualquer forma, este é um pretexto para referir os explosivos e a sua química e segurança. E já agora o Aqulino Ribeiro de Um escritor Confessa-se.
Um pouco por acaso subi pela Rua do Comércio do Porto. Aqui há memórias de alguns processos e comércios tradicionais, mas o que mais me prendeu foram as cores em contraste com a luz do lado do rio. Mais à frente aparece o Instituto dos Vinhos do Douro e Porto e virei para o lado do Mercado Ferreira Borges. A cobertura do ferro com tintas vermelhas conhecidas por zarcão tem aqui a sua história. Ao lado na Praça do Infante, duas Gingko biloba. Serão macho ou fêmea? Se forem fêmeas a química é terrível, literalmente! Mais abaixo, em frente à igreja de S. Francisco, há outra que vi mais tarde.
O Porto é, e provavelmente sempre foi (veja-se, por exemplo, o que escreveu Link no final do século XVIII no seu famoso livro sobre Portugal), uma cidade muito limpa e organizada. Mesmo as árvores têm os seus próprios locais.

Passando para o outro lado da rua, entrei pela Rua do Souto e travessa do Souto (mas não chegei a ir à Rua de Pelames) e virei para a Rua Escura, verdadeiras ruas medievais do Porto antigo. Havia, segundo Germano Silva, nesta zona um forno de cal e resta no nome da rua a memória do tratamento das peles. Segui para o Largo Pedro Vitorino, local onde se venderam em tempos tripas e falhei a fonte de S. Miguel-o-Anjo com o seu gradeamento de ferro e estátua em pedra de Ançã e segui para o Largo do Colégio. Foi aqui que no início do século XIX esteve aquartelado o Regimento Académico de que Almeida Garrett fazia parte. Contrariamente ao que supus, de forma ingénua, não foi aqui que Camilo veio ouvir música quando estava com pouca vontade de estudar química para o exame que tinha no dia seguinte. O "quartel general" referido por Camilo Castelo Branco fica bastante mais acima.
Desci a Rua de Santana que não tem arco há muito tempo e continuei pela Rua dos Mercadores. Estava a escurecer e cheguei ao túnel, onde entrei. Quanto barulho no seu interior! Um problema de acústica interessante. Do outro lado os painéis da Ribeira Negra e os pilares da antiga ponte pênsil. Poderia ter seguido junto ao rio, mas (fiz uma má escolha e) voltei pelo túnel. Visitei a igreja de S. Nicolau, fui à Ribeira tentar encontrar a memória dos banhos públicos, o postigo do carvão e o muro do bacalhoeiros. Voltei a subir a Rua Mouzinho da Silveira a meditar sobre outro Mouzinho: Luis Mouzinho de Albuquerque que também esteve no Porto nas lutas liberais, mas que foi também professor de Química em Lisboa. Cheguei a S. Bento e fui ver e fotografar os azulejos. Segui para os Clérigos e passei na parte de baixo da Praça da Liberdade. Está lá a estátua de D. Pedro IV junto da qual terá havido, no final do século XIX, lugar reservado para a gente fina, num certo S. João, assistir ao fogo de artifício criado por um "certo químico" (temos de verificar quem era). O povo não gostou e ocupou os lugares da gente fina!
Era já noite cerrada, só havia luz aceitável na zona comercial moderna. A antiga Cadeia da Relação, o Jardim da Cordoaria, a Academia Politécnica, as lojas pitorescas que há por ali até ao Bolhão ficam para outra altura.
Biblografia (a completar)
Marina Graça e Helena Pimentel, Seis Percursos pelo Porto (Afrontamento, 2002)
Germano Silva, Porto: viagem ao Passado (Porto Editora, 2013)
Germano Silva, Porto: história e Memória (Porto Editora, 2011)
Germano Silva, artigos variados na revista Visão.
[versão peliminar de 19 de Novembro de 2013, com algumas alterações de 23 de Novembro]