Passeio químico entre os electrodomésticos

O que queima um fogão a gás? O que é um redutor? Como funciona um frigorífico? Estas perguntas podem (e devem) ocorrer quando vamos a uma loja de electrodomésticos. Não são objectos mágicos, têm ciência envolvida, em particular de química. Hoje vou só falar dos frigoríficos.  
 
Um frigorífico é uma máquina que extrai calor de um local mais frio para um local mais quente. Para isso precisa de energia, claro. E para este processo, usa um fluido. Se repararem com atenção, além do isolamento e de outras coisas, num frigorífico temos muitos canos onde o fluido se expande, absorvendo a energia, indo em seguida para um motor onde é comprimido, gastando energia e aquecendo. Este processo repete-se até se obter a temperatura pretendida no interior. Vemos assim que há uma coisa que não devemos fazer e outra que não serve para nada em termos médios. Abrir o frigorífico muitas vezes, diminui o isolamento e obriga-o a trabalhar mais. Deixar a porta aberta pode arrefecer localmente, momentaneamente, a médio e longo prazo, não serve para nada e só contribui para maior aquecimento do local.

A popularização da refrigeração foi fundamental para a qualidade de vida e diminuição da mortalidade infantil e de outras doenças. Os mais velhos ainda se lembram das salgadeiras e dos fumeiros, que agora podem ser substituídos pelas arcas frigoríficas. Para isso concorreu a descoberta por Thomas Midgley, nos anos 1930, de que os cloflurocarbonos (CFC) eram ideias. Não eram tóxicos, nem inflamáveis, e eram baratos. Infelizmente, descobriu-se nos anos 1970 que estes reagiam com o ozono da estratosfera. E, mais tarde, descobriu-se também que os substitutos contribuíam para o aquecimento global. Isso gerou ainda mais investigação.

Os cientistas e construtores passaram a ter uma equação mais complexa. Além eficiência energética, da toxicidade, e da inflamabilidade, é necessário contar com os potenciais de depleção da camada de ozono e contribuição para o aquecimento global. Surgiram assim várias formas de classificação, além das anteriores. Os A1, A2, e A3, referem-se à inflamabilidade, enquanto os B1, B2 e B3, à toxicidade. Se for um CFC aprovado (com pouco potencial para depletar o ozono, por exemplo, o triclorofluorometano, CCl3F, ou R-11, usando a nomenclatura da ASHRAE, American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers) será A1. Se for um substituto mais tóxico, mas pouco inflamável, como o diclofluorometano (CHCl2F, ou R-21) será B1. Se for o pentano (CH3CH2CH2CH2CH3, ou R-601) será A3, e aí por diante.

Perguntam-se os alunos muitas vezes porque aprendem química na escola. Pois é, para muitas coisas, até para comprar um frigorífico e perceber o que o vendedor está a dizer e o que está escrito no manual. Mas também para contruir frigoríficos mais sustentáveis e ambientalmente mais seguros. 

A química na região de Alenquer

[Dei uma palestra online para os alunos da Escola Damião de Góis em Alenquer e há cerca de um ano estive lá e fiz algumas fotografias. Assim, aproveitei para fazer um passeio químico nesta região]

Alenquer é uma das muitas localidades presépio de Portugal. Mas é das mais antigas, se não me engano. É lá que se situa o túmulo de Damião de Góis e o museu da vítimas da inquisição entre outros pontos de interesses. Tudo tem química, claro, mas para evitar repetir-me vou falar essencialmente de centrais de combustíveis lá perto e da fábrica de têxteis.  

Na saída da autoestrada, no Carregado, a cerca de quatro quilómetros de Alenquer, fica a conhecida central termoeléctrica. Afinal são duas: a Central do Carregado e a Central do Ribatejo. A central termoeléctrica do Carregado funcionou de 1968 a 2012 e usava fuelóleo, consumindo 28 toneladas por hora todo o dia a 125 megawatts (MW) em cada um dos seus seis grupos. Passou a gás natural em 1997 e contruíram, mesmo ao lado uma nova central, a do Ribatejo, que usa também gás natural.

Trata-se de uma central de ciclo combinado (usa o gás natural e vapor de água). É mais eficiente do que a anterior, tendo taxas de rendimento da ordem dos 50% enquanto a antiga central tinha à volta dos 35%. Cada um dos três grupo da nova central produz 400MW (240MW a gás e 160MW a vapor) [1].

Poderão achar muito baixo o rendimento, mas os carros de combustão interna têm rendimentos muito inferiores, enquanto que as máquinas a vapor do século XIX tinham rendimentos ainda menores. Como é que podemos melhorar? Aumentando a eficiência (já se chegou aos 60% em turbina de ciclo combinado), usando combustíveis mais sustentáveis e, claro, mudando de métodos para converter a energia para a forma que nos interessa. Nesta central, têm ainda um projecto piloto de produção, armazenento e uso de hidrogénio com vista à descarbonização [2,3]. Neste caso, a reação fundamental é a combustão do hidrogénio,, havendo apenas produção de água.
A cerca de vinte quilómetros de Alenquer fica o parque industrial de Aveiras que tem a CLC (Companhia Logística de Combustíveis), criada para realojar as instalações petrolíferas de Cabo Ruivo, quando foi necessário movê-las devido à Expo 98. O capital da CLC é partilhado pela Petrogal (65%), Repsol (15%) e BP Portugal (15%) e a Rubis com os restantes 5% [4]. Daqui, saem mais 500 camiões por dia com combustíveis.

Lembrei do jogo dos números UN (United Nations) de produtos perigosos. Se é o número 1820, então ácido sulfúrico. Se for 1977 será nitrogénio, 3092, metoxi-2-propanol e aí por diante. Há outros símbolos nos camiões, como os de inflamável, corrosivo, oxidante e explosivo. E além dos símbolos, há números genérios que avisam dos perigos envolvidos. 
Nesta região, considerando a sua localização estratégica, situam-se várias indústrias, entrepostos e armazéns. 

No centro de Alenquer podemos encontrar uma antiga fábrica têxtil, recentemente comprada para ser um hotel [5-7]. Foi a antiga fábrica da Chemina que, fechada e abandonada, teve um incêndio e agora espera-a melhores dias [6,7]. Esta fábrica, situada na quinta com o mesmo nome, originalmente produzia lãs e usava uma máquina a vapor (podemos imaginar o emaranhado de correias de transmissão), não estando assim dependente da força motriz das águas correntes do rio. 

 

[Versão provisória de 2/12/2020]

Para saber mais
[1] EDP, Há vida na central fantasma. https://www.edp.com/pt-pt/historias/ha-vida-na-central-fantasma (acedido a 2/12/2020)
[2] O Mirante, 16/06/2020. Central Termoeléctrica do Ribatejo está mais perto da neutralidade carbónica, https://omirante.pt/sociedade/2020-06-17-Central-Termoelectrica-do-Ribatejo-esta-mais-perto-da-neutralidade-carbonica (acedido a 2/12/2020)
[3] ECO Sapo, 11/12/2019, EDP vai produzir hidrogénio na central termoelétrica do Ribatejo. https://eco.sapo.pt/2019/12/11/edp-vai-produzir-hidrogenio-na-central-termoeletrica-do-carregado/ (acedido a 2/12/2020)
[4] CLC, História. https://www.clc.pt/hist/ (acedido a 2/12/2020)
[5] CM de Alenquer, Património arquitetónico. http://www.cm-alenquer.pt/Catalogs/listentities.aspx?category=24&page=11 (acedido a 2/12/2020)
[6] Jornal O Público, 5/2/2019, Alenquer quer hotel em fábrica têxtil centenária. https://www.publico.pt/2019/02/05/local/noticia/alenquer-quer-hotel-antiga-fabrica-textil-centenaria-1860662 (acedido a 2/12/2020)
[7] Fundamental, 20/2/2020, Alenquer: Chemina vendida hoje por um milhão e cem mil euros. https://www.fundamental-diario.pt/2020/02/11/alenquer-chemina-vendida-hoje-por-um-milhao-e-cem-mil-euros/ (acedido a 2/12/2020)