À procura da química nas Caldas da Rainha

A cidade das Caldas da Rainha deve o seu nome às suas águas sulfurosas, as quais a rainha D. Leonor apadrinhou no século XV. Estas águas são muito antigas e as termas têm funcionado até recentemente. A referência mais antiga a estas águas data do século treze. Entretanto, depois do século dezoito, estas águas têm sido analisadas pelos melhores químicos portugueses, tendo estes concluído que seriam daquelas que tinham mais compostos dissolvidos.

Atribui-se desde tempos imemoriais propriedades curativas e milagrosas às águas sulfurosas, mas acredita-se hoje que esse efeito de bem-estar possa ser essencialmente psicológico ou geral o que vem vistas as coisas é muito importante. Podem não curar doenças graves, mas ajudam ao bem-estar geral, prevenindo muitas outras.

No centro das Caldas da Rainha sente-se o cheiro a enxofre. Nós humanos somos muito sensíveis aos cheiros sulfurosos. São uma forma de identificar aminoácidos decompostos e, logo, alimentos estragados e perigosos. Pode-se notar esse efeito com os ovos que, uma vez cozidos, ficam com um cheiro característico a exofre. A conversa é como as cerejas, como se costuma dizer, e, por exemplo, os veganos podem assim fazer omoletes sem ovos usando uma combinação de vegatais, corantes e odores característicos.

O sulfureto de hidrogénio, ou ácido sulfídrico, cheira a ovos podres e nós temos limites de detecção olfativa para este composto muito baixos. Na literatura científica encontramos valores entre 0.04 partes por bilião (ppb) e 1.5 partes por milhão (ppm), ou seja entre 0.04 mligramas (mg) em dez mil litros de ar e 1.5 mg em mil litros de ar. Entretanto, uma água para ser considerada sulfurosa tem de ter um miligrama por litro ou seja tem de ter odor a este composto.

Talvez não se lembrem, mas foi noticia na telvisão há uns anos que cheirava muito mal em Lisboa. Descobriu-se depois que alguém tinha despejado um frasco deste composto por acidente no lixo!

Há vários estudos recentes que fizeram revisões sistemáticas e meta-análises que concluem que o sulfureto de hidrogenio é benéfico para as doenças cardíacas e para a diabetes. Mas acima de determinados valores é um veneno. O sufureto de hidrogénio é mais um exemplo de como a concentração faz o veneno.

O elemento enxofre, além de estar no sulfureto de hidrogénio e nos compostos que dão cheiro ao gás de botija e alguns legumes e condimentos, ocorre na pólvora tradicional que contém carvão (essencialmente carbono), salitre (nitrato de potássio) e enxofre. Nesta, o enxofre ajuda à combustão, facilitando a reação com o oxigénio.

Também o cheiro dos fósforos queimados denuncia a presença de enxofre. Este entra na composição das suas cabeças, formando-se dióxido de enxofre com a combustão. Está também presente nas emissões vulcânicas. O cheiro do inferno e do interior da terra é associado ao do enxofre queimado, mas um meteorito, em que se aterrou há pouco tempo, também o tinha. Os derrames de mercúrio no laboratório podem ser eliminados com enxofre, formando-se sulfureto de mercúrio. O enxofre escurece a prata e as tintas brancas antigas de chumbo, formando-se, no segundo caso, sulfureto de chumbo, que é negro. O enxofre tem esta partícularidade de reagir com os metais e aumentar a reactividade destes com o oxigénio. Finalmente, é a presença de enxofre nos grupos terminais que se consegue que estes compostos se unam por este elemento às nanopartículas de ouro.

Em vários sítios podemos encontrar os limites no ar do sulfureto de hidrogénio. Nos EUA, estes limites são 10ppm para os trabalhadores que usam todos os dias este composto e 100ppm para as exposições esporádicas. Acima de 300 ppm esta molécula já causa efeitos graves e acima de 500 ppm, ou seja meio grama por litro, cerca de quinhentas a mil vezes o valor que se pode detectar pelo cheiro, pode causar a morte. Obviamente, hoje em dia não se confia apenas nos sentidos (até porque estes podem ser saturados e não estar disponíveis nalgumas pessoas) e há vários sensores e medições automáticas.

Os tratamentos termais entraram em declínio na segunda metade do século vinte e quase no final pareciam, aos não envolvidos, o parente pobre da medicina, uma coisa pouco racional, antiga e histórica. Miguel Torga refere-se a eles várias vezes no seu diário, mas em termos gerais. Na verdade, se até ao século vinte seriam quase o único alívio possível para muitas maleitas, vão sendo substituídos por medicamentos ou outras terapias. Para além disso, muitos tratamentos termais eram perigosos e pouco sensatos, como os das águas radioctivas. Estes, claro, foram abandonados.

Mas se a lepra, a tuberculose ou as infecções graves, por exemplo, não são curadas por tratamentos termais, há efeitos gerais no bem-estar, como já referido. No caso de supostas curas, é preciso notar que há doença parecidas com as mais graves referidas, as quais poderiam ter sido curadas com as termas.

Depois temos as faianças conhecidas como sendo de Rafael Bordalo Pinheiro. Podemos seguir o percurso destas e visitar o museu. As faianças têm uma parte de barro (um alumino-silicato) que uma vez aquecido acima de uma determinada temperatura perde água de forma irreversível e faz as ligações que lhe dão a conhecida rigidez em relação à argila que tem a conhecida plasticidade. Ao mesmo tempo o material é poroso permitindo a passagem do vapor de água, o que lhe dá característica frescura. Depois temos os corantes inorgânicos usados para dar cor os vidrados, ambos já referidos noutros passeios.  

Nas Caldas da Rainha podemos ainda visitar o parque onde fica o Museu José Malhoa. Neste parque podemos ver uma estátua do conde Ferreira, entre outras. Este museu, criado nos anos 1940, foi primeiro edifício construído de raiz em Portugal para albergar um museu, segundo o turismo local. No museu poderemos apreciar os pigmentos usados, os modelos usados para as estátuas. Nas Caldas da Rainha podermos ver ainda outros museus e a arte pública.  

Poderíamos ainda ir ao mercada fruta e apreciar as cores e cheiros dos várias materiais que podem ser encontrados. Do lado dado das naturais as frutas e legumes e do lado dos artificiais os toldos, por exemplo. Mas a química das Caldas da Rainha  não se esgota com este passeio.

Bibliografia consultada (muito parcial)

Fernando da Silva Correia, Pergaminhos das Caldas, Rio Maior: PH – Estudos e documentos, 1995.
Ramalho Ortigão, Banhos de caldas e águas minerais, Lisboa: Livraria Universal, 1875.

[versão provisória de 20 de Novembro de 2020, com algumas correcções de 24 de Novembro]


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