Passeio químico à procura das pilhas e acumuladores

Toda a gente conhece e usa pilhas e acumuladores. Estão nos antigos rádios e nos velhos e novos brinquedos, nos carros clássicos de combustão interna ou nos carros eléctricos, nos telemóveis, nos computadores e tablets, nas sondas e carros usados na exploração espacial e nos satélites. Estão num sem número de coisas, desde os nossos bolsos ao espaço. Os nomes “pilha” e “bateria” vêm da imagem de coisas, umas em cima das outras (pilhas), ou em filas e conjuntos (baterias). Estes equipamenentos transformam a energia química que está acumulada nos seus compostos em energia eléctrica. Antigamente, para aplicações caseiras, só tinhamos as pilhas de zinco que podem ser explicadas pelas reações químicas1

Zn(s) + 2Cl(aq) → ZnCl2(s)+ 2e
2MnO2(s)+ 2NH4Cl(aq) + H2O(l)+ 2e → Mn2O3(s) + 2NH4OH(aq)+ 2Cl(aq)

ficando

Zn(s) + 2NH4Cl(aq)+ H2O(l)+ 2MnO2(s) → Mn2O3(s)+ 2NH4OH(aq) + ZnCl2(aq)

As pilhas antigas quando rebentavam cheiravam a peixe devido ao ião amónio NH4+. Entretanto, se se usar como electrólito o próprio ZnCl2 teremos (e não vou colocar estados físicos)  

2MnO2 + ZnCl2 + H2O + 2e → Mn2O2 + Zn(OH)2 + 2Cl 

Assim, vemos que outras pilhas antigas quando rebentam têm resíduos brancos de hidróxido de zinco

 
Zn + H2O + 2MnO2 → Mn2O3 + Zn(OH)2
 

Por outro lado, as baterias alcalinas podem ser  

Zn + 2K(OH) → 2K+ + ZnO + H2O + 2e 2MnO2 + H2O + 2e → Mn2O3 + 2OH  

ficando  

Zn + 2MnO2 → ZnO + Mn2O3 

Tanto as pilhas ácidas como as pilhas alcalinas só descarregam a sua energia e devem ser recolhidas e recicladas. As baterias dos carros são de chumbo e são recarregáveis  

PbO2 + 4H+ +SO42− + 2e → 2H2O + PbSO4  

Pb +SO42− → 2e + PbSO4 

ficando 

PbO2 + Pb + 4H+ +2SO42− → 2H2O + 2PbSO4  

Estas pilhas descarregam em sentido directo e carregam em sentido inverso. Nos carros o dinâmo faz esse papel, mas as baterias não são eternas e tẽm de ser substituídas. A reciclagem é mesmo obrigatória pois o chumbo é um metal pesado. 

As baterias de níquel-cádmio podem também ser recarregáveis 

2NiO(OH) + 2H2O + 2e → 2OH- + 2Ni(OH)2 

Cd + 2OH → + 2e + Cd(OH)2 

ficando 

2NiO(OH) + 2H2O + Cd → Cd(OH)2 + 2Ni(OH)2  

Mais uma vez a reciclagem é obrigatória pois o níquel e o cádmio são tóxicos. 

 

As bateiria de ião de lítio usadas nos telemóveis seguem as equações 

LiC → e + Li+ + C 

CoO2 + Li+ + e → LiCoO2 

ficando LiC+ CoO2 → C+ LiCoO2 

Não sendo o cobalto e o lítio tão tóxicos poder-se-ia pensar que não era tão necessário reciclar. Sim, é preciso mesmo, não só por ser ambientalmente muito melhor, mas porque estes materiais são limitados. 

Há muitas outras pilhas. Uma curiosidade que vi recentemente são as pilhas de lítio cloreto de tionilo que não sendo recarregáveis aguentam muito tempo. Estas seguem as esquações,

Li → Li+ + e  

2SOC12 + 4e → 4Cl+ SO2 + S 

ficando 

4Li + 2SOC12 → 4LiCl+ SO2 + S

 

 1 Não faz sentido recear as equações químicas ou achar que estas não são interessantes. A representação simbólica das reações químicas é algo que se aprende (ou devia aprender) no ensino básico e tem muita informação química. Desde logo os elementos envolvidos. Temos o zinco (Zn), o lítio (Li), o cobalto (Co) entre outros.  Estes elementos estão representados na conhecida tabela periódica. Depois a representação das moleculas e das quantidades e os estados físicos. Por exemplo 2NH4Cl(aq) significa duas unidades estuturais de cloreto de amónio NH4Cl) o qual é constutuido por um nitrogénio (N), um cloro (Cl) e quatro hidrogénios (H), em meio aquoso. O lado esquerdo da seta indica os reagentes e o lado direito os produtos. Obviamente a massa e as quantidades têm de se conservar. Daí acertar-se a equação. O que é menos conhecido é que não podendo acertar uma equação estamos na presença de um processo que não existe e se houver várias maneiras de acertar uma equação (e não me refiro à simples multiplicação por um númnero), esta reação tem várias possibilidades de ocorrer. As equações químicas podem ser somas de outras equações (foi isso que fiz em alguns casos) e conservar-se não só a massa como a carga. Não receie as equações químicas. Perceba-as e use-as!     

Acção de Formação de professores dia 30 de março de 2021

Os passeios químicos em Coimbra estão também disponíveis para uma aplicação de smartphone, o Geotourist, inseridos por Mário Gomes no âmbito do seu trabalho de estágio “Da escola à universidade… um percurso químico”. Muitas outras informações podem ser obtidas em posts mais antigos.

No dia 30 de março das 15:45 até cerca das 17:15, numa Ação de Formação de professores, falámos sobre aulas de química no exterior.  Um mapa aproximado do passeio pode ser encontrado acima e aqui. Irei entretanto colocar vídeos, fotografias e textos específicos. Por agora farei uma visão geral do percurso seguido.

Estava planeado terminar na Porta Férrea, local emblemático de Coimbra, onde se pode ensinar corrosão e degradação das rochas, entre outras matérias. Nos Arcos do Jardim fizemos algo parecido e poderemos complementar e reforçar informações.

Vale a pena referir, como noutras ocasiões, que poderemos usar cadernos de micas, fazer projecções (ao cair da noite), ou usar outras aplicações de smartphone, nomeadamente para avaliação.

A cor vermelha de uma camélia fica mais ténue quando extraída em álcool (vimos isto muito rapidamente). Na presença de ácido, este caso ácido clorídico, ficará mais vermelha e fica verde na presença de uma base como o amoníaco (neste passeio não se viu bem pois as soluções estavam muito diluídas). Na presença de solução de sais de alumínio fica mais escuro com tonalidade roxa (isto viu-se bem).  Falei da água canalizada que tomamos como garantida e da água engarrafada. Mais à frente voltámos a este tema.

Falei de recilagem dos plásticos, vidros e papéis, e de novos materiais, junto a um ecoporto e das questões ambientais levantadas pelas roupas e moda, que são actualmente a segunda maior causa de poluição no planeta. Os participantes no congresso tiveram oportunidade de ver como os investigadores estão a procurar resolver as questões da sustentabilidade, poluição e materiais.

 Vimos que uma água básica na presença de fenolftaleína fica carmim. Vimos que o papel de escrita e reciclado fluorescem (emissão permitida e muito rápida) em azul com luz ultravioleta. Referi que os guadanapos de celulose quase pura não fluorescem, embora não o tenha mostrado. Vimos alguns outros exemplos de fluorescência e de fosforescência (emissão proibida, sem contar com os efeitos relativístícos) e por isso lenta. Mostrei um sinal fosforescente de saída e como este poderia ser "escrito" com UV. Mostrei vários materiaos fluorescentes com o UV.  

No Jardim da Sereia vimos muitos acantos (Acanthus mollis) ainda sem flor. Esta planta tem sido estudada aqui na Universidade de Coimbra devido aos seus usos medicinais, mas actualmente cerca de metade dos medicamentos não são bioinspiriados mas descobertos de outras formas. É muito curioso esse aspecto porque no que concerne a algumas coisas, como os medicamentos e a sustentabilidade, as pessoas que se dedicam à química são fantásticas, aumentando a natureza, mas noutras como alguns materiais a inspiração natureza é fundamental (poderíamos referir o velcro e muitos outros materiais). O mundo é muito complexo e há lugar para tudo.

Contei a história da penicilina natural e semi-sintética (com modelos moleculares), a qual ainda não foi escrita nestes passeios, mas acompanha-nos no nosso dia-dia. Poderia ter falado sobre as várias fases da descoberta dos medicamentos, onde a Quimica Computacional tem também um papel importante. Referi a questão de os medicamentos actuais serem mais de metade descobertos de forma racional sem referença biológica. Referi e mostrei o Capotril, um medicamento inspirado no veneno de uma cobra. Neste local referi as moléculas naturais que são de obtidas de forma artificial de forma mais sustentável. Uma delas é o indigo, usado na calças de ganga e do púrpura de Tiro. Mostrei (com modelos moleculares) que as diferenças entre as duas moléculas são os bromos. Mostrei o búzio de onde se extraía o purpura de Tiro, que quase se extinguiu no Mediterrâneo, mas é hoje obtido em aquicultura (os exemplares que eu tenho vieram de um supermercado). A celidónio maior é uma planta muito comum com uma seiva amarela que lhes ia mostar, mas acabei por não o fazer. Fica par outra vez.

Passámos junto a um edifício onde fazem “Perícias Forenses” e onde pensava evocar o curso de mestrado de química forense. Vimos a casa onde viveu Egas Moniz em Coimbra. Sobre ele falei bastante, mas fica para outra ocasião dar conta disso. Vimos os telhados e paredes de zinco, as águas furtadas de cobre e os isolamentos de alumínio. Vimos também as estalactites do aqueduto de São Sebastião. 

Nas Escadas Monumentais, embora tenham cortaram as ervas, mas já cresceram as cicutas (Conium maculatum), de cujo o chá mortal bebeu o filósofo Sócrates.

O tempo estava a esgotar-se. Referi ainda o ar condicionado, mas já não tive tempo para discutir as várias soluções existentes e a regulação rigorosa dos compostos químicos (o REACH é uma base de dados muito importante). Deveríamos passar pelo Museu Machado de Castro que tem várias pinturas a ver. Já antes tinha chamado a atenção para o gesso que podemos encontrar nos monumentos, devido ao dióxido de enxofre, e dos efeitos do carbono que se inscrusta nos monumentos. Vimos ainda o Laboratório Químico, lugar histórico da química em Portugal, agora Museu da Ciência da Universidade de Coimbra. Não tive tempo de falar dos brancos de chumbo e de titânio e dos vidros antigos. Fica para o próximo passeio (ou aula).