Inicio este passeio químico pela Suécia, referindo que esta tem muitos químicos famosos. Começando por Alfred Nobel (1833-1899), que todos conhecem do prémio Nobel, mas Torbern Bergman (1735-1785), Carl Wilhelm Scheele (1742-1786), Jacob Berzelius (1779-1848) e Svante Arrhenius (1859-1927), por exemplo, têm os seus nomes justamente na história da química. Como não estava neste país para especificamente ir aos lugares químicos, acabei por falhar muitos deles, mas estive perto de muitos. Por exemplo, perto de Estocolmo, mais especificamente em Vaxholm (onde passámos), em Ytterby (onde não fomos), havia uma mina onde foram descobertos os metais conhecidos como terras raras.
Junto com Lavoisier é considerado um dos introdutores da química moderna. Arrhenius é bem conhecido dos estudantes de química e ganhou o prémio Nobel em 1903. O seu nome está ligado às teorias dos ácidos e bases e a uma fórmula ainda hoje usada para representar a variação das constantes de equilíbrio com a temperatura. Terá sido um dos primeiros cientistas a prever o aquecimento global. Isso leva-nos a outro aspeto da Suécia que é muito visível. A grande preocupação com o ambiente. Julgo que não é por acaso que Gretha thumberg nascida em 2003 em Estocolmo é uma ativista climática. Desde há muitas décadas que esse aspeto é cultivado de forma quase obsessiva no sistema de ensino e na sociedade. Foi lá que ouvi falar pela primeira vez de possíveis problemas com os sais de prata, quando em Portugal ainda agora quase banimos os sais de chumbo e olhamos com preocupação para os de cobre. Outro aspeto muito interessante na Suécia é a referência aos impostos. Muitas coisas são grátis (as que não são grátis são muito caras), como alguns ferries e várias vezes me disseram, com algum orgulho, que eram os impostos deles que pagavam. Outro aspeto, mais negativo, é o das bebidas alcoólicas. Só muito mais tarde notei que o vinho era vendido em lojas especiais do governo quando num supermercado tentei comprar uma garrafa de vinho e só havia sem álcool! Mas voltarei a este assunto mais adiante.
Demos um grande passeio a pé em Estocolmo. Começámos na praça Sergels, dominada pela obra de Edvin Öhrström, mas nota-se uma boa quantidade de outras obras de arte, além de que a atividade humana era impressionante (eram tempos pré-pandémicos). Reparámos logo na venda de cogumelos na rua (depois notei que eram falsos cantarela). Várias das coisas que nos chamaram a atenção foram os sapatos, a natureza e a água. À entrada de cada casa é normal deixarem-se os sapatos (isso faz sentido, pois no inverno a neve e a lama são muito comuns) e a natureza exuberante e a água estão por todo lado. É normal encontrarem-se coelhos e outros animais perto das casas. E nestas é costume ter luzes nas janelas e haver saunas comunitárias. Bem, e os os estacionamentos serem muito bem definidos. Cada casa tem os seus números de estacionamento e isso acontece também noutros países escandinavos.
Conduzidos por um amigo de Estocolmo, passámos na praça que se situa entre as alamedas com os nomes de dois cantores de ópera Jussi Bjorling e Birgit Nielsson, bastante perto da praça Berzelius (onde infelizmente não fui). E de novo havia muita gente na rua. Fomos a bairros típicos e passámos por lugares emblemáticos. O nosso amigo que já tinha mais de setenta anos, mostrou-nos os lugares onde viveu, onde tinha sido a sua escola, e lembrava-se ainda dos tempos mais difíceis. De facto, olhamos para a Suécia como um país rico, mas não foi sempre assim. Ao final do dia, fomos ao bairro de Johanneshov, onde passámos junto ao globo gigante junto ao estádio que já teve nome da Ericsson, da Tele2 e agora tem o de Avicii, o artista sueco que morreu com 28 anos. Fomos a um antigo matadouro assistir a um espetáculo. É curioso o que aconteceu a estas estruturas nas cidades. Por um lado não tinham capacidade logística para abastecer as pessoas da cidade e por outro os cheiros deixaram de ser tolerados. Na cidade do Porto conheço dois matadouros que foram abandonados, sendo para o mais recentes, que ainda existe, mas em ruínas, está planeada a reconversão em espaço cultural. Acontece algo assim ao matadouro de Madrid. O de Berlim (que não visitei), ainda está em boa parte abandonado e os de Nova Iorque, ao que li e do que vi, sofreram bastantes alterações, mas são ainda memórias.
No dia seguinte, formos visitar o museu do Vasa, um barco muito grande que naufragou em 1628 perto de Estocolmo, pouco depois de ter iniciado a sua viagem inaugural. Podemos ver como foi retirado das águas em 1961, após 333 anos sob as águas, como era composta a sua tripulação, como era a vida a bordo, quem foram os seus fabricantes e qual a razão apontada para o naufrágio. É muito curiosa e educativa a referência que dão ao papel das mulheres. A madeira veio de uma proprietária e há vários papéis desempenhados por mulheres no barco.
Já tinhamos falado disso no passeio do dia anterior, mas o hábito de pintar a madeira das casas tradicionais de vermelho escuro, surgiu com o valor económicos dos desperdícios de minas, nomeadamente das de Falu. Estes desperdícios fervidos com óleo de linhaça dão origem esta tinta aquosa muito característica que é usada em toda a Escandinávia para pintar casas, armazéns e sebes. A manutenção tem de ser feita regularmente, mas isso foi das coisas que mais achei impressionante. O bom gosto e o empenho na criação e adaptação dos espaços e a manutenção permanente de tudo, devem ser excelentes exemplos a seguir. Há ainda outra coisa que me chamou a atenção e já se começa a verificar aqui. Haver uma clara separação entre roupa e equipamento de trabalho e a outra. Numa casa de campo, no meio de nada, reparei num provável agricultor a mudar de roupa e sapatos que estavam no porta bagagem do seu Volvo, não antes de ter lavado as mãos e botas cuidadosamente. Mas nem tudo o que parece é. A reciclagem é feita muito à custa dos depósitos pagos pelos consumidores que nalguns casos têm valores bastante altos. Assim, é normal ver jovens com grandes sacos de garrafas e latas. Aquilo vale dinheiro! E só aqui é que percebi porque pessoas aparentemente sem necessidade poderiam apanhar latas do caixote do lixo em Nova Iorque. Aquilo valia dinheiro! Seja lá como for, essa forma de organização cria sustentabilidade no sistema e incentivos que não são de desprezar. Por acaso, eu tentei colocar uma garrafa normal de plástico que não tinha esse custo numa máquina e ela “cuspiu-a”. Só me restava encontrar o equivalente de um ecoponto ou colocar no lixo normal.
Em Gotemburgo fomos ao conhecido jardim botânico que tem uma estátua de Lineu. Este cientista correspondeu-se com um italiano, professor em Portugal, no Colégio dos Nobres e depois na Universidade de Coimbra, cridor dos Jardins botânicos da Ajuda e da Universidade de Coimbra, Domenico Vandelli (1835-1816), tendo essas cartas sido publicadas. Este jardim é muito grande com muitos pontos de interesse. Achei muito curioso haver uma entrada para uma floresta virgem onde estava escrito (em sueco) para ter cuidado pois a natureza era imprevisível e podiam cair ramos, etc. Também achei muito interessante muitas das coisas não seguirem canteiros rígidos e serem identificadas mesmo nos passeios. Visitámos também o jardim das rosas e várias outras coisas. Gotemburgo é também a terra da Astra, farmacêutica que se uniu com a Zeneca, inglesa, e deu origem à Astra-Zeneca. A Suécia a terra da Volvo, da Scania, da Husqvarna, da Alfa-Laval que se uniu à Tetra Pack, da IKEA, da H&M e muitas outras empresas que foram pioneiras como a Ericsson. Foi nesta cidade que reparei que a montra da Zara Home era igual à que tinha visto em Coimbra, uns dias antes. Já antes tínhamos tido a experiência algo estranha de o IKEA ser quase igual aos que conhecíamos em Portugal. As únicas diferenças de que me lembro eram as bebidas não serem baseadas em copos que se enchiam à discrição e haver alguma dificuldade em encontrar fichas elétricas. Mas os objetos e o catálogo eram iguais, exceto a língua que era diferente.
Algures, a meio do caminho para que estávamos a fazer para a Noruega, começou a cheira muito a café. Saímos da auto estrada e parámos a nossa viagem. Era uma torrefação onde tomámos um café excelente. Como é óbvio a Suécia não tem plantas de café, mas importa os grãos desta planta e faz a sua torrefação e embalamento.
Como referi acima, os suecos continuam a ter restrições em relação ao álcool. Só dei conta disso quando num supermercado quis comprar uma garrafa de vinho e só havia vinho sem álcool! Retirar o álcool do vinho mantendo as suas características é ainda um processo complicado pois muitos dos compostos que dão aroma ao vinho são voláteis. Em Portugal já começam a aparecer garrafas de vinho como essas (dizendo 0%), mas ainda não tive tempo para investigar.
Fjallbacka é uma pequena e encantadora terra piscatória muito conhecida pelos livros policiais de Camilla Lackberg. Quem os ler pensará que é muito maior do que é, tal é o nível de criminalidade nesse livros! Nessa terra há também um homenagem a Ingrid Bergman. Ela passava lá muitas vezes pois o seu terceiro marido tinha uma ilha ali perto, e, quando ela morreu, as suas cinzas foram espalhadas lá. Em Fjallbacka, há um festival de pesca de sarda (por vezes confundida com a cavala) muito interessante. É uma aldeia encantadora que vive muito do turismo, mas na sua entrada tem um fábrica de transformação de peixe que não percebi se era de de conservas ou outra.
Em Jonkoping fomos visitar o museu dos fósforos. No século XIX esta indústria exportava para todo o mundo. A história destes objetos tem muitos pontos químicos que vale a pena seguir. No museu fazem encenações de várias coisas, sendo uma delas dos laboratórios. Inicialmente era usado mesmo fósforo para originar a combustão e isso tinha efeitos devastadores nos trabalhadores. Atualmente, ainda há um pouco de fósforo nas lixas, mas nas cabeça só há sulfureto de antimónio, clorato de potássio e um corante, em geral vermelho. Como têm um composto de enxofre, forma-se dióxido de enxofre que tem um cheiro característico. O clorato de potássio fornece oxigénio e facilita a combustão. Já agora, havendo potássio, a chama por ter reflexos de roxo inicialmente, mas é em geral muito brilhante. Jonkoping é também muito conhecida pela sua “gay parade”. Quando lá chegámos ainda havia as bandeiras características em todo o lado. Não deixa de ser interessante e uma lição a reter como um país, anteriormente tão conservador e religioso, se esforça ativamente por aceitar e integrar os direitos de todos. Só uma nota pessoal: o único momento em que foram mal-educados comigo foi em Estocolmo na entrada de um autocarro para o qual não tinha bilhete e não sabia como se comprava. A Husqvarna, que começou como uma oficina de motocicletas, é agora muito conhecida pelos seus motosserras, fica perto e tem um museu, mas não fui lá.
No penúltimo dia da viagem, seguimos ao lado do lago Vattern, fomos comer e ver como se faziam os doces de Granna. Estes são feitos, claro, de açúcar, corantes e aromatizantes, mas os espaços em que são feitos são envidraçados para o público poder ver. Neste local, visitei um museu muito pequeno e interessante que mostrava como se vivia anteriormente. Tinha a encenação de um gabinete de um médico e referia as doenças mais comuns, baseado nas descrições clínicas que deveriam lá estar no gabinete. Estava tudo escrito em sueco, mas com a ajuda do tradutor do telemóvel percebi muitas coisas.
Chamou-me a atenção, além das infeções e problemas mais comuns e incomuns (alguns bastante estranhos, como um jovem que se castrou voluntariamente), a sífilis e a tuberculose. Seguimos depois para a praia de Motala. Se a beleza dos lagos já nos tinha impressionado várias vezes, ficámos rendidos à cor dourada da areia e à temperatura e limpidez das águas. A areia é como em todo o lado basicamente sílica, sendo a cor amarela devido a sais de ferro.
Não posso acabar esta nota sem referir Alfred Nobel e o prémio com o seu nome. A trinitroglicerina é um composto explosivo muito instável e Nobel procurou formas de a estabilizar para poder usar de forma mais segura, nomeadamente nas minas. Conseguiu-o, absorvendo-a num conjunto de materiais, ficando o resultado conhecido como “dinamite”. Com isso ficou bastante rico e quando morreu doou a sua fortuna para que se atribuísse o prémio. Trata-se de um prémio para realizações “ao serviço da humanidade” não havendo prémio para biologia ou matemática, mas apenas para Química, Física, Medicina, Literatura e Paz. Inicialmente não havia prémio de Economia, mas foi criado nos anos sessenta.
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