Passeio químico entre os electrodomésticos

O que queima um fogão a gás? O que é um redutor? Como funciona um frigorífico? Estas perguntas podem (e devem) ocorrer quando vamos a uma loja de electrodomésticos. Não são objectos mágicos, têm ciência envolvida, em particular de química. Hoje vou só falar dos frigoríficos.  
 
Um frigorífico é uma máquina que extrai calor de um local mais frio para um local mais quente. Para isso precisa de energia, claro. E para este processo, usa um fluido. Se repararem com atenção, além do isolamento e de outras coisas, num frigorífico temos muitos canos onde o fluido se expande, absorvendo a energia, indo em seguida para um motor onde é comprimido, gastando energia e aquecendo. Este processo repete-se até se obter a temperatura pretendida no interior. Vemos assim que há uma coisa que não devemos fazer e outra que não serve para nada em termos médios. Abrir o frigorífico muitas vezes, diminui o isolamento e obriga-o a trabalhar mais. Deixar a porta aberta pode arrefecer localmente, momentaneamente, a médio e longo prazo, não serve para nada e só contribui para maior aquecimento do local.

A popularização da refrigeração foi fundamental para a qualidade de vida e diminuição da mortalidade infantil e de outras doenças. Os mais velhos ainda se lembram das salgadeiras e dos fumeiros, que agora podem ser substituídos pelas arcas frigoríficas. Para isso concorreu a descoberta por Thomas Midgley, nos anos 1930, de que os cloflurocarbonos (CFC) eram ideias. Não eram tóxicos, nem inflamáveis, e eram baratos. Infelizmente, descobriu-se nos anos 1970 que estes reagiam com o ozono da estratosfera. E, mais tarde, descobriu-se também que os substitutos contribuíam para o aquecimento global. Isso gerou ainda mais investigação.

Os cientistas e construtores passaram a ter uma equação mais complexa. Além eficiência energética, da toxicidade, e da inflamabilidade, é necessário contar com os potenciais de depleção da camada de ozono e contribuição para o aquecimento global. Surgiram assim várias formas de classificação, além das anteriores. Os A1, A2, e A3, referem-se à inflamabilidade, enquanto os B1, B2 e B3, à toxicidade. Se for um CFC aprovado (com pouco potencial para depletar o ozono, por exemplo, o triclorofluorometano, CCl3F, ou R-11, usando a nomenclatura da ASHRAE, American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers) será A1. Se for um substituto mais tóxico, mas pouco inflamável, como o diclofluorometano (CHCl2F, ou R-21) será B1. Se for o pentano (CH3CH2CH2CH2CH3, ou R-601) será A3, e aí por diante.

Perguntam-se os alunos muitas vezes porque aprendem química na escola. Pois é, para muitas coisas, até para comprar um frigorífico e perceber o que o vendedor está a dizer e o que está escrito no manual. Mas também para contruir frigoríficos mais sustentáveis e ambientalmente mais seguros. 

A química na região de Alenquer

[Dei uma palestra online para os alunos da Escola Damião de Góis em Alenquer e há cerca de um ano estive lá e fiz algumas fotografias. Assim, aproveitei para fazer um passeio químico nesta região]

Alenquer é uma das muitas localidades presépio de Portugal. Mas é das mais antigas, se não me engano. É lá que se situa o túmulo de Damião de Góis e o museu da vítimas da inquisição entre outros pontos de interesses. Tudo tem química, claro, mas para evitar repetir-me vou falar essencialmente de centrais de combustíveis lá perto e da fábrica de têxteis.  

Na saída da autoestrada, no Carregado, a cerca de quatro quilómetros de Alenquer, fica a conhecida central termoeléctrica. Afinal são duas: a Central do Carregado e a Central do Ribatejo. A central termoeléctrica do Carregado funcionou de 1968 a 2012 e usava fuelóleo, consumindo 28 toneladas por hora todo o dia a 125 megawatts (MW) em cada um dos seus seis grupos. Passou a gás natural em 1997 e contruíram, mesmo ao lado uma nova central, a do Ribatejo, que usa também gás natural.

Trata-se de uma central de ciclo combinado (usa o gás natural e vapor de água). É mais eficiente do que a anterior, tendo taxas de rendimento da ordem dos 50% enquanto a antiga central tinha à volta dos 35%. Cada um dos três grupo da nova central produz 400MW (240MW a gás e 160MW a vapor) [1].

Poderão achar muito baixo o rendimento, mas os carros de combustão interna têm rendimentos muito inferiores, enquanto que as máquinas a vapor do século XIX tinham rendimentos ainda menores. Como é que podemos melhorar? Aumentando a eficiência (já se chegou aos 60% em turbina de ciclo combinado), usando combustíveis mais sustentáveis e, claro, mudando de métodos para converter a energia para a forma que nos interessa. Nesta central, têm ainda um projecto piloto de produção, armazenento e uso de hidrogénio com vista à descarbonização [2,3]. Neste caso, a reação fundamental é a combustão do hidrogénio,, havendo apenas produção de água.
A cerca de vinte quilómetros de Alenquer fica o parque industrial de Aveiras que tem a CLC (Companhia Logística de Combustíveis), criada para realojar as instalações petrolíferas de Cabo Ruivo, quando foi necessário movê-las devido à Expo 98. O capital da CLC é partilhado pela Petrogal (65%), Repsol (15%) e BP Portugal (15%) e a Rubis com os restantes 5% [4]. Daqui, saem mais 500 camiões por dia com combustíveis.

Lembrei do jogo dos números UN (United Nations) de produtos perigosos. Se é o número 1820, então ácido sulfúrico. Se for 1977 será nitrogénio, 3092, metoxi-2-propanol e aí por diante. Há outros símbolos nos camiões, como os de inflamável, corrosivo, oxidante e explosivo. E além dos símbolos, há números genérios que avisam dos perigos envolvidos. 
Nesta região, considerando a sua localização estratégica, situam-se várias indústrias, entrepostos e armazéns. 

No centro de Alenquer podemos encontrar uma antiga fábrica têxtil, recentemente comprada para ser um hotel [5-7]. Foi a antiga fábrica da Chemina que, fechada e abandonada, teve um incêndio e agora espera-a melhores dias [6,7]. Esta fábrica, situada na quinta com o mesmo nome, originalmente produzia lãs e usava uma máquina a vapor (podemos imaginar o emaranhado de correias de transmissão), não estando assim dependente da força motriz das águas correntes do rio. 

 

[Versão provisória de 2/12/2020]

Para saber mais
[1] EDP, Há vida na central fantasma. https://www.edp.com/pt-pt/historias/ha-vida-na-central-fantasma (acedido a 2/12/2020)
[2] O Mirante, 16/06/2020. Central Termoeléctrica do Ribatejo está mais perto da neutralidade carbónica, https://omirante.pt/sociedade/2020-06-17-Central-Termoelectrica-do-Ribatejo-esta-mais-perto-da-neutralidade-carbonica (acedido a 2/12/2020)
[3] ECO Sapo, 11/12/2019, EDP vai produzir hidrogénio na central termoelétrica do Ribatejo. https://eco.sapo.pt/2019/12/11/edp-vai-produzir-hidrogenio-na-central-termoeletrica-do-carregado/ (acedido a 2/12/2020)
[4] CLC, História. https://www.clc.pt/hist/ (acedido a 2/12/2020)
[5] CM de Alenquer, Património arquitetónico. http://www.cm-alenquer.pt/Catalogs/listentities.aspx?category=24&page=11 (acedido a 2/12/2020)
[6] Jornal O Público, 5/2/2019, Alenquer quer hotel em fábrica têxtil centenária. https://www.publico.pt/2019/02/05/local/noticia/alenquer-quer-hotel-antiga-fabrica-textil-centenaria-1860662 (acedido a 2/12/2020)
[7] Fundamental, 20/2/2020, Alenquer: Chemina vendida hoje por um milhão e cem mil euros. https://www.fundamental-diario.pt/2020/02/11/alenquer-chemina-vendida-hoje-por-um-milhao-e-cem-mil-euros/ (acedido a 2/12/2020)

À procura da química nas Caldas da Rainha

A cidade das Caldas da Rainha deve o seu nome às suas águas sulfurosas, as quais a rainha D. Leonor apadrinhou no século XV. Estas águas são muito antigas e as termas têm funcionado até recentemente. A referência mais antiga a estas águas data do século treze. Entretanto, depois do século dezoito, estas águas têm sido analisadas pelos melhores químicos portugueses, tendo estes concluído que seriam daquelas que tinham mais compostos dissolvidos.

Atribui-se desde tempos imemoriais propriedades curativas e milagrosas às águas sulfurosas, mas acredita-se hoje que esse efeito de bem-estar possa ser essencialmente psicológico ou geral o que vem vistas as coisas é muito importante. Podem não curar doenças graves, mas ajudam ao bem-estar geral, prevenindo muitas outras.

No centro das Caldas da Rainha sente-se o cheiro a enxofre. Nós humanos somos muito sensíveis aos cheiros sulfurosos. São uma forma de identificar aminoácidos decompostos e, logo, alimentos estragados e perigosos. Pode-se notar esse efeito com os ovos que, uma vez cozidos, ficam com um cheiro característico a exofre. A conversa é como as cerejas, como se costuma dizer, e, por exemplo, os veganos podem assim fazer omoletes sem ovos usando uma combinação de vegatais, corantes e odores característicos.

O sulfureto de hidrogénio, ou ácido sulfídrico, cheira a ovos podres e nós temos limites de detecção olfativa para este composto muito baixos. Na literatura científica encontramos valores entre 0.04 partes por bilião (ppb) e 1.5 partes por milhão (ppm), ou seja entre 0.04 mligramas (mg) em dez mil litros de ar e 1.5 mg em mil litros de ar. Entretanto, uma água para ser considerada sulfurosa tem de ter um miligrama por litro ou seja tem de ter odor a este composto.

Talvez não se lembrem, mas foi noticia na telvisão há uns anos que cheirava muito mal em Lisboa. Descobriu-se depois que alguém tinha despejado um frasco deste composto por acidente no lixo!

Há vários estudos recentes que fizeram revisões sistemáticas e meta-análises que concluem que o sulfureto de hidrogenio é benéfico para as doenças cardíacas e para a diabetes. Mas acima de determinados valores é um veneno. O sufureto de hidrogénio é mais um exemplo de como a concentração faz o veneno.

O elemento enxofre, além de estar no sulfureto de hidrogénio e nos compostos que dão cheiro ao gás de botija e alguns legumes e condimentos, ocorre na pólvora tradicional que contém carvão (essencialmente carbono), salitre (nitrato de potássio) e enxofre. Nesta, o enxofre ajuda à combustão, facilitando a reação com o oxigénio.

Também o cheiro dos fósforos queimados denuncia a presença de enxofre. Este entra na composição das suas cabeças, formando-se dióxido de enxofre com a combustão. Está também presente nas emissões vulcânicas. O cheiro do inferno e do interior da terra é associado ao do enxofre queimado, mas um meteorito, em que se aterrou há pouco tempo, também o tinha. Os derrames de mercúrio no laboratório podem ser eliminados com enxofre, formando-se sulfureto de mercúrio. O enxofre escurece a prata e as tintas brancas antigas de chumbo, formando-se, no segundo caso, sulfureto de chumbo, que é negro. O enxofre tem esta partícularidade de reagir com os metais e aumentar a reactividade destes com o oxigénio. Finalmente, é a presença de enxofre nos grupos terminais que se consegue que estes compostos se unam por este elemento às nanopartículas de ouro.

Em vários sítios podemos encontrar os limites no ar do sulfureto de hidrogénio. Nos EUA, estes limites são 10ppm para os trabalhadores que usam todos os dias este composto e 100ppm para as exposições esporádicas. Acima de 300 ppm esta molécula já causa efeitos graves e acima de 500 ppm, ou seja meio grama por litro, cerca de quinhentas a mil vezes o valor que se pode detectar pelo cheiro, pode causar a morte. Obviamente, hoje em dia não se confia apenas nos sentidos (até porque estes podem ser saturados e não estar disponíveis nalgumas pessoas) e há vários sensores e medições automáticas.

Os tratamentos termais entraram em declínio na segunda metade do século vinte e quase no final pareciam, aos não envolvidos, o parente pobre da medicina, uma coisa pouco racional, antiga e histórica. Miguel Torga refere-se a eles várias vezes no seu diário, mas em termos gerais. Na verdade, se até ao século vinte seriam quase o único alívio possível para muitas maleitas, vão sendo substituídos por medicamentos ou outras terapias. Para além disso, muitos tratamentos termais eram perigosos e pouco sensatos, como os das águas radioctivas. Estes, claro, foram abandonados.

Mas se a lepra, a tuberculose ou as infecções graves, por exemplo, não são curadas por tratamentos termais, há efeitos gerais no bem-estar, como já referido. No caso de supostas curas, é preciso notar que há doença parecidas com as mais graves referidas, as quais poderiam ter sido curadas com as termas.

Depois temos as faianças conhecidas como sendo de Rafael Bordalo Pinheiro. Podemos seguir o percurso destas e visitar o museu. As faianças têm uma parte de barro (um alumino-silicato) que uma vez aquecido acima de uma determinada temperatura perde água de forma irreversível e faz as ligações que lhe dão a conhecida rigidez em relação à argila que tem a conhecida plasticidade. Ao mesmo tempo o material é poroso permitindo a passagem do vapor de água, o que lhe dá característica frescura. Depois temos os corantes inorgânicos usados para dar cor os vidrados, ambos já referidos noutros passeios.  

Nas Caldas da Rainha podemos ainda visitar o parque onde fica o Museu José Malhoa. Neste parque podemos ver uma estátua do conde Ferreira, entre outras. Este museu, criado nos anos 1940, foi primeiro edifício construído de raiz em Portugal para albergar um museu, segundo o turismo local. No museu poderemos apreciar os pigmentos usados, os modelos usados para as estátuas. Nas Caldas da Rainha podermos ver ainda outros museus e a arte pública.  

Poderíamos ainda ir ao mercada fruta e apreciar as cores e cheiros dos várias materiais que podem ser encontrados. Do lado dado das naturais as frutas e legumes e do lado dos artificiais os toldos, por exemplo. Mas a química das Caldas da Rainha  não se esgota com este passeio.

Bibliografia consultada (muito parcial)

Fernando da Silva Correia, Pergaminhos das Caldas, Rio Maior: PH – Estudos e documentos, 1995.
Ramalho Ortigão, Banhos de caldas e águas minerais, Lisboa: Livraria Universal, 1875.

[versão provisória de 20 de Novembro de 2020, com algumas correcções de 24 de Novembro]


Passeio químico rápido em Arazede

Passo em Arazede quase todos do fins de semana. Trata-se de uma terra com muita história, mas não é disse que quero falar. Tenho notado várias coisas como o sumagre, a estação de tratamento de águas residais, as estufas que estão a ser constuídas e a resina.

O sumagre, a planta da figura, está no pequeno jardim central e é hoje quase desconhecida. Mas Portugal já foi um grande exportador de sumagre. Acontece que a flor é muito rica em taninos e era usada para curtir couro. Agora quase não há memória, mas havia equipamentos especiais para obter o sumgare, o qual era exportando nos principais portos.

Sobre a estação de tratamento de águas, não haveria muito para dizer, dir-se-ia. Sim, num mundo ideal toda a gente tinha uma ideia de como funcionavam e de que são obsolutamente necessárias para os residuos, mesmo os mais naturais e secretos, serem tratados. As pessoas ouvem falar de compostos químicos que são detectados nestas centrais, mais ao fim de semana, dos problemas com os medicamentos e outras coisas. As pessoas só ouvem falar de problemas. Podemos melhorar sempre. Aliás é para isso que os cientistas e técnicos trabalham. Se calhar já ouviram falar das lamas, mas talvez nunca de como estas são secadas e recicladas. E, além disso, todos os dias estas centrais devem funcionar e evitar que os esgotos andem por aí, cheirem muito mal e contaminem as águas. Poderiamos falar muito sobre as centrais de tratamento de águas, tanto no que concerne ao normal como à investigação que está a ser feita. Deixo isso para o os leitores.

E depois há as estufas que estão a ser construídas há meses. Com o que parecem ser tubos de aço inoxidável e folhas de plástico. São importantes não só os materias de que são feitas, assim como a sua reciclagem e a explicação de como funcionam. Mais uma vez vez deixo isso para os leitores.

Na região de Arazede encontramos também muitos pinheiros e cacos de resina. Como funcionam, para que servem, o que se faz a partir da resina? Em Cantanhede há uma fábrica que separa os componentes da resina, por exemplo. A resina é muito inflamável e temos de ter todo o cuidado. Uma parte do trabalho é esse. Ninguém aceita, e ainda bem, que ocorram acidentes. As pessoas usam os materiais e os medicamentos sem pensar que alguém zela pela nossa segurança.

[translation, semi-automatic, corrected] 

 
Quick chemical trail in Arazede


I pass in Arazede almost every weekend. This village has a lot of history but it not about that that I want to speak. I have noticed several things there, in particular the sumac, the water treatment plant, and the greenhouses to are being built.

The sumac, the plant in the picture, is in the small central garden and is now almost unknown. But Portugal was once a major exporter of sumac. It turns out that the flower is very rich in tanins and was used to treat leather. Now there is almost no memory but there was special equipment to obtain the sumac, and this plant was exported in the main ports.

There is not much to say about the water treatment plant, one would say. Yes, in an ideal world everyone had an idea of how they worked and that they are absolutely necessary to prevent waste, even the most natural and secret, from being spilled. People hear about chemical compounds that are detected in these plants, more at the weekend, of the problems with the drugs. People only hear about problems. Of course, we can always do better. In fact, that's what scientists and technicians are working also on. You may have heard of the sludge, but perhaps never how it is dried and recycled or used. And, in addition, every day these plants must operate and prevent sewers from running around, smelling very badly, and contaminating the waters. We could talk a lot about water treatment plants, both in terms of normal and the research that is being done. I leave that to the readers.
And then there are the greenhouses that are being built for months. With what appears to be stainless steel tubes and plastic foils. Not only are the materials from which they are made important, but also their recycling, as well as the explanation of how they work. Once again I leave this to the readers.

In the region of Arazede, we find also many pines and collecting of resin. How do they work, what are they for, what is done from it? In Cantanhede there is a plant for separates the resin, for example. The resin is very flammable and we have to be very careful. Part of the job is this. Nobody accepts, and this is very welcome, of course, accidents. People use materials and medicines without thinking that someone is watching over our safety.

Passeios químicos em Leiria: a rota do crime (do padre Amaro)

Estive bastantes vezes em Leiria, cidade que é conhecida por várias coisas. Vou falar de uma delas e deixarei as restantes para outros passeios químicos. Uma das coisas que me chamou a atenção foi a “Rota do Crime” que, como é óbvio, é a rota do “crime do padre Amaro” um livro de Eça de Queirós. Provavelmente esta rota já é antiga e não tem sido actualizada ou mantida [este texto foi escrito em 2020, mas houve desenvolvimentos em 2023] mas a pergunta que fiz inicialmente era se essa rota tinha Química? Claro que tem: a que possui e a que lhe falta.

Mais tarde percebi que esta rota, embora muito conhecida por todos, não era muito bem vinda na "sociedade" de Leiria. Porquê? Não era só por envolver crimes de padres, luxúria e morte. Não, que com isso podemos bem! Seria mais porque Eça foi lá administrador e quase todas as personagens, se não todas, são baseadas em alguém conhecido. Refiro só duas, o administrador sifilítico que fez versos em Coimbra e olha de forma (aparentemente) lúbrica para as mulheres que é baseado no próprio Eça e o Carlos da Farmácia, sendo que a farmácia é uma edificação que está em frente à sé e ainda existe, embora estivesse nas alturas que lá estive fechada. Mais, o Eça de Queirós terá sido corrido, diz-se, a pontapés de uma festa, por umas escadas de uma casa muito conhecida, em que este teria feito avanços em relação a uma senhora ou menina também bem conhecida. Algumas pessoas dizem que este quis vingar-se. Talvez. A verdade é que se colocou a si mesmo na história de forma pouco abonatória, embora com bastante liberdade ficcional, penso. [Voltei a rever o livro em 2024 e uma coisa que salta à vista é o seu humor]   

No “crime” identifiquei vários aspectos químicos. Desde logo os aspectos químicos que não tínhamos. Não havia antibióticos nem nada que se parecesse. Esse aspecto, o da falta das coisas que hoje nos parecem óbvias, apesar de toda a conversa e filosofia, é realçada de forma premonitória por várias das personagens. Só existiam, para a sífilis, sais de mercúrio, os quais são referidos aos longo da obra. E, finalmente, a condição de que morreu Amélia (a pre-eclâmpsia que não desapareceu com o parto). Por essa altura, morria-me muito nos partos, as mães e, sobretudo, os filhos. A mortalidade infantil chegava aos 30% e uma infecção, hemorragia ou aumento da tensão arterial da mãe poderiam significar a morte.

Além dos aspectos literários e de costumes, quase todos os locais do livro são identificáveis e por isso podemos fazer um roteiro. Mas podemos encontrar outras coisas, como a química. Em breve voltarei a Leiria para referir outros aspectos.

[Translation, semi-automatic, corrected]     

Chemical trails in Leiria: the Route of the Crime (of Father Amaro)

I have been in Leiria many times, a city that is known for many things. I will talk about one of them and leave the rest for other chemical trails. One of the things that caught my attention was the “Rota do Crime” which, of course, is the “crime of Father Amaro” route, a book by Eça de Queirós. Probably the assigned route is already old and has not been updated or maintained but the question I asked initially was whether that route had chemistry? Of course, it has; the one it  possesses and the one it lacks.

Later on, I realized that this route, although well known by all, was not very welcome in the "society" of Leiria. “Because?” - you ask. It wasn't just because it involved crimes of priests, lust, and death. No, with that we can cope well! It would be because Eça was there administrator and almost all the characters, if not all, are based on someone known. I only mention two, the syphilitic administrator who wrote verses in Coimbra and looks at women in a (supposedly) carnal manner, which is based in Eça and Carlos, owner of a pharmacy in front of the cathedral that still exists, although it was, at the time that I was there, closed. Furthermore, Eça de Queirós is said to have been expelled, by the foot, at the stairs of a well-known house, in which he made "advancements" to a well-known lady or girl. Some people say that he wanted to take revenge. Perhaps. The truth is that he put himself in the story in an unappealing way.

In the “crime” I identified several chemical aspects. First, the chemical aspects that we did not have. There were no antibiotics or anything like that. This aspect, that one lacks things that seem obvious to us today, appear in some of the conversations and philosophy, in a premonitory way, by several of the characters. There was only, for syphilis, mercury salts, which are referred throughout the work. And, finally, the condition that Amélia died (the pre-eclampsia that did not disappear with childbirth). By that time I was dying a lot in childbirth, mothers, and especially children. Infant mortality reached 30% and an infection, hemorrhage, or increased blood pressure could mean death.

In addition to the literary and customs aspects, almost all the locations in the book are identifiable and this is why we can make a route. But we can find other things, like chemistry. Soon I will return to Leiria to mention other aspects.

[Primeira versão de 25 de Setembro de 2020, corrigi alguns aspetos depois de publicar, como o nome da amante de Amaro que não é Amélia]

Passeios químicos virtuais por Madrid em tempos de confinamento

[Infelizmente várias zonas de Madrid estão em confinamento, como a Usera e Puente de Vallecas (não sei quase nada dos bairros administrativos de Madrid, estou-me a basear num mapa do jornal ABC). Este passeio passa-se em regiões bastante próximas, Arcazuela, Enbajadores e Atocha, mais concretamente na Rua dos Embajadores, no Museu Rainha Sofia e na Estação de Atocha]

Na Rua dos Embajadores fica a antiga fábrica de tabaco, agora centro cultural e a antiga fábrica de medicamentos militares (diz-me o google). Nas cidades as indústrias vão sendo expulsas devido à pressão imobiliária, aos cheiros (o antigo matadouro fica perto e é também, diz-me o Google, um centro cultural), perigosidade e falta de espaço. Claro, como seria de esperar, que em Madrid há um monumento, uma praça e julgo que uma rua Fleming, mas não é disso que quero falar. Na rua dos embaixadores faz sentido referir os antibacterianos que existiam antes da penicilina.

Até às duas primeiras décadas do século XX só teremos higiene, assépsia e sais de mercúrio para combater as infecções. Depois, partindo da ideia da “bala mágica” de Erlich, teremos o salvarsan, medicamento orgânico de arsénio, eficaz contra a sífilis, mas embora com efeitos menos graves que o mercúrio, continuará a ter muitos efeitos sencundários. Com Domek, quando a Bayer se juntou à BASF, entre outras e formaram a I.G. Farben, surgiram as sulfamidas que impediam as bactérias de produzir ácido fólico. São só estas que estão disponíveis para as infecções antes de 1943 e podem ser fabricadas nas fábricas de medicamentos militares.

Mais ao lado fica o Museu da Rainha Sofia. Quando o visitámos, chovia e havia grandes filas. Uma ocasião para ver discretamente os pigmentos e os materiais (essencialmente poliéster) dos guarda-chuvas. Há vários outros aspectos, claro, mas em termos químicos são mais interessantes os processos, os materiais e as moléculas. São de notar as peças feitas de zinco, vidro, acrílico e outros materiais. Há um xadrez de cobre e  magnésio de Carl André. Os pigmentos merecem também a nossa atenção. Curiosamente havia um letreiro na casa de banho a explicar como se lavavam as mãos (estranha premonição de 2019). E havia uma exposição sobre as viagens marítimas mas realçando os seus aspectos mais estranhos e menos conhecidos e os materiais envolvidos. 

Daí fomos visitar e relaxar nos jardins tropicais da estação de combóios de Atocha. Muitas plantas foram cultivadas pelos materiais e produtos químicos que davam. Desde logo a celulose que está na origem do algodão e do papel, e de todas as suas modificações, tanto como polímeros como fibras (o celofane, o lyocel, o rayon e a viscose, por exemplo) e as modificações químicas que originaram os explosivos nitrocelulose e o celulóide. E também pelos produtos para que podem ter contribído, o acúcar, o café, o tabaco, o cacau, a borracha, entre outros.    

[Translation, semi-authomatic, corrected]

Virtual chemical trails in Madrid in times of confinement

[Unfortunately, several areas of Madrid are in strict confinement, such as Usera and Puente de Vallecas (I know almost nothing about the administrative districts of Madrid, I am based on a map from the ABC newspaper). This trail takes place in regions very close (Arcazuela, Embajadores and Atocha) more specifically at Street of Embajadores, at the Rainha Sofia Museum and at Atocha Station]

On the street of Embajadores is situated the old tobacco factory, now a cultural center, and the old military medicine factory (google tells me). In cities, industries are being expelled due to real estate pressure, foul smells (the old slaughterhouse is nearby and Google also tells tha is cultural center), danger and lack of space. Of course, as you would expect, in Madrid there is a monument and places dedicated to Fleming, but this not what I want to talk about. In the street of Ambassadores it makes sense to mention the antibacterials that existed before penicillin.

Until the first two decades of the twentieth century, we will only have hygiene, asepsis and mercury salts to fight infections. Then, based on the idea of ​​Erlich's “magic bullet”, we will have salvarsan, an organic arsenic medicine, effective against syphilis, but although with less serious effects than mercury, it will continue to have many secondary effects. With Domek, when Bayer joined BASF, among others, to form I.G. Farben, sulfamides appeared. That prevented bacteria from producing folic acid and are the only ones that were available for infections before 1943. This can be manufactured in military medicine factories.

Nearby it is the Queen Sofia Museum. When we visited it, it was raining and there were long lines. This is an occasion to discreetly see the pigments and materials (essentially polyester) of umbrellas. There are several other aspects, of course, but in chemical terms, processes, materials and molecules are interesting. Note the pieces made of zinc, glass, acrylic and other materials. There is a copper and magnesium chess by Carl André, for example. Inks and pigments also deserve our attention. Interestingly, there was a sign in the bathroom explaining how to wash hands (strange premonition of 2019!) And there was an exhibition about the discoveries, but highlighting its strangest and least known aspects, and also the materials involved.

Then, we went to visit and relax in the tropical gardens of the Atocha train station. Many plants were grown for the materials and the chemicals they gave. We can start obviously with cellulose that is the source of cotton and paper, and all its modifications, both as polymers and fibers (cellophane, lyocel, rayon and viscose, for example) and the chemical modifications that originated the explosive nitrocellulose and the polymer celluloid. And also for the products to which they may have contributed, sugar, coffee, tobacco, cocoa, rubber, among others. All natural, all chemical.

Passeios químicos em Madrid: de um livro de Javier Marías até aos espaços abertos [Chemical trails in Madrid: from a book by Javier Marías to open spaces]

Esta viagem por Madrid começa pela leitura do “Amanhã na batalha pensa em mim”, de 1994, de Javier Marías e estende-se a outros caminhos e terá mais episódios. O nome deste romance é uma citação de Shakespeare, mais concretamente de uma fala do fantasma de Ana no Ricardo III e tem muitas histórias que se cruzam, como toda a boa literatura. Não quero desvendar a trama que é complexa ao mesmo tempo límpida. Gostei e recomendo. Li a versão portuguesa, mas comprei a espanhola. Madrid tem tantos pontos de interesse e nem sabemos por onde começar: Javier Marías, Joaquim Sabina, Pedro Almodovar, Buñuel, Unamuno, Cervantes, Picasso, os jardins, os ferros forjados, a história, sei lá! Tudo tem química, é preciso dizer. “Madrid me mata!” reza a expressão e acredito seja verdade.
O livro de Marías começa com uma morte. Poderíamos falar da química da morte. Tenho aqui comigo, além do livro de Marias, vários guias e memórias, em particular, o “Desvio a Santiago” e a “Historia de Espanha para Céticos”. Achei especial piada também aos “150 planos para conquistar Madrid”. Um deles é, por exemplo, visitar um museu de horrores, outro fazer um percurso tétrico.

Os espanhóis são famosos pela sua cultura incrível mas também pela sua inquisição insana, pela sua guerra civil sangrenta, pela sua ditadura quase esquecida (mas que deixou muitas sequelas) e o terrorismo violento, entre outras coisas. Mas não falemos da química de tudo isso. Comecemos pela química no livro de Marías. Numa dada parte, uma personagem encontra um tubo de Redoxan efevercente. Podímos ficar por aqui, mas não. Nunca um detective químico! Diz a wikipedia que Redoxon era o nome comercial do primeiro ácido ascórbico artificial (sintetizado). E que o Redoxon foi comercializada pela primeira vez para o público em geral pela Hoffman-La Roche em 1934, tornando-se a primeira vitamina sintética fabricada em massa na história. Curiosamente, no interessante capítulo sobre a vitamina C do livro “Os botões de Napoleão: 17 moléculas que mudaram a história” surge a velha história de que o tratamento para o escorbuto foi descoberto pelo pelo capitão Cook. Não será bem assim, mas é assim que está publicado, mas essa discussão fica para outro percurso. Por agora basta ter a certeza de que a vitamina C artificial é exactamente igual à natural e que os comprimidos efevercentes têm um carbonato que produz dióxido de carbono em água.  

No livro de Marías é também referido um determinado método de mastigação que converte os sólidos em líquidos, atribuído a Fletcher. Mastigar tem semelhanças com a moderna técnica de moer para acelerar as reações químicas, mas mastigar envolve também enzimas que vão quebrar os alimentos. Em Espanha também se passou fome como em Portugal. A farinha de Almortas (chícharos) foi proibida até há algum tempo porque causava muitas paralisias, especialmente nas épocas de fome. Outras histórias químicas, outros caminho a seguir.   

Em várias partes do livro podemos viajar pelas ruas de Madrid, o que é bastante interessante. O livro também tem referência a cheiros e drogas como a cocaína. Num dado momento, uma personagem secundária fica grávida porque provavelmente os métodos anticoncepcionais falharam (é referido que “tivemos cuidado” mas não é referido quais são os métodos). A verdade é que já temos pílula anticoncepcional desde o princípio dos anos sessenta e esta chega a Espanha em meados dos anos sessenta. Com prescrição médica ou clandestinamente. Até meados dos anos setenta será crime falar publicamente de planeamento familiar. Comprar preservativos era uma actividade discreta. Os ricos abortavam em Inglaterra ou Escócia. A tal personagem do livro vai a Inglaterra.

Deixemos o livro de Marías e saiamos para as ruas de Madrid. Há muito para ver, claro. Passemos pela praça Cibeles e apreciemos a beleza e os materiais de que são feitas as estátuas, olhemos para os materiais e robustez das contruções, muitas vezes muito feias, outras vezes belas. Notemos na Gran Via que muitas construções têm ferro forjado (aliás há muito ferro forjado em Espanha), voltarei a isso. Notemos as muitas árvores e a água corrente. Madrid pode ser muito fria e húmida no inverno e muito quente e seca no verão. Olhemos para os edificios “modernos”, por exemplo para o Metropolis. Será que é ouro o que luze?

Madrid é grande, muito grande. Do Paseo e Museo Prado passamos para o Paseo dos Recolectos e chegamos ao Paseo de la Castellana. Chamou-me a atenção a zona, uma rua e um hotel com um jardim romântico chamado Orfila. Não tem indicação na placa, mas  quase de certeza que se trata do grande químico espanhol do século XIX, Mathieu Joseph Bonaventure Orfila (1787–1853), “pai” da toxicologia forense moderna. Poucos madrilenos sabem de onde vem o nome dessa rua. Itemos aos Jardins tropicais da estação de Atocha, visitaremos o Parque do Retiro e as estufas tropicais do Palácio de Cristal. Há muitas coisas químicas para fazer em Madrid mesmo à segunda-feira.   

[translation, semi-authomatic, corrected]

This trip through Madrid begins with the reading of “Tomorrow in the battle think of me”, from 1994, by Javier Marías and extends to other paths and will have more episodes. The name of this book is a quote from Shakespeare, more specifically a speech of Ana's ghost in Richard III and has many stories that intersect, like all good literature. I don't want to unravel the plot that is complex and at the same time clear. I liked it and recommend it. I read the Portuguese version, but I bought the Spanish one. Madrid has so many points of interest that we don't even know where to start: Javiar Marías, Joaquim Sabina, Almodovar, Buñuel, Unamuno, Cervantes, Picasso, the gardens, the forged irons, the history, I don't know! Everything has chemistry, need to say. "Madrid kills me!" says the expression and I believe it to be true.

Marías' book begins with a death. We could talk about the chemistry of death. I have here with me, in addition to Marias' book, several guides and memoirs “The Deviation to Santiago” and the “History of Spain for Skeptics.” I also found a special joke to “150 plans to conquer Madrid”. One is, for example, visiting a museum of horrors, the other taking a tetrical route.

Spain is famous, not only due to its amazing culture, but also for their ancient insane inquisition, for their bloody civil war, for their almost forgotten dictatorship that left many sequels, and its bloody terrorism. But let's not talk about the chemistry of this. Let's start with chemistry in Marías' book. In a given part, a character finds an effective Redoxan tube. We could stop here, but no. Never a chemical detective. The wikipedia says that Redoxon was the trade name of the first artificial (synthesized) ascorbic acid. And that Redoxon was first marketed to the general public by Hoffman-La Roche in 1934, becoming the first mass-produced synthetic vitamin in history. Interestingly, in the interesting chapter on vitamin C in the book “Napoleon's buds: 17 molecules that changed history” comes the old story that the treatment for scurvy was discovered by Captain Cook. It will not be so, but this is how it is published, but this discussion is for another journey. For now, just be sure that artificial vitamin C is exactly the same as natural vitamin and that effective pills have a carbonate that produces carbon dioxide in water.

In Marias' book there is also a specific method of chewing that converts solids into liquids, attributed to Fletcher. Chewing has similarities to the modern grinding technique of Green Chemistry to speed up chemical reactions, but chewing also involves enzymes that will break down food. In Spain there was also a famine as in Portugal. Almortas flour (“chícharos” I didn’t find a translation but is similar to chickpeas) was banned until some time ago because it caused many paralysis, especially in times of famine. Other chemical stories to follow.

In various parts of the book we can travel the streets of Madrid, which is quite interesting. The book has also references to smells and drugs like cocaine. Other chemical trails. At a given moment, a secondary character becomes pregnant because probably the contraceptive methods have failed (it is said that “we were careful” but the methods are not mentioned). The truth is that we have had birth control pill since the early sixties and it arrived in Spain in the mid sixties. With medical prescription or clandestinely. Note that, until the mid-seventies it would be a crime to speak publicly about family planning. Buying condoms was a discreet activity. The rich aborted in England or Scotland. The character from the book goes to England.

Let us leave the book of Marias and go out into the streets of Madrid. There is much to see, of course. Let us pass by Cibeles square and appreciate the beauty and the materials from which the statues are made, look at the materials and strength of the constructions, often very ugly, other times beautiful. Let us note in Gran Via that many buildings have wrought iron (in fact there is a lot of wrought iron in Spain), I will come back to that. Notice the many trees and the running water. Madrid can be very cold and wet in the winter and very hot and dry in the summer. Let us look at “modern” buildings, for example Metropolis. Is it gold that shines?

Madrid is big, very big. From Paseo and Museo Prado we pass to Paseo dos Recolectos and arrive to Paseo de la Castellana. The area, a street and a hotel (with a romantic garden) called Orfila caught our attention. It has no indication on the plaque, but it is almost certainly tat was after the great 19th century Spanish chemist, Mathieu Joseph Bonaventure Orfila (1787–1853), “father” of modern forensic toxicology. Few Madrileños know where the name of this street comes from. We will go to the tropical gardens of Atocha station, visit the Parque do Retiro, and the tropical greenhouses of the Crystal Palace in other trails. There are many chemical things to do in Madrid even on Monday.

Passeios químicos em Espanha: Ruas e monumentos Fleming [Chemical trails in Spain: Streets and monuments to Fleming]

[Vou inaugurar os passeios químicos internacionais que nos levarão a Espanha, Suécia, Nova Iorque, Inglaterra e Holanda, entre outros lugares. Começo com aquilo que era para mim um mistério: as ruas Fleming em Espanha.] 

É um nome que está presente em quase todos os lugares. Como escrevi noutro lado, o nome de Alexander Fleming (1881-1955) é usado em mais quinhentas ruas, avenidas e monumentos em Espanha. Dirão que é normal, uma vez que se lhe atribui a descoberta do primeiro antibiótico. Trata-se obviamente da penicilina, cuja história aprarentemente muito conhecida é mais desconhecida do que pareceria. E é uma história tanto química como medicinal. E que melhor lugar para evocar esta molécula do que uma rua com o nome de Fleming? 

O número de lugares com o nome de Fleming é maior do que o grande Prémio Nobel da medicina espanhol, Santiago Ramón y Cajal (1852-1934), e, obviamente, que o do outro prémio Nobel da medicina espanhol, naturalizado americano, Severo Ochoa (1905-1993). Estes, entretanto, serão alvo de outros passeios. Vamos por agora falar de Fleming e da penicilina.

Em Gijón fizeram uma procissão que evocou Fleming e criaram um subscrição pública para um monumento que ainda hoje é homenageado. Escrevi, que o fenómeno e o entusiasmo se estendeu a toda a Espanha, o que parece evidente. Curiosamente, a homenagem não tinha só que ver com a cura das feridas mas também com a da tuberculose que grassava na Peninsula Ibérica. Acontece que Fleming foi só um peça do conjunto (o prémio Nobel foi atribuido a três pessoas como veremos) e a penicilina, embora um marco fundamental da medicina, é pouco eficaz contra a micobactéria causadora da tuberculose. 

[Atualização: em Madrid, no exterior da praça de touros Las Ventas está uma homenagem a Felming por parte dos toureiros, inaugurada em 1964. Conhecia o monumento quando escrevi isto, mas não fui lá quando estive em Madrid]  

Escrevi noutra altura, neste blogue, que se diz muitas vezes que a penicilina foi descoberta em 1928, por Alexander Fleming, quando notou que uns fungos matavam bactérias, o que não é bem verdade. Não sou só eu a dizer que Fleming não foi o primeiro a ver que os fungos matavam bactérias. Tony Hartman em Tudo é relativo e outras lendas da ciência e da tecnologia (Gradiva, 2003) identifica pelo menos dez pessoas, entre as quais Pasteur. Fez outra coisa que, bem vistas as coisas, é até melhor: foi o primeiro a pensar nisso como a origem de um medicamento (e deu-lhe um nome). E por que fez isso? Porque foi médico na primeira guerra mundial e andava à procura de materiais que fossem eficazes contra as infecções, nomeadamente a lisozima.


Mas, como é sabido, Fleming não conseguiu isolar a penicilina. Foi preciso chegar a 1940, tendo dois investigadores e a sua equipa, Flory e Chain isolado a penicilina, mas em pequena quantidade (os três, Fleming, Fory e Chain, ganharão o prémio Nobel em 1945). Estava-se no meio da segunda guerra mundial e essa descoberta deu origem ao “projecto penicilina” que envolveu milhares de investigadores de universidades e indústrias, o qual tinha dois objectivos: produzir penicilina em grande quantidade (o que conseguiram, em 1943, nos Estados Unidos, usando tanques de fermentação, o que está na origem da maior farmacêutica actual, a Pfizer) e obter penicilina por métodos sintéticos (esta parte falhou e só foi conseguido no final dos anos 1950 por Sheehan e a sua equipa). Notamos que para produzir penicilina por métodos sintéticos tinha de saber a sua estrutura, o que só foi conseguido em 1944, notavelmente com uma grande contribuição da Dorothy Hodgkins, que viria a ganhar um prémio Nobel mais tarde. 

Mas além da estrutura demorar a ser identificada, o anel beta-lactâmico era também muito sensível. Só depois de Sheean fazer a síntese total (sem interesse esconómico), é que este percebeu como se poderiam produzir penicilinas semi-sintéticas. Um exemplo é a amoxililina que surgiu nos anos 1970 e tem um grupo amina e outro álcool que não existiam na versão natural. Resta saber porque ao antibióticos são eficazes contra bactérias mas não vírus. Porque os antibióticos actuam bloqueando alvos presentes nas bactérias e não nos vírus. E se não houver alvos terapêuticos as moléculas não fazem nada. Por essa razão, os antibióticos eram também uma boa ideia. Porque os seres humanos não tinham os mesmo alvos também. Descobriu-se depois que os antibióticos podiam activar alvos secundários e que podiam causar alergias ou efeitos secundários graves. Mas isso só se soube depois.

Falemos agora da resistência. Não é uma coisa nova: quando apareceu o primeiro antibiótico já havia estirpes resistentes. Mas, as bactérias “não gostam” de morrer e reproduzem-se a grande velocidade (uma geração em média a cada meia hora). A cada geração vão ser mortas pelos antibióticos as mais afectadas, sobrevivem as mais adaptadas ou resistentes. No decurso de uma geração humana as bactérias reproduzem-se milhares de vezes. Uma geração sensível pode dar origem, passado uns tempos a uma geração resistente. O que fazer então? Usar os antibióticos só quando for necessário, para evitar o contacto. Não parar os tratamentos a meio para evitar que sobrevivam as bactérias menos afectadas. Mas a longo prazo isso não chega, precisamos de encontrar novos antibióticos, mais seguros e com menos efeitos secundários. Dou um exemplo: o antibiótico mais eficaz contra a peste, a cólera e a febre da carraça não é muito usado actualmente por os seus efeitos secundários serem potencialmente graves. 

Entretanto, hoje em dia, mais de metade dos medicamentos aprovados não têm inspiração natural, mas mesmo os designados medicamentos naturais, para serem sustentáveis, muitas vezes têm de ser produzidos em laboratório. 

[Neste artigo aproveita-se em parte artigos do autor no blogue de Reum Natura e deste blogue. Fotos da rua Fleming em Cáceres e do monumento em Gijón. Ruas Ramon y Cajal em Oviedo e Severo Ochoa em Córdoba. Nestas cidade também há ruas Fleming]

[translation (semi-authomatic, corrected)] 

[I am going to inaugurate the international chemical trails that will take us to Spain, Sweden, New York, United Kigdom, and Holland, among other places. I start with the mystery of the Fleming streets in Spain.]

It is a name that is present almost everywhere. As I wrote elsewhere, the name of Alexander Fleming (1881-1955) is used in more than five hundred streets, avenues and monuments in Spain. You will say that it is normal, since the discovery of the first antibiotic is attributed to him. This is obviously penicillin, whose apparently well-known history is more unknown than it would seem. And it's a chemical as well as a medical story. And what better place to evoke this molecule than a street named after Fleming? The number of places under the name of Fleming is greater than the ones of the Spanish Nobel Prize in medicine, Santiago Ramón y Cajal (1852-1934), and, obviously, that of the other Spanish, naturalized American, Nobel Prize in medicine, Severo Ochoa (1905-1993). These, however, will be the target of other trails. For now let's talk about Fleming and penicillin. 

In Gijón they made a procession that evoked Fleming and created a public subscription to a monument that is still being honored today. I wrote that the phenomenon and the enthusiasm extended to all Spain, which seems evident. Interestingly, the homage had to do not only with the healing of wounds but also with that of tuberculosis that was raging in the Iberian Peninsula. It turns out that Fleming was just one piece of the set (the Nobel Prize was awarded to three people as we will see) and penicillin, although a fundamental milestone in medicine, is ineffective against the mycobacterium that causes tuberculosis. 

[Update: in Madrid, outside the Las Ventas bullring, there is a tribute to Felming by the bullfighters, inaugurated in 1964. I knew the monument when I wrote this, but I didn't go there when I was in Madrid]

I wrote at another time, in this blog, that it is often said that penicillin was discovered in 1928, by Alexander Fleming, when he noticed that some fungi killed bacteria, which is not quite true. It's not just me saying that Fleming was not the first to see that fungi killed bacteria. Tony Hartman in Everything is relative and other legends of science and technology (Gradiva, 2003) identify at least ten people, including Pasteur. He did something else even better: he was the first to think of this as the origin of a medicine and gave it a name. And why did he done that? Because he was a doctor in the first world war and was looking for materials that were effective against infections, namely lisozime. 

But, as is well known, he has not been able to isolate the molecule penicillin. It was necessary to arrive in 1940, and two researchers and their team, Flory and Chain, isolated finaly penicillin, but in small quantity (the three, Fleming, Flory and Chain, will win the Nobel Prize in 1945). It was in the middle of the second world war and this discovery gave rise to the “penicillin project”, which involved thousands of researchers from universities and industries, which had two objectives: to produce penicillin in large quantities (which they achieved in 1943 in the United States, using fermentation tanks, which is the origin of the largest pharmaceutical company today, Pfizer) and obtaining penicillin by synthetic methods (this part failed and was only achieved in the late 1950s by Sheehan and his team). We noticed that to produce penicillin by synthetic methods, it lacks to know its structure, which was only achieved in 1944, notably with a great contribution from Dorothy Hodgkins, who would win a Nobel Prize some years late. But in addition to the structure being difficult to identify, the beta-lactam ring was also very sensitive. It was only after Sheean did the total synthesis (with no economic interest) that he realized how semi-synthetic penicillin could be produced. An example is amoxyliline that appeared in the 1970s and has an amine group and another alcohol that did not exist in the natural version. 

It remains to be seen why antibiotics are effective against bacteria but not viruses. Because antibiotics act on blocking targets present in bacteria and not in viruses. And if there are no therapeutic targets, the molecules can do nothing. For that reason, antibiotics were also a good idea. Because human beings didn't have the same targets either. Unfortunately, it was later discovered that antibiotics could activate secondary targets and could cause allergies or serious side effects. But that was only learned later. 

Now let's talk about resistance to the antibiotics. It is not a new thing: when the first antibiotic appeared, there were already resistant strains. However, bacteria “don't like” to die and reproduce at great speed (with average generations of half hour). Each generation, the most affected will killed by antibiotics and the most adapted or resistant survive. In the course of a human generation, bacteria reproduce thousands of times. A sensitive generation can give rise to a resistant generation after a while. What to do then? Use antibiotics only when necessary, to avoid contact. Do not stop treatments in the middle to prevent the least affected bacteria from surviving. But that is not enough in the long run, we need to find new antibiotics, safer ones with fewer side effects. Let me give you an example: the most effective antibiotic against plague, cholera and tick fever is not widely used today because its side effects are potentially serious. 

Nowadays, more than half of the approved medicines have no natural inspiration, but even the so-called natural medicines, to be sustainable, often have to be produced in the laboratory. 

[This article uses parts of author’s articles from Rerum Natura's blog and older posts form this blog, photos of street and monument Fleming in Caceres and Gijón, respectively. Streets Ramon y Cajal in Oviedo and Severo Ochoa in Cordoba. Streets named after Fleming are also availabe in those cities]  

Passeio químico em Aveiro [Chemical trail in Aveiro]

[Uma parte deste passeio foi realizada fisicamente no dia 30 de março de 2019 pelas 15 horas. Foi apoiado pelo Centro de Ciência Viva Fábrica, publicitado e noticiado em páginas e jornais locais e foi referido nas actividades no Ano Internacional da Tabela Peródica da revista da Sociedade Portuguesa de Química (SPQ). A revised machine translation will be included in the writings. 

Começámos no parque de Santo António, em frente ao Centro de Ciência Viva Fábrica (o percurso está disponível com o Google Maps).

Já várias vezes falámos neste blogue do cheiro da relva cortada, que é muito característico. Tem que ver com moléculas, claro, mas também com o nosso sistema olfativo e com concentrações. Provavelmente não foi referido aqui, mas a relva é uma planta especial que suporta o corte e volta a crescer. Precisa, no entanto, de muita água. Por isso, se for cortada e regada, acaba por voltar a crescer.

Há um aspecto que tem que ver com o cheiro da relva cortada que é o das patentes! Como? - dirão. De facto, as patentes são importantes em química pois asseguram que um determinado produtor pode usar exclusivamente, durante um tempo limitado (normalmente 20 anos), aquela molécula ou processo. Há coisas que não podem ser patentadas como aquelas que já eram conhecidas ou aquelas que já estão publicadas. Por isso, as pessoas interessadas em patentear não publicam. As patentes envolvem advogados especializados e moléculas que ainda não existem (nomeadamente as chamadas moléculas “proféticas”) para evitar que as patentes possam ser contornadas. É de notar que o desenvolvimento é muito caro, especialmente o farmacêutico, e por isso pensa-se tem de ser protegido de alguma forma. Nos EUA existia até 2012 a primazia da descoberta, por isso os cadernos de laboratório eram tão importantes, mas temos situações cinzentas (e neste caso de transição). Por isso, só há pouco tempo foi resolvida a disputa que durava há vários anos sobre o CRISP-9. Poderíamos falar interminavelmente sobre as patentes, mas há uma pergunta que vos pode ter intrigado. Que é que isso tem que ver com o cheiro a relva? Tem muita coisa! Um produtor queria vender bolas de golfe com cheiro a relva e queria proteger o seu negócio. Assim, o primeiro passo foi patentear a ideia, mas isso não bastava. Esta teria de ser exequível e patentável. Logo, foi também patenteado um cheiro artificial de relva, completamente definido em termos de moléculas e quantidades, para colocar nas bolas! Sabem o que aconteceu? Adivinham? Quase ninguém teve interesse nessas bolas de golfe e a patente (que custa muito dinheiro anualmente) foi abandonada! E é isto que acontece com as patentes: muitas não têm retorno financeiro.      

De onde estávamos viam-se alguns painéis solares. Já falei deste tipo de painéis noutro passeio. As pessoas pensam nestes como sendo uma coisa física mas tem muita química, como já expliquei. Desde logo a separação entre os painéis que só aquecem a água das células que poduzem electricidade. O normal é últimos serem baseados em silício monocristalino dopado, como já referi, mas as células de corantes têm muito interesse pois são de baixo custo e podem ser transparentes, aproveitando a radiação ultravioleta. O armazemamento da energia é outro problema a ser resolvido, pelos químicos, claro.

Neste parque há também uma amoreira branca. Esta árvore está supostamente na origem do papel, inventado pelos chineses. A química o papel têm também muito que se diga. Desde o fabrico das pastas até aos aditivos e branqueadores, passando pelo controlo de qualidade, os efluentes e o seu tratamento, assim como os odores. Mais coisas de que poderíamos falar interminavelmente. Neste parque podemos encontrar, obviamente, muitas outras plantas. Além das referidas é digno de nota o Allium triterpium, rico em saponinas, um tipo de moléculas que tem um parte apolar e outra polar, muitas com trinta carbonos, triperpenos, da família dos isoprenos, que usam como base o isopreno C5H8. Estas moléculas por dissoverem as gorduras na parte apolar e serem solúveis em água pela parte apolar têm a particularidade de fazerem bastante espuma e poderem ser usados como sabões naturais.

No Parque Infante D. Pedro podemos encontrar um teixo e referir a origem e desenvolvimento do taxol (paclitaxel). De facto, este composto usado contra o cancro foi descoberto no tronco de um teixo mais raro numa pesquisa sistemática dos anos setenta. Actualmente, faz-se um transformação química num composto mais comum e sustentável presente nas folhas do teixo comum e obtem-se o paclitaxel de forma indirecta. Evita-se assim a tragédia ecológica que seria a procura dos troncos de uma árvore muito rara.

Neste parque podemos também observar uma gruta artificial com as suas estalactites, um consultório dentário, uma loja de colchões, azulejos, entre muitas outras coisas. Como referi, podemos encontrar química em todos os objectos. E não é suficiente para os perceber saber de que são feitos. A maior parte dos objectos que nos rodeiam foi alvo de transformações químicas.

O monumento ao Egas Moniz está no hospital de Aveiro e não o encontrámos neste passeio. O Egas Moniz é o nosso único prémio Nobel científico. Claro que podemos discutir as circunstâncias que rodearam estes trabalhos, mas não podemos olhar para o passado com os olhos de hoje. A clorpromazina para as psicoses só surgiu nos anos 1950, por exemplo. Outro aspecto é a descoberta da angiografia que seria muito mais interessante em termos de prémio, mas mesmo essa não será isenta de problemas, como os dos materias opacos usados para visualizar as veias. Destes tem especial interesse o uso de moléculas contendo o elemento tório que, sendo radioativo, poderia provocar danos mais tarde, por exemplo.    
No Museu de Santa Joana são também vários os aspectos que podem ser referidos.Os pigmentos das obras de arte, o restauro destas, entre outros. O armário da botica do convento onde se instalou o museu fica na entrada e é uma interessante peça a explorar. As pedras da calçada que representam o "grafeno" são também uma visão surpreendente. Finalmente, o jardim de ervas aromáticas é outro ponto de interesse.

 As lojas de ovos moles e conservas apareceram a seguir no nosso

percurso. Aqui poderemos falar da química dos ovos moles e das conservas, por exemplo. No caso dos ovos moles, vale a pena referir que estes são feitos com gemas de ovos crus e de açúcar (sacarose) que faz a sua conservação. A composição das gemas de ovos é muito complexa, mas a sacarose é uma molécula quase pura. A produção de açúcar a partir de cana ou beterrabas sacarinas seria outro ponto de intresse deste passeio. Os ovos moles de Aveiro foram certificados e continuam a ser estudados.

Na ponte sobre a ria podemos ver estátuas de bronze, em particular a do fogueteiro e a do molicieiro. No caso do fogueteiro pode ser interessante referir a química dos foguetes e das suas cores. O “fogo” era uma coisa muito comum e todas as ocasiões serviam para o usar, diz quem sabe. Hoje não é assim. Por um lado evitamos usar o “fogo” no verão que pode provocar incêndios e por outro procuramos versões mais ecológicas e sustentáveis desta actividade humana milenar. Actividade humana muito antigo é também a do uso dos moliços para adubar os terrenos. Mas nem os moliços nem os excrementos, tratados ou naturalmente curtidos, são suficientes para a agrucultura actual. Os adubos naturais versus fertilizantes artificiais é um tema interessante e na ordem do dia. Os adubos artificiais foram descobertos no início do século vinte e foram a maior revolução em termos de vidas salvas da fome. Curiosamente, os vendedores de adubos naturais já nessa altura realçavam esse aspecto (serem “melhores” por serem naturais). Nesse ponto do passeio poderemos também referir a química da água e da sua composição, análise e controlo, entre outras coisas.

Na avenida Lourenço Peixinho encontramos o monumento aos combatentes da grande guerra que é uma oportunidade para falar da química ligada à guerra e à paz. Também poderemos referir o bronze e outros ligas metálicas presentes neste monumento.

Mais à frente temos uma vista sobre os canais da ria e das salinas. É mais uma oportunidade para referir várias coisas, nomeadamente a forma como a solubilidade permite que precipite o sal da forma que o conhecemos. No átrio do hotel do Hotel As Américas encontrei algumas encenações e explicações das salinas e do sal. Cá fora, no jardim, existe um arbusto Callistemon spp. que insprou um herbicida como já referi. Junto à estação de caminho de ferro encontramos vestígios de painéis antigos da CUF. Aqui poderemos referir a evolução da industria química, entre outras coisas.

Ainda na avenida Lourenço Peixinho encontramos casas com vidros e azulejos antigos. No caso dos vidros, só recentemente estes são planos e muito grandes e sem imperfeições, pois foram implementados novos processos. Aqui, podemos também ver os  efeitos do tempo nos materiais.

A Casa Municipal da Cidadania funciona no antigo dispensário antituberculoso. Aqui poderemos falar da evolução do tratamento da tuberculose e dos antibióticos usados para esta micobactérica. Ao lado da Casa Municipal da Cidadania encontrámos durante o passeio uma loja com um solário que nos levou aos efeitos da fotoquímica.

No canal podemos ainda ver uma antiga fábrica de cerâmica. Aveiro é bastante conhecida pelo fabrico de cerâmicas, desde as faianças aos azulejos. Seguimos daqui para uma ponte com cadeados e  fitas e chegámos a um centro comercial. 

Acabámos por aqui, mas a química e os seus efeitos vêm connosco.

[Actualizei a parte das patentes a 18 de setembro de 2020]

[translation]

Chemical trail in Aveiro

We started in Parque Santo António, in front of the Ciência Viva Fábrica Center that supported this trail (the route is available with Google Maps).

We have already spoken in this blog several times about the smell of cutted grass, which is very characteristic. It has to do with molecules, of course, but also with our olfactory system and concentrations. It was not mentioned here, but the grass is a special plant that supports cutting and growing again, but it needs a lot of water. So if it is cut and watered, it ends up growing again.

There is an aspect that has to do with the smell of cutted grass which is that of patents! How is this possible? - you say. In fact, patents are important in chemistry as they ensure that a given producer can use that molecule or process exclusively, for a limited time (usually 20 years). There are things that cannot be patented like those that were already known or those that are already published. Therefore, people interested in patenting someting do not publish it. Patents involve specialized lawyers and sometimes molecules that do not yet exist (the so-called "prophetic" molecules) to avoid as much as possible that patents can be circumvented. It is to be noted that the development is very expensive, especially the pharmaceutical one, and therefore it has to be protected somehow. In the USA we have till 2012 the primacy of discovery (now changed to primacy of file), which is why laboratory notebooks are so important, but we have dubious situations (in this case we had a mix transition situation). The dispute that lasted for several years over CRISP-9 was only recently resolved, for example. We could talk endlessly about patents, but is there a question that has puzzled you? What does patents have to do with the smell of grass? It has something, of course! A producer wanted to sell grass-smelling golf balls and wanted to protect his business. So, the first step was to patent the idea, but that was not enough. That must be feasible and patentable. So, a completely defined artificial grass smell was also patented (to put on the balls)! Do you know what happened? Guess what? Almost nobody was interested in these golf balls and the patent (which costs a lot of money annually) has been abandoned! And this is what happens with some patents: Many have no financial return.

From where we were, there were some solar panels. I already mentioned these devices on another tour. People think of these as being a physical thing but it has a lot of chemistry, as I explained.  Starting form the separation form heating to producing electricity ones. The normal electricity producion ones are based on doped monocrystalline silicon, as I mentioned, but the dye cells are very interesting because they are low cost and can be transparent, taking advantage of ultraviolet radiation. Storage is another problem to be solved by chemists, of course.

In this park there is also a white mulberry tree. This tree is supposedly at the origin of the paper, invented by the Chinese. Chemistry and paper also have a lot to say. From the manufacture of pastes to additives and bleaches, through quality control, effluents and their treatment, as well as odors. We could talk  about this things endlessly. In this park we can obviously find many other plants. In addition to those mentioned, it is worth noting the Allium triterpium, rich in saponins, a type of molecules that has a nonpolar and a polar part, many with thirty carbons, triperpenes, from the isoprene family, which use C5H8 isoprene as a base. These molecules by dissolving fats in the nonpolar part and being soluble in water by the nonpolar part have the particularity of making a lot of foam and can be used as natural soaps.

At Parque Infante D. Pedro we can find a yew tree and refer to the origin and development of taxol (paclitaxel). In fact, this compound used against cancer was discovered in the trunk of a rarer yew in systematic research from the seventies. Currently, a chemical transformation is made into a more common and sustainable compound present in the leaves of the common yew tree and paclitaxel is obtained indirectly. This avoids the ecological tragedy that would be the search for the trunks of a very rare tree.

In this park, we can see also an artificial cave with its stalactites, a dental office, a mattress store, tiles, among many other things. As I mentioned, we can find chemistry in all objects. But this is not enough to understand them. Most of them have undergone chemical transformations.

The monument to Egas Moniz is in the hospital and we did not find it in this tour. Egas Moniz is our (Portuguese) only scientific Nobel Prize. Of course we can discuss the circumstances but we cannot look at the past with today's eyes. Chlorpromazine for psychoses only appeared in the 1950s, for example. Another aspect is his discovery of angiography, which would be much more interesting I think, but even this will not be free from problems like the opaque materials used to visualize the veins. Of these, the use of thorium which is radioactive could cause damage later, for example.

At the Santa Joana Museum there are also several aspects that can be mentioned. Pigments, restoration, among others. The convent's pharmacy cabinet is at the entrance and is an interesting piece to explore. The cobblestones that represent "graphene" are an amazing sight. The aromatic herb garden is also another point of interest.

The stores of “ovos moles” and “conservas” appeared next on our route. Here we can talk about the chemistry of “ovos moles” and “conservas”, for example. In the case of “ovos moles”, it is worth mentioning that they are made with raw egg yolks and sugar that preserves them. The composition of egg yolks is very complex, but sucrose (sugar) is almost pure. Aveiro's “ovos moles” have been certified and are still being studied.

On the bridge over the estuary we can see bronze statues, in particular the rocket man and the molicieiro. In the case of rockets, it may be interesting to mention the chemistry of rockets and their colors. The "fogo" (fire) was a very common thing and every occasion served to use it, says who knows. Today it is not so. First, we avoid using “fire” in the summer, which can cause fires, and we look for more ecological and sustainable versions of an ancient human activity. A very old human activity is the use of molasses to fertilize the land. But neither the molasses nor the treated or naturally tanned excrements are sufficient for today's agriculture. Natural versus artificial fertilizers are an interesting topic and on modern agenda. Artificial fertilizers were discovered at the beginning of the century and were the biggest revolution in terms of lives saved from hunger. Interestingly, the sellers of natural fertilizers already emphasized that aspect (being natural). At this point we can also refer to the chemistry of water and its composition, analysis and control, among other things.

On Rua Lourenço Peixinho we find the monument to the combatants of the great war. Another opportunity to talk about chemistry linked to war and peace. We can also refer to bronze and other metal alloys.

But at the front we have a view over the channels of the estuary and the “salinas” (salt flats). Another opportunity to mention a lot of things, namely the way in which solubility allows salt to precipitate as we know it. In the hotel lobby of the Hotel “As Américas” I found some scenarios and explanations of the salt and salt and outside, in the garden, there is a Callistemon spp shrub. who is in the origin of a herbicide. Next to the railway station we find traces of old CUF panels. Here we can mention the evolution of the chemical industry, among other things.

Still on Avenida Lourenço Peixinho we find houses with old tiles and glass windows. In the case of glass, only recently they are flat and very large. We can also see the effects of time on materials.

The Municipal House of Citizenship is in the old anti-tuberculosis dispensary. Here we can talk about the evolution of tuberculosis treatments. Next to the Municipal House of Citizenship we found a store with a solarium that takes us to the effects of photochemistry.

In the canal we can see an old ceramic factory. Aveiro is well known for the manufacture of ceramics, from dishes to tiles. We went to a bridge with padlocks, ribbons and arrived at the shopping center. The chemical trail finished here, but chemistry remained with us.

[versão de 30 de Agosto de 2020] 

[The text about patents was corrected september 18, 2020]