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Desde pequeno que as nódoas de nêspera
me intrigam. Primeiro, porque não queria acreditar nelas quando,
ainda criança, sentado na árvore as comia de forma abundante, mais
tarde porque quis perceber o mecanismo pelo qual estas manchariam de
forma tão drástica a roupa que esta teria de ir para o lixo. Não
tenho uma resposta definitiva, mas apenas algumas pistas baseadas na
literatura que consultei. No caso das nêsperas, os polifenóis são
oxidados rapidamente pela enzima polifenoloxidase a quinonas e
polimerizam, originando o típico aspecto castanho dos frutos
apanhados há algum tempo. Provavelmente, no caso das nêsperas, estes polímeros formam
ligações muito fortes com as fibras do algodão.
Vem isto a propósito da explosão de
amarelo característico que temos em Coimbra com as nespereiras e as
grevílias. Só nesta altura se nota como há tantas aqui. E faz
bastante pena todas aquelas nêsperas a cair no chão e a apodrecer
sem que ninguém as coma.
É certo que as árvores de fruto nas
cidades estão muito sujeitas à poluição automóvel e muitas
árvores têm uma tendência natural para acumularem metais pesados.
No entanto, tendo a gasolina com chumbo sido banida há muito, restam
os metais que se encontravam no solo ou já na árvore e aqueles que
navegam incorporados na fuligem (agora rebaptizada de nanopartículas
de carbono). Com os modernos métodos analíticos da química podemos
detectar quantidades ínfimas destes poluentes, mas as nêsperas
deverão estar hoje muito menos contaminadas com estes metais do que
há décadas atrás. Além disso, quase ninguém usa pesticidas nos
jardins, logo desse problema não devem sofrer.
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A árvore que no centro e sul do país
chamamos nespereira (
Eriobothrya japonica) é
originária da China,
onde as suas folhas são usadas em
medicina tradicional. O seu fruto, a nêspera,
é chamado no norte de
Portugal magnório, o
que origina alguma confusão,
até porque existe, em algumas regiões do norte, um outro fruto a
que chamam nêspera.
Em particular,
na região de Guimarães,
existe uma árvore,
cada vez mais rara,
a nespereira europeia
(Mespilus
germanica, na imagem ao lado, não conheço nenhum exemplar em Coimbra) cujo
fruto é
também chamado nêspera,
o qual só é comido quando
está muito maduro ou quase podre.
Este fruto
teve o seu papel na alimentação há séculos atrás, aparecendo em algumas
peças de Shakespeare (procure-se medlar e note-se as alusões ao apodrecimento e... ao sexo feminino), sendo
agora muito
menos consumido.
Os caroços das nêsperas entre muitas
outras substâncias, amigdalina, que já foi uma suposta cura
milagrosa para o cancro, hoje me dia completamente desacreditada. Já
as suas folhas contêm ácidos triterpénicos como o ácido
ursolínico, entre outras substâncias, como sejam glicosídeos e
flavonóides, que têm acção biológica. Já as nêsperas têm cerca
de 90% de água, 5 a 9% de açúcares e cerca de um por cento de
ácidos orgânicos, sendo o ácido málico dominante. A sua cor
amarela é devida a dois tipos de carotenóides particulares.
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Quanto às grevílias, têm também
histórias químicas para contar. Nas folhas desta árvore, existem
compostos que fazem guerra química eficaz às plantas que as
rodeiam, sendo por isso estudados para o desenvolvimento de novos
pesticidas. Dependendo da quantidade disponível destes compostos nas
folhas, forma de os extrair e necessidade, ou não, de modificações
químicas para melhorar a sua aplicação ou aumentar a sua potência,
um novo pesticida, obtido partir de um composto
lead não
poderá ser desenvolvido sem a participação da química em várias
fases, podendo inclusive esse
lead servir apenas de inspiração
a compostos sintéticos ou artificiais não obtidos da planta.
[versão preliminar de 28 de Maio de 2014]