Passeio químico breve na Noruega

Em 2019, quando chegámos à Noruega a coisa que nos chamou mais a atenção foram os contrastes. É um país rico com bastante petróleo, mas estimula as energias alternativas. Coisas novas misturam-se com coisas mais antigas ou rústicas. Veem-se muitos veículos elétricos Tesla, e, em Oslo, há muitos edifícios modernos. Estivemos lá só dois dias, portanto a nossa visão é muito parcial. Durante esse tempo, nunca usámos dinheiro físico. Em todos os sítios que visitámos só aceitavam cartões. Mesmo numa bomba de gasolina para pagar um pão. A casa onde estivemos, num fiorde, perto de Oslo, era muito cómoda e quente mas para se chegar lá tinha de se andar muito a pé. E a casa de banho era na rua.

Um investimento em veículos elétricos consistente, implica a criação de estruturas de carregamento e oficinas, para além de que para, serem mesmo redutores da emissão de dióxido de carbono, deverão consumir eletricidade que minimize a sua produção. Estima-se que a energia eólica e solar vá nesse sentido, mas é importante analisar todo o ciclo de produção. De qualquer forma, com centrais elétricas de ciclo combinado já se conseguem rendimentos de mais de 60% e os carros elétricos podem ter uma mecânica mais simples do que os de combustão interna. Além disso, muda-se a origem das possíveis fontes de poluição. Ainda não está longe de ser resolvido o problema das baterias.

Estivemos só um dia em Oslo. Nunca tínhamos ouvido falar do escritor Jo Nesbø, nem do restaurante Schrøder, onde um seu personagem, o detetive Harry, vai por vezes. Fomos lá parar quase por acaso e sentámos-nos num espaço que tinha uma placa com o seu nome. Entretanto, soubemos que vários dos nossos amigos eram leitores compulsivos desse escritor, traduzido em muitas línguas, inclusive em português, e um campeão de vendas. Comemos no Schrøder pratos simples, julgamos que tradicionais (eu, cavala cozida com batatas), mas a parte das bebidas foi algo estranha. Só havia cerveja sem álcool. As histórias, que conheci depois, de Jo Nesbø são complexas e violentas, tendo os criminosos e os detetives mentes tortuosas. Em boa parte, a análise química forense é fundamental, como em todos os livros do género. A química forense é uma área fascinante para o público em geral, mas é difícil explicar que é só uma parte aplicada da outra que não é considerada tão fascinante.

Fomos a seguir ao museu Edvard Munch (1863-1944), onde está exposta uma versão do seu quadro mais famoso, “O grito”. O museu ia mudar de instalações e tinha uma exposição sobre as vezes que foi assaltado e como roubaram ou tentaram roubar várias das suas obras. Munch foi diagnosticado com neurosífilis, mas ainda viveu quase quarenta anos depois, o que levanta algumas dúvidas sobre o diagnóstico. Em qualquer dos casos, a sífilis só passou a ser combatida com eficácia com o aparecimento da penicilina, que só ficou disponível para uso civil em 1945, depois da sua morte. Também não há notícia que tenha desenvolvido loucura séria (embora alguns dos seus quadros sejam muito tortuosos) a qual também era provável com esta doença. A malarioterapia, agora um tratamento histórico, foi desenvolvida para combater este tipo de loucura, pois o protozoário da malária combatia a sífilis. Nos hospitais psiquiátricos havia mosquiteiros! Henrik Ibsen (1828-1906), um dos mais famosos dramaturgos noruegueses, escreveu sobre os efeitos desta doença em “Espectros”, associando esta doença a comportamentos devassos, o que nem sempre era verdade.

Ao atravessar um parque, notámos bastantes identificações de plantas. Curioso foi reparar numa publicação sobre as plantas infestantes. As plantas que eram infestantes na Noruega não são em Portugal, e as que estavam em extinção lá, podem ser cá pragas. Esses aspetos muitas vezes não são suficientemente conhecidos do público que pode ver as plantas infestantes como universais e imitáveis, assim como pode pensar, por vezes, haver só algumas. Ora não é assim. As plantas têm diferentes ações em climas e locais diferentes. Isso devia chamar-nos a atenção para o facto de que também a química é muito mais complexa e rica do que parece.

Passeio na Suécia, terra de químicos, minas e natureza exuberante

Inicio este passeio químico pela Suécia, referindo que esta tem muitos químicos famosos. Começando por Alfred Nobel (1833-1899), que todos conhecem do prémio Nobel, mas Torbern Bergman (1735-1785), Carl Wilhelm Scheele (1742-1786), Jacob Berzelius (1779-1848) e Svante Arrhenius (1859-1927), por exemplo, têm os seus nomes justamente na história da química. Como não estava neste país para especificamente ir aos lugares químicos, acabei por falhar muitos deles, mas estive perto de muitos. Por exemplo, perto de Estocolmo, mais especificamente em Vaxholm (onde passámos), em Ytterby (onde não fomos), havia uma mina onde foram descobertos os metais conhecidos como terras raras.

A química era muito importante para as minas, o que fez com que esta ciência fosse sempre considerada importante neste país pelo menos desde o século XVII. Era nesse caso uma química utilitária, que valorizava a análise, pouco teórica, e que facilmente mudava de teorias se estas servissem melhor e não perdia muito tempo com teorias que pareciam não servir para grande coisa. A química que vem da classificação, inspirada pelo médico e professor em Uppsala, Carl von Linée (1707-1774, conhecido em Portugal como Lineu),  é também muito importante Na verdade, há uma certa divisão em grupos mais ligados às minas e à mineralogia e à classificação. Bergman foi muito influente na altura e elaborou tabelas exaustivas de afinidades. Scheele tinha como profissão a farmácia mas identificou corretamente o oxigénio e uma quantidade enorme de elementos e compostos. Berzelius é uma figura centrar na química tendo estudado milhares de compostos e identificada quase uma dezena de elementos. Simplificou a notação química, Introduziu vários nomes e teorias.
Junto com Lavoisier é considerado um dos introdutores da química moderna. Arrhenius é bem conhecido dos estudantes de química e ganhou o prémio Nobel em 1903. O seu nome está ligado às teorias dos ácidos e bases e a uma fórmula ainda hoje usada para representar a variação das constantes de equilíbrio com a temperatura. Terá sido um dos primeiros cientistas a prever o aquecimento global. Isso leva-nos a outro aspeto da Suécia que é muito visível. A grande preocupação com o ambiente. Julgo que não é por acaso que Gretha thumberg nascida em 2003 em Estocolmo é uma ativista climática. Desde há muitas décadas que esse aspeto é cultivado de forma quase obsessiva no sistema de ensino e na sociedade.
Foi lá que ouvi falar pela primeira vez de possíveis problemas com os sais de prata, quando em Portugal ainda agora quase banimos os sais de chumbo e olhamos com preocupação para os de cobre. Outro aspeto muito interessante na Suécia é a referência aos impostos. Muitas coisas são grátis (as que não são grátis são muito caras), como alguns ferries e várias vezes me disseram, com algum orgulho, que eram os impostos deles que pagavam. Outro aspeto, mais negativo, é o das bebidas alcoólicas. Só muito mais tarde notei que o vinho era vendido em lojas especiais do governo quando num supermercado tentei comprar uma garrafa de vinho e só havia sem álcool! Mas voltarei a este assunto mais adiante.    

Demos um grande passeio a pé em Estocolmo. Começámos na praça Sergels, dominada pela obra de  Edvin Öhrström, mas nota-se uma boa quantidade de outras obras de arte, além de que a atividade humana era impressionante (eram tempos pré-pandémicos). Reparámos logo na venda de cogumelos na rua (depois notei que eram falsos cantarela). Várias das coisas que nos chamaram a atenção foram os sapatos, a natureza e a água. À entrada de cada casa é normal deixarem-se os sapatos (isso faz sentido, pois no inverno a neve e a lama são muito comuns) e a natureza exuberante e a água estão por todo lado. É normal encontrarem-se coelhos e outros animais perto das casas. E nestas é costume ter luzes nas janelas e haver saunas comunitárias. Bem, e os os estacionamentos serem muito bem definidos. Cada casa tem os seus números de estacionamento e isso acontece também noutros países escandinavos.    

Conduzidos por um amigo de Estocolmo, passámos na praça que se situa entre as alamedas com os nomes de dois cantores de ópera Jussi Bjorling e Birgit Nielsson, bastante perto da praça Berzelius (onde infelizmente não fui). E de novo havia muita gente na rua. Fomos a bairros típicos e passámos por lugares emblemáticos. O nosso amigo que já tinha mais de setenta anos, mostrou-nos os lugares onde viveu, onde tinha sido a sua escola, e lembrava-se ainda dos tempos mais difíceis. De facto, olhamos para a Suécia como um país rico, mas não foi sempre assim. Ao final do dia, fomos ao bairro de Johanneshov, onde passámos junto ao globo gigante junto ao estádio que já teve nome da Ericsson, da Tele2 e agora tem o de Avicii, o artista sueco que morreu com 28 anos. Fomos a um antigo matadouro assistir a um espetáculo. É curioso o que aconteceu a estas estruturas nas cidades. Por um lado não tinham capacidade logística para abastecer as pessoas da cidade e por outro os cheiros deixaram de ser tolerados. Na cidade do Porto conheço dois matadouros que foram abandonados, sendo para o mais recentes, que ainda existe, mas em ruínas, está planeada a reconversão em espaço cultural. Acontece algo assim ao matadouro de Madrid. O de Berlim (que não visitei), ainda está em boa parte abandonado e os de Nova Iorque, ao que li e do que vi, sofreram bastantes alterações, mas são ainda memórias.    

No dia seguinte, formos visitar o museu do Vasa, um barco muito grande que naufragou em 1628 perto de Estocolmo, pouco depois de ter iniciado a sua viagem inaugural. Podemos ver como foi retirado das águas em 1961, após 333 anos sob as águas, como era composta a sua tripulação, como era a vida a bordo, quem foram os seus fabricantes e qual a razão apontada para o naufrágio. É muito curiosa e educativa a referência que dão ao papel das mulheres. A madeira veio de uma proprietária e há vários papéis desempenhados por mulheres no barco.  

Já tinhamos falado disso no passeio do dia anterior, mas o hábito de pintar a madeira das casas tradicionais de vermelho escuro, surgiu com o valor económicos dos desperdícios de minas, nomeadamente das de Falu. Estes desperdícios fervidos com óleo de linhaça dão origem esta tinta aquosa muito característica que é usada em toda a Escandinávia para pintar casas, armazéns e sebes. A manutenção tem de ser feita regularmente, mas isso foi das coisas que mais achei impressionante. O bom gosto e o empenho na criação e adaptação dos espaços e a manutenção permanente de tudo, devem ser excelentes exemplos a seguir. Há ainda outra coisa que me chamou a atenção e já se começa a verificar aqui. Haver uma clara separação entre roupa e equipamento de trabalho e a outra.
Numa casa de campo, no meio de nada, reparei num provável agricultor a mudar de roupa e sapatos que estavam no porta bagagem do seu Volvo, não antes de ter lavado as mãos e botas cuidadosamente. Mas nem tudo o que parece é. A reciclagem é feita muito à custa dos depósitos pagos pelos consumidores que nalguns casos têm valores bastante altos. Assim, é normal ver jovens com grandes sacos de garrafas e latas. Aquilo vale dinheiro! E só aqui é que percebi porque pessoas aparentemente sem necessidade poderiam apanhar latas do caixote do lixo em Nova Iorque. Aquilo valia dinheiro! Seja lá como for, essa forma de organização cria sustentabilidade no sistema e incentivos que não são de desprezar. Por acaso, eu tentei colocar uma garrafa normal de plástico que não tinha esse custo numa máquina e ela “cuspiu-a”. Só me restava encontrar o equivalente de um ecoponto ou colocar no lixo normal.

Em Gotemburgo fomos ao conhecido jardim botânico que tem uma estátua de Lineu. Este cientista correspondeu-se com um italiano, professor em Portugal, no Colégio dos Nobres e depois na Universidade de Coimbra, cridor dos Jardins botânicos da Ajuda e da Universidade de Coimbra, Domenico Vandelli (1835-1816), tendo essas cartas sido publicadas. Este jardim é muito grande com muitos pontos de interesse. Achei muito curioso haver uma entrada para uma floresta virgem onde estava escrito (em sueco) para ter cuidado pois a natureza era imprevisível e podiam cair ramos, etc. Também achei muito interessante muitas das coisas não seguirem canteiros rígidos e serem identificadas mesmo nos passeios.
Visitámos também o jardim das rosas e várias outras coisas. Gotemburgo é também a terra da Astra, farmacêutica que se uniu com a Zeneca, inglesa, e deu origem à Astra-Zeneca. A Suécia a terra da Volvo, da Scania, da Husqvarna, da Alfa-Laval que se uniu à Tetra Pack, da IKEA, da H&M e muitas outras empresas que foram pioneiras como a Ericsson. Foi nesta cidade que reparei que a montra da Zara Home era igual à que tinha visto em  Coimbra, uns dias antes. Já antes tínhamos tido a experiência algo estranha de o IKEA ser quase igual aos que conhecíamos em Portugal. As únicas diferenças de que me lembro eram as bebidas não serem baseadas em copos que se enchiam à discrição e haver alguma dificuldade em encontrar fichas elétricas. Mas os objetos e o catálogo eram iguais, exceto a língua que era diferente.  

Algures, a meio do caminho para que estávamos a fazer para a Noruega, começou a cheira muito a café. Saímos da auto estrada e parámos a nossa viagem. Era uma torrefação onde tomámos um café excelente. Como é óbvio a Suécia não tem plantas de café, mas importa os grãos desta planta e faz a sua torrefação e embalamento. 


Como referi acima, os suecos continuam a ter restrições em relação ao álcool. Só dei conta disso quando num supermercado quis comprar uma garrafa de vinho e só havia vinho sem álcool! Retirar o álcool do vinho mantendo as suas características é ainda um processo complicado pois muitos dos compostos que dão aroma ao vinho são voláteis. Em Portugal já começam a aparecer garrafas de vinho como essas (dizendo 0%), mas ainda não tive tempo para investigar.

Fjallbacka é uma pequena e encantadora terra piscatória muito conhecida pelos livros policiais de Camilla Lackberg. Quem os ler pensará que é muito maior do que é, tal é o nível de criminalidade nesse livros! Nessa terra há também um homenagem a Ingrid Bergman. Ela passava lá muitas vezes pois o seu terceiro marido tinha uma ilha ali perto, e, quando ela morreu, as suas cinzas foram espalhadas lá. Em Fjallbacka, há um festival de pesca de sarda (por vezes confundida com a cavala) muito interessante. É uma aldeia encantadora que vive muito do turismo, mas na sua entrada tem um fábrica de transformação de peixe que não percebi se era de de conservas ou outra.

Em Jonkoping fomos visitar o museu dos fósforos. No século XIX esta indústria exportava para todo o mundo. A história destes objetos tem muitos pontos químicos que vale a pena seguir. No museu fazem encenações de várias coisas, sendo uma delas dos laboratórios. Inicialmente era usado mesmo fósforo para originar a combustão e isso tinha efeitos devastadores nos trabalhadores. Atualmente, ainda há um pouco de fósforo nas lixas, mas nas cabeça só há sulfureto de antimónio, clorato de potássio e um corante, em geral vermelho. Como têm um composto de enxofre, forma-se dióxido de enxofre que tem um cheiro característico. O clorato de potássio fornece oxigénio e facilita a combustão. Já agora, havendo potássio, a chama por ter reflexos de roxo inicialmente, mas  é em geral muito brilhante. Jonkoping é também muito conhecida pela sua “gay parade”.
Quando lá chegámos ainda havia as bandeiras características em todo o lado. Não deixa de ser interessante e uma lição a reter como um país, anteriormente tão conservador e religioso, se esforça ativamente por aceitar e integrar os direitos de todos. Só uma nota pessoal: o único momento em que foram mal-educados comigo foi em Estocolmo na entrada de um autocarro para o qual não tinha bilhete e não sabia como se comprava. A Husqvarna, que começou como uma oficina de motocicletas, é agora muito conhecida pelos seus motosserras, fica perto e tem um museu, mas não fui lá.

No penúltimo dia da viagem, seguimos ao lado do lago Vattern, fomos comer e ver como se faziam os doces de Granna. Estes são feitos, claro, de açúcar, corantes e aromatizantes, mas os espaços em que são feitos são envidraçados para o público poder ver. Neste local, visitei um museu muito pequeno  e interessante que mostrava como se vivia anteriormente. Tinha a encenação de um gabinete de um médico e referia as doenças mais comuns, baseado nas descrições clínicas que deveriam lá estar no gabinete. Estava tudo escrito em sueco, mas com a ajuda do tradutor do telemóvel percebi muitas coisas.
 

Chamou-me a atenção, além das infeções e problemas mais comuns e incomuns (alguns bastante estranhos, como um jovem que se castrou voluntariamente), a sífilis e a tuberculose. Seguimos depois para a praia de Motala. Se a beleza dos lagos já nos tinha impressionado várias vezes, ficámos rendidos à cor dourada da areia e à temperatura e limpidez das águas. A areia é como em todo o lado basicamente sílica, sendo a cor amarela devido a sais de ferro.

Seguimos ao longo do Gotta Kanal, onde a subida e descida é feita à custa de um grande número de eclusas. Foi só aqui que demos conta de seguimos uma das rotas dos gansos do famoso livro de Selma Lagerlöf “Viagem Maravilhosa de Niels através da Suécia”. Para quem não o leu, penso que há duas coisas a referir: é muito bom e interessante e começou por ser uma espécie de guia turístico. Neste podemos “ver” as maravilhas da Suécia que vão das suas paisagens naturais a produções industrias e mineiras. Mas também como vivia o povo no início do século vinte e de como a imigração para a América, devido à pobreza e fome, era importante.  Parámos junto a uma eclusa, onde vimos como funcionava. Chamou-me também a atenção, o cultivo mecanizado de linho num campo próximo (sei que era linho pois fui lá ver).

Não posso acabar esta nota sem referir Alfred Nobel e o prémio com o seu nome. A trinitroglicerina é um composto explosivo muito instável e Nobel procurou formas de a estabilizar para poder usar de forma mais segura, nomeadamente nas minas. Conseguiu-o, absorvendo-a num conjunto de materiais, ficando o resultado conhecido como “dinamite”. Com isso ficou bastante rico e quando morreu doou a sua fortuna para que se atribuísse o prémio. Trata-se de um prémio para realizações “ao serviço da humanidade” não havendo prémio para biologia ou matemática, mas apenas para Química, Física, Medicina, Literatura e Paz. Inicialmente não havia prémio de Economia, mas foi criado nos anos sessenta. 

Em Copenhaga com Ørstead, com a Carlsberg, com Legos e muito mais

Hoje vamos passear em Copenhaga, na Dinamarca. As fotografias são de 2019, mas fiz para este trabalho alguma investigação online mais recente.

Trata-se de uma cidade muito grande cheia de pontos de interesse químicos. Para começar, é de referir que a cerveja Calrsberg e o cientista dinamarquês Ørstead estão relacionados. Um dos primeiros donos da famosa destilaria foi aluno de Ørstead e criou um instituto (que ainda hoje existe) para realizar pesquisas cientificas. Ficou tão fascinado com o conhecimento científico que criou o “Instituto Carlsberg”.

 Alguns dos objetos mais emblemáticos que encontramos em Copenhaga foram oferecidos pelos donos da Carlsberg. Por exemplo, a estátua da pequena sereia ou as obras de arte do Gliptoteca Ny Carslberg. Neste museu, perto do famoso parque Tivoli, chamou-me a atenção as coleções de estátuas de mármore e as estátuas romanas. Sabe-se que essas estátuas romanas eram pintadas e neste museu fizeram uma réplica do que se esperaria, o que achei francamente bastante interessante.

Em frente à estátua da pequena sereia, veem-se as chaminés da Hofor, a empresa de energia e as instalações da Biofos, uma empresa que trata o lixo e os esgotos. As duas juntaram-se para fazerem projetos comuns que envolvem a sustentabilidade, usando lixos para produzir energia, entre muitos outros projetos que estão em desenvolvimento. Um bom exemplo na minha opinião. Não fomos a esse lado, embora tenhamos ido a lugares perto, que se podem considerar pós-industriais, para comer o que eles chamavam “street food”. Entretanto, uma rápida vista de olhos no “street view” mostra zonas mais desarrumadas, com lixo e pouco estéticas que normalmente os turistas não veem. Isso acontece em todo mundo não vale a pena endeusar uns e diabolizar os outros.

Na sede da Calrsberg, que estava em obras quando lá fui, podemos encontrar a porta dos elefantes e a chaminé torcida que um dos donos da Carlsberg achava um símbolo da beleza da ciência. Entretanto, foi no Instituto Calrsberg que criaram as principais estirpes de leveduras ainda hoje usadas. Fazer cerveja é um processo muito complexo que pode correr mal de muitas maneiras (mesmo muitas). Não é como o vinho que pode ser muito mais fácil. Também se pode fazer mau vinho, claro, mas o pior que pode acontecer é ficar um vinagre. Na cerveja, desde os maus cheiros a poder ficar completamente imprestável, quase tudo é possível. 


Em várias notas falei da produção de cerveja e não queria repetir-me. É preciso água e cevada fermentada de onde se obtém o álcool. O lúpulo é uma planta bastante comum (muitas vezes usado sob a forma de um prensado comercial) é usado para dar sabor amargo e, antigamente, para aumentar o período de conservação, origina muitos tipos de cerveja, nomeadamente as IPA. Nesse aspeto a Carlsberg tem sido muito conservadora, mudando muito pouco. Procurou inovar na utilização de corantes verdes mais sustentáveis quando passou a usar garrafas de plástico. Entretanto, generalizou-se a diabolização do plástico e parece que voltaram ao vidro e ao metal. Não investiguei ainda com mais profundidade, mas o resultado parece algo incongruente.     


Visitei Copenhaga antes da pandemia e os parques estavam cheios. Num dos parques há uma estátua de Ørstead. Este era um cientista completo. Era o que se chamava na altura um filósofo natural e encontram-se algumas semelhanças entre ele e Michael Faraday. Por razões religiosas, ou outras, era o que chamaríamos hoje em dia “boa pessoa”, mas é também um homem das “duas culturas”. Está muito ligado à Física, mas fez algumas descobertas ditas químicas. Terá sido ele o primeiro a descobrir o elemento alumínio, mas aceitou que Wholer reinvindicasse essa descoberta.

A Dinamarca é também muito conhecida pelos brinquedos conhecidos como “Lego” feitos de plástico, o ABS (acrilonitrilo-batadieno-estireno), muito resistente e com pigmentos muito coloridos. O plástico e os pigmentos continuam a ser alvo de muita investigação, nomeadamente na “Lego”.

Este país é também conhecido pela sua expansão marítima (a Gronelândia, embora tenha bastante autonomia, ainda está sob a sua jurisdição). O museu militar de Copenhaga, perto do conhecido “Diamante Negro”, que integra a antiga biblioteca nacional vale a pena ser visitado por isso. Com tempo poderemos também visitar a biblioteca antiga.

Copenhaga, e toda a Dinamarca que conheci, é o reino das bicicletas. Há também uma alegria de viver que se sente, além de um orgulho em ser dinamarquês, e isso tem muita química. Têm orgulho no seu parlamento, nas suas coligações e nos seus governos. E têm orgulho em terem parlamentares e governantes mulheres há muito tempo. O parlamento é visitável gratuitamente e eles, embora tenham algumas criticas em relação aos que os procuram para aproveitar do que têm para oferecer gratuitamente, continuam a ser relativamente abertos e confiantes. A chave do seu sucesso costuma ser apontada como sendo a confiança.

Os restaurantes da Dinamarca são famosos, havendo uma grande concentração de estrelas Michelin. E eles cultivam muito esse aspeto da sua cultura. Quando lá estive, havia grande promoção dos alimentos biológicos e sustentáveis. Fui a uma loja de café e chocolate, tudo sustentável, diziam eles. Caríssimo, claro. O que achei curioso foi a rigidez. Quando pedi açúcar para o café a empregada demorou a perceber e quando percebeu demorou muito tempo a trazer um copinho com açúcar. Talvez o café fique melhor sem açúcar, mas é uma combinação interessante de uma coisa muito amarga (o café) com uma coisa doce (o açúcar). Senti algo parecido no café do “Diamante Negro”. 

Perto de Copenhaga fica o Museu de arte moderna Louisiana, o qual deve ao seu nome à mulher do criador do Museu. Na altura que o visitei, estavam patentes além das exposições permanentes, uma de Pipilotti Rist entre muitas outras. Vivíamos tempos anteriores à pandemia e, em salas apinhadas, havia um grande número de conferências. Se não estou em erro, esteva lá nessa altura Michel Houellebecq que apresentou o seu livro “Serotonina”. É um autor amado e odiado que tem formação na área científica, na área da agricultura concretamente, e de que os personagens têm vidas em volta da ciência e da tecnologia. Do Museu de Louisiana, mostro uma instalação com próteses. Um dos flagelos de África são as guerras e os campos minados que continuam a ser perigosos depois do fim das guerras. É infelizmente demasiado comum crianças perderem pernas a ir buscar água, pois a água canalizada, e muito menos tratada, ainda não chegou a muitos pontos do globo. A qualidade de vida, assim como a escolaridade e a igualdade de género, nesses lugares, tem aumentado, mas não tanto como desejaríamos.

Viemos para Copenhaga da Suécia, pelo ferry que se liga a Elsinore e voltámos para a Suécia pelo túnel e ponte que liga os dois países. Em breve escreverei sobre a Suécia. 

Captação de água e canalização desta para consumo humano

[no âmbito da realização de um estágio Ciência Viva fui visitar a central de captação de água da Boavista]

A água consumida em Coimbra é captada na Boavista a cerca de vinte metros de profundidade. Esta água é filtrada pela areia e é já muito boa. Por isso não precisaria de correções, mas, no entanto, é aumentada a sua acidez arejando-a com dióxido de carbono. Daqui segue para vários concelhos, onde é distribuída por empresas municipais.

Perceber a acidez da água é simples. Na ausência quase total de dióxido de carbono e na presença de algum bicarbonato de sódio (nome popular do hidrogenocarbonato de sódio) temos águas básicas como a de Monchique que atinge muitas vezes 9.5 de pH. Podemos atingir valores de acidez ainda mais baixos (ou de basicidade ainda mais altos). Em Cabeço de Vide, no Alentejo, podemos encontrar águas com pH de cerca de 11.5 unidades [corrigi um lapso] 

Entretanto podemos ter bastante sílica, na verdade silicatos, nas águas. A descrição das rochas com estes iões é bastante enganadoras para um químico. Elas são ditas “rochas ácidas” em geologia, mas continuam a ser básicas, em termos químicos, são é menos básicas do que as outras [1]. Assim, uma água com muitos silicatos e praticamente nenhum bicarbonato pode ainda ser básica, mas se tiver muito dióxido de carbono dissolvido, será ácida. Quando ainda não havia esta quase loucura com as águas básicas, havia uma água que fazia questão colocar em vermelho que o seu pH era de 4.5. Agora já não fazem essa publicidade, mas vê-se no seu rótulo que o pH que lá está é 5. Eu beberia de qualquer destas águas. A única questão é algumas das águas poderem ser muito mineralizadas e isso ser prejudicial.

Há algum tempo atrás algumas águas faziam a publicidade de serem radioativas. Uma eram realmente, mas em quantidades que não seriam preocupantes, mas outras pensamos que era só para serem mais apelativas. Publicidade enganosa antiga.

O cloro, numa concentração que não conseguimos detetar, é juntado mais tarde não para corrigir a água mas para manter a proteção desta ao longo da rede. Na rede podem existir contaminações e para evitar que a água fique com bactérias usa-se esse cloro. Ainda não foi descoberta outra forma de proteger a água ao longo das redes, mas com um controlo e higiene rigorosos, essa adição pode ser muito minimizada. Neste momento, em muitos municípios, toda a rede é monitorizada regularmente assim como os contadores individuais, minimizando as perdas. Muitas vezes, um momentâneo sabor a “lixívia” é devido a uma rotura próxima que é assim tratada para evitar a contaminação. É preciso também não esquecer que os episódios da bactéria Legionela são muitas vezes devidos à falta se desinfeção de sistemas antigos.

Não falei neste pequeno apontamento do saneamento e das águas pluviais. Não falarei aqui desse aspeto, apenas lembrar que muito do que é feito é conduzir a natureza para agir de forma mais rápida, nomeadamente tratando a água que vem das nossas sanitas. E que muitas vezes nem damos valor a coisas tão simples como a água canalizada e tratada e ao saneamento básico. Mas estas duas coisas evitam muitas doenças.   

[1] W. A. Deer,  R. A. Howie, J. Zussman, Minerais constituintes das rochas. Uma introdução, 3ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.