[Desloquei-me a Grenoble, durante um fim de semana, e com base no que vi e li, assim como nas fotografias e reflexões que fiz, escrevo o seguinte passeio]
Grenoble é uma cidade pequena e bonita, na base dos Alpes, com cerca de 160 mil habitantes, sendo que tem 60 mil estudantes e só um terço dos habitantes são da cidade. Tinha alguma curiosidade sobre que traços teria deixado na cidade François-Marie Raoult (1830-1901), autor da famosa lei que relaciona a pressão do vapor das soluções com a composição e a pressão do vapor do solvente puro, e que foi professor nesta cidade, onde também morreu. Quase nenhuns no espaço público, segundo percebi, para além do nome de uma rua. Mas não é o único químico da cidade a dar o nome a ruas.
Há três nomes de químicos que dão nome a ruas: além de Raoult, Louis-Joseph Vicat (1786-1861) e Albert Recoura (1862-1945), genro de Raoult, com quem fez alguns trabalhos. Embora a cidade seja relativamente pequena, não procurei as ruas. Obtive esta informação na página online do Museu Stendhal (Henri-Marie Beyle, conhecido como Stendhal (1783-1842), era natural de Grenoble). Curiosamente, este museu que tem muitas atividades na cidade mas quase não é visível fisicamente, estando num andar e tendo de se tocar à campainha para abrirem a porta. Mas faz sentido pois trata-se de um apartamento, conhecido com o do “Docteur Gagnon”, avô de Stendhal. Um vez lá dentro (foram muito simpáticos comigo, mas eu tive pouco tempo para visitar pois cheguei a dez minuto do seu fecho) podemos ver várias coisas interessantes, inclusive a reconstituição da sua sala de História Natural.Em 1818, Vicat fez estudos detalhados sobre a queima de vários tipos de rochas calcárias e das temperaturas ótimas para obter cimento de “presa” rápida, mas não patenteou a invenção. Isso foi feito, usando uma boa parte dos resultados de Vicat, em 1824, por Joseph Aspdin, que usou rochas diferentes, ficando o seu material conhecido pelo “cimento de Portland”. Vicat, com a escassez de rochas nobres, inventou um cimento que permitia moldar e obter ornamentos de forma muito mais económica. No número 6 da rua Félix-Poulenc, que foi a sede de uma empresa de cimentos, podem encontrar-se exemplos da utilização desse material na moldagem de imagens de elefantes. O edifício tem agora gabinetes médicos, tendo ao lado cadeias de lojas internacionais bem conhecidas. Recoura, além dos desenvolvimentos da lei de Rauolt, trabalhando com o sogro, é um nome relevante da química dos complexos. Substituiu Solvey na Academia das Ciências (que tem um número fixo de 150 membros e como se diz, em tom de brincadeira, 149 membros e um “morto” rotativo). Curiosamente, foi criada uma exceção para Antoine Lavoisier, que entrou como membro adicional. Recoura, segundo li num obituário, foi um digno sucessor de Raoult, embora não tão famoso, dir-se-ia (mas quem conhece também Raoult?). Em qualquer dos casos, encontrei várias citações ao seus trabalhos realizados no início do século XX. Pode pensar-se que não tem nada a ver com Química, mas Xavier Jouvin (1801-1844), outro notável empreendedor da cidade. Luveiro e inventor da ideia de calibre (no caso das luvas, o seu tamanho estandardizado), foi médico de formação e, devemos notar que o tratamento do couros tem muita Química envolvida.Há muita indústria nos arredores da cidade, assim como nos arredores de Lyon, de que falarei mais tarde, mas não tive tempo de explorar esse caminho. “Uma cidade de engenheiros, dizem os admiradores de Grenoble, assim como os seus detratores”, dizia-se num livro que li.
À chegada a Grenoble, foi impossível não reparar nas cúpulas e instalação circular, com cerca de novecentos de diâmetro das instalações do sincrotrão europeu que envolve cerca de vinte países e cerca de nove mil investigadores. Também não tive tempo de explorar esse aspeto nem para andar no famoso teleférico que aparece em algumas das fotografias que partilhei neste texto.Sendo uma cidade estudantil, tem obviamente muito animação, em particular junto ao rio. Mas no dia seguinte está tudo limpo (algo que não se vê em Coimbra). Na margem direita (na imagem) podem encontra-se colunas com "casas de banho" para homens (não representadas), algo que já não via há muito tempo, mas que havia em Coimbra quando aqui cheguei.
Os jogos olímpicos de inverno foram realizados na cidade em 1968. Há um bairro designado a Ilha Verde, onde são bem visíveis três torres de apartamentos, construídos nos anos 1960 em boa parte para alojar os participantes, rodeadas de muito verde e que é muito interessante. Hoje já não se pratica este tipo de arquitetura nas cidades, inspirado nas ideias de Le Corbusier. Os prédios são muito altos (cerca de trinta andares) e elegantes. De longe parecem ter paredes de betão à vista, mas mais perto vemos que são cobertos de “pastilha” que é uma espécie de azulejo minúsculo. Na cidade reparei na existência de muitas árvores de Gingko biloba, em particular num pequeno parque. Trata-se de uma árvores dióica (ou seja com machos e fêmeas separados) e cujas fêmeas dão uma amêndoas cuja parte exterior ao apodrecer tem cheiros bastante desagradáveis de vomitado de ácido butanóico. Em Coimbra não há fêmeas (o único exemplar que existia era junto ao Teatro Gil Vicente). Em Grenoble havia muitas fêmeas e amêndoas estavam a ficam maduras, mas ainda não se notava o cheiro. Disse-me um botânico que plantar só machos não é suficiente para resolver o “problema” pois estas árvores podem mudar de sexo!Annecy é lindíssima, sendo conhecida como a “Veneza dos Alpes”. Acho que é muito mais do que isso pois tem a sua própria individualidade. Num jardim podemos encontrar em destaque a estátua do químico Claude Louis Berthollet (1748-1822) que nasceu aqui perto. Este fez importantes contribuições para a química, descobrindo as propriedades descolorantes do cloro e e inventado a "lixívia". Foi diretor dos Gobelins, uma importante fábrica de tapeçarias de Paris e envolveu-se com Proust (autor da lei das proporções definidas) numa importante discussão para a Química. Numa altura em que os conceitos de misturas e moléculas eram por vezes ainda mal definidos, defendeu o contrário desta lei que se verificou ser verdadeira para moléculas. Embora já nos tivesse chamado a atenção em Grenoble, no rio Isère e na fonte dos Dauphins, foi aqui que a questão da cor das águas nos chamou mais a atenção: azuis claras e turvas (mas uma turbação bonita) de cor turquesa com tons de branco por vezes, verdes e transparentes, muitas vezes. Do que li, isso tem a ver com os sedimentos solúveis dos calcários da região e com a presença de microalgas.Ficámos instalados em Grenoble na Praça de Notre-Dame perto da igreja e da Fontaine des Trois Ordres. Essa fonte intrigou-me pois as figuras verdes, que supostamente seriam de bronze, pareciam pintadas.
Inicialmente pensei serem de calcário pintado, mas ao entrar dentro da fonte (estava seca), verifiquei serem metálicas, mas confirmei também que eram pintadas. Eu estava certo na hipótese de que foram fundidas durante a Segunda Guerra Mundial (durante a guerra milhares de estátuas em França foram fundidas). Mas, li depois que foram reinstaladas em 1957. A minha hipótese é que tenha sido usado ferro fundido pintado que é muito mais barato do que o bronze que como se sabe é feito de uma liga de cobre e estanho.A elegante fonte dos Dauphins, na praça Grennete, é também interessante por evocar a memória do abastecimento de água a Grenoble, diz o guia. Neste, refere-se que, a partir de 1880, passaram a obter a água potável extraída a trinta metros do fundo do rio Drac e que esta água filtrada era tão boa que não precisava de tratamento o que é raríssimo em grandes aglomerados, não sendo necessária água engarrafada. Nesse aspeto, o abastecimento de água é muito parecido com o de Coimbra, mas sabemos que as águas canalizadas devem ser tratadas com uma pequena quantidade de cloro para que, ao longo da rede, esta não possam ficar contaminadas. Mas isso é muito bom pois assim garante-se a segurança, coisa que não se podia fazer no século XIX. No caso das águas engarrafadas, não pode haver qualquer tratamento, sendo esta água recolhida das nascentes e sendo verificada regularmente a sua pureza bacteriológica. Lyon é uma cidade muito maior do que Grenoble (é a terceira cidade de França em tamanho), mas passámos lá pouco tempo. Planeava comprar um livro da mesma coleção dos passeios geológicos, mas era domingo e não encontrei nenhuma grande livraria aberta (a única que encontrei era muito dedicada a aspetos ambientais). Encontrei, no entanto, sobre o assunto um passeio audio, um folheto e algumas páginas da Internet. Na velha Lyon, é imperdível a catedral de Saint-Jean, em frente da qual fica a mais antiga praça da cidade. Agora cheia de turistas e vendedores de objetos de porcelana, continua a ser muito bonita. Intrigou-me as esculturas finas na entrada que eram de uma rocha dourada que parecia ser uma dolomia (com carbono e magnésio), mas todos os guias referiam que a fachada da catedral era de calcário (só com carbono). Ora a minha geologia é falível e estes guias estavam certos com certeza. Mas olhando com mais atenção as fotografias parece que vemos claramente haver duas cores. A maioria da fachada é feita de calcário de Lucenay, mas os arcos esculpidos das portas que parecem mais amarelos e de cor dourada podendo bem ser feitos de calcário dourado de Couzon, o qual é desta cor devido aos óxidos de ferro que têm. Lendo com atenção o guia (que não tenho) poderei confirmar, mas pareceu-me uma hipótese razoável. Nesta catedral pode também ver-se um calendário astronómico geral de grandes dimensões, assim como vitrais e outros aspetos lindíssimos. Subimos no funicular até à Basílica de Notre-Dame de Fourviére. Trata-se de uma igreja construída no século XIX, no local onde se ergueu outra mais antiga. Trata-se de um templo muito bonito onde foram usados os mais variados materiais e apresentado as mais ricas obras de arte. São especialmente interessantes o uso de folha de ouro de de rochas com diferentes cores. Também não tivemos tempo de ir ao seu museu de Belas Artes que é um dos mais interessantes do país e de passar nos mais emblemáticos traboules (passagens “secretas” entre edifícios). Fomos no entanto ao bairro de Croix-Rousse ver interessante mural de grandes dimensões dos Canuts. No caminho, passámos num jardim que tinha o nome de Rachel Carson, o que achei bastante curioso. Numa reflexão rápida que fiz mas que ainda me acompanha, pensado nesse jardim e nos livros que vi e comprei na livraria que referi acima, cada vez vez mais parecemos ter uma atitude perante o mundo que não parece sustentável mas que refere a sustentabilidade de forma intransigente. A frugalidade, a recusa do desperdício, a eficiência energética e a diversidade democrática (que dão título a pequenos livro que comprei) serão sempre boas, mas a recusa (que diria ser irracional) de muitas coisas acho que não.Lyon e Grenoble merecem visitas mais demoradas. Fica para próxima.
Referências
M. Andrieux. Albert Recoura (1862-1945). Annales de l’Université de Grenoble 21,1945, 27-30
R. H. Bogue. Portland Cement and the “Plastic” Concrete. Journal of Chemical Education 19, 1942, 36-42.
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Jacques Bouffette, Jérôme Nomade, Emmanuel Robert. Promenade géologique à Grenoble. Biotope Éditions, 2015.
Audrey Colonel. De l’inventeur héroïque aux innovations collectives : la ganterie grenobloise en quête perpétuelle du progrès (1830-1930). Technologie et innovation 7, 2022, 17p.
DOI : 10.21494/ISTE.OP.2021.0766
Philippe Gonnet. Grenoble – Déplacer les montagnes. Nevicata, 2019.
izi.Travel. Promenade géologique dans les rues du Vieux Lyon. Disponível em: https://izi.travel/fr/4868-promenade-geologique-dans-les-rues-du-vieux-lyon/fr (acedido 20 de setembro de 2025)
Yves-François Le Lay. Lyon, cité d’or? 2014. Acessível aqui: https://perso.ens-lyon.fr/yves-francois.le-lay/?p=612 (acedido 20 de setembro de 2025)
P.-E.B. Pourquoi l’eau du lac du Bourget est de nouveau turquoise, 2021. Acessível aqui: https://www.ledauphine.com/environnement/2021/06/18/pourquoi-l-eau-du-lac-du-bourget-est-de-nouveau-turquoise (acedido 20 de setembro de 2025)