(PQ-CC) Ao encontro da chuva e do cheiro a terra molhada

Agora que chegou o Outono e vão começar as primeiras chuvas, vai também chegar o característico e intenso cheiro a terra molhada. Não tenhamos receio da chuva e do vento e vamos sair para a rua ao encontra da química da chuva e da terra molhada.

É muito interessante que, no caso da terra molhada, podemos associar o cheiro a uma molécula em particular. De facto, o cheiro a terra molhada é essencialmente devido a uma molécula, a geosmina [1], que é produzida por algumas bactérias, em particular as Streptomyces, que começam a desenvolver-se intensamente mal chove.

Obviamente, os odores característicos dos solos e da natureza têm origens complexas. É, de resto, devido a essa complexidade que podemos identificar locais diferentes pelo odor e por vezes associá-los a diferentes composições do solo e à presença de certos tipos de plantas, fungos, passagem de animais, etc. O cheiro a terra molhada é um odor súbito e característico, que em determinadas condições, em especial nas primeiras chuvas, se adiciona e sobrepõe a todos esses cheiros.

A água da chuva, contrariamente a algum senso-comum ou ingenuidade científica, não é água pura. É até bastante impura pois contém sais dissolvidos, nomeadamente os iões sódio, Na+, magnésio, Mg2+, potássio, K+, cálcio, Ca2+, amónio, NH4+, cloreto, Cl-, sulfato, SO42-, nitrato, NO3-, entre outros. Estes sais têm origens diversas, desde os aerossóis marítimos (Na+, Mg2+, K+, Ca2+, Cl-, etc) aos desperdícios de origem animal e fertilizantes (NH4+ com origem no NH3) aos combustíveis fósseis (SO42- com origem no SO2) [2].

Mas de onde vem a chuva? Comecemos com a humidade relativa. De forma simples, a humidade relativa é a percentagem de vapor de água que existe no ar em relação ao máximo que poderia existir. Esse máximo só depende da temperatura e não dos outros gases da atmosfera e é maior a temperaturas mais altas e menor a temperaturas mais baixas. Daí que os aquecedores pareçam secar o ar e que, junto às janelas ou zonas mais frias das casas, haja condensação de água. É de referir que nós, que estamos em equilíbrio com o ambiente que nos rodeia, somos mais sensíveis ao valor relativo da humidade que ao valor absoluto.

Quando se ultrapassa o valor máximo da humidade relativa pode ocorrer condensação do vapor de água presente na atmosfera. Nós não vemos o vapor de água; o que por vezes se chama vapor é já um aerossol, ou seja uma nuvem de gotículas de água. Na atmosfera as nuvens vão-se formando, podendo inclusive ter gelo, mas a chuva não vem de imediato. As gotículas podem não se juntar de forma espontânea para formar as gotas de chuva. De facto, a presença de sais e poeiras tanto pode conduzir à agregação das gotículas como à estabilização do sistema (um exemplo são as nuvens de que não resulta chuva). Os processos físicos e químicos de produção de chuva artificial baseiam-se na desestabilização do sistema para se obter, primeiro as nuvens de gotículas, e depois as gotas de chuva.

Há que dizer que o formato das gotas de chuva é esférico ou achatado, ou seja que as gotas não têm bicos na parte de cima como é por vezes representado, não só pelas crianças. As gotas são esféricas devido ao efeito da tensão superficial; a esfera é a geometria que minimiza a relação área/volume da gota.

[1] Simon Cotton, Geosmin: The smell of the countryside, http://www.chm.bris.ac.uk/motm/geosmin/geosminh.htm (acedido 27 de Setembro de 2010) É bastante curioso que esta molécula esteja também associada ao cheiro a lodo na água e nos peixes, mas seja de importância fundamental para os camelos descobrirem água.

[2] F. André et al., Atmospheric Environment 41 (2007) 1426-1437.

[versão de 27 de Setembro de 2010; com alterações de 2 de Novembro de 2010]

(PQ-Misc) Química de um passeio à beira mar

Na areia da praia, junto ao mar deixemos-nos levar pela química que nos rodeia. E não me refiro, claro, aos plásticos e pedaços de alcatrão atirados pelo mar (felizmente cada vez mais raros) provenientes de despejos de lixo e derrames de petróleo. Há alguma química nisso, mas não a que nos interessa para este passeio. Comecemos por olhar a areia com mais atenção: é essencialmente sílica, SiO2, sendo as cores amarelas e castanhas devidas aos óxidos de ferro (III). E já que falamos de cores, são também interessantes as da areia molhada e seca e da espuma das ondas. Trata-se em ambos os casos de efeitos de difusão da luz. No caso da espuma trata-se da difusão múltipla de todos os comprimentos de onda da luz que resulta na cor branca tal como acontece com o leite, a espuma da cerveja, as natas e outros materiais coloidais. Também a diferença de cor entre a areia molhada e seca está relacionada com a difusão múltipla da luz. Quando há água em vez de ar entre os grãos de areia, a luz é difundida preferencialmente no sentido da sua incidência originando uma grande atenuação da luz que é difundida para o exterior da areia. Já a areia grossa parece mais escura por a luz ter maior probabilidade de ser absorvida (logo atenuada) durante o processo de difusão pelos grãos de areia. Fazer castelos de areia é uma poderosa aplicação do que os químicos chamam pontes ou ligações de hidrogénio [1]: as forças de atracção entre as moléculas de água e a sílica mantêm os grãos de areia molhada unidos na forma que lhes damos. É de referir que são também estas forças que fazem com que a água seja líquida à temperatura ambiente, quando por analogia com moléculas idênticas esta deveria ser gasosa. Contrariamente ao que é por vezes dito de forma pouco correcta, a água do mar não contêm apenas cloreto de sódio. Tem também iões magnésio, potássio, cálcio, brometo, sulfureto, entre outros, sendo certo que a soma das cargas negativas de todos estes iões é rigorosamente igual à soma das cargas positivas. Todos estes iões tornam a água do mar mais densa, sendo por isso mais fácil flutuar nesta. São também estes sais que fazem com que a água do mar não sirva para matar a sede. Como esta tem uma percentagem de sais de cerca de 3.5%, enquanto os nossos fluidos corporais têm uma percentagem de cerca de 0.9%, beber água do mar só aumentaria a concentração de sais no sangue, o que, devido à pressão osmótica, diminuiria ainda mais a quantidade de água nas células, causando grandes problemas. Também, em termos químicos, a questão da corrosão nas zonas junto ao mar é importante. Em regiões marítimas formam-se aerossóis que contêm muitos sais hidratados, em particular sais de cloretos. Estes cloretos, assim como a humidade elevada, ajudam a solubilizar e remover os iões de ferro que resultam da oxidação deste metal, acelerando muito o processo de corrosão. E de onde vem o característico cheiro a maresia? Algumas pessoas pensam logo nos peixes ou nos animais marinhos, assim como nas plantas marítimas, ou compostos de cloro. O curioso é que todas estas coisas parecem contribuir para o cheiro a mar, o qual pode resultar de composto de enxofre (em particular o sulfureto de dimetilo, CH3)2S) proveniente da actividade dos microorganismos, de vários compostos de carbono e hidrogénio produzidos pelas algas e animais marinhos, feromonas (moléculas que servem de atractivo sexual) como os dictiopterenos representados aqui ao lado [2], mas também os compostos de cloro, bromo e iodo poderão contribuir para o cheiro a maresia. Neste passeio poderemos também olhar com mais atenção para os protectores solares e discutir quais as melhores roupas para proteger da radiação solar. E talvez ainda haja tempo para um gelado. Em tudo isto há química. [1] Peter Borrows, Education in Chemistry, Maio de 1998, p.63. [2] Dictyopterene: artigo da Wikipedia (acedido 28 de Setembro de 2010) [versão de 27 de Setembro de 2010; com alterações de 28 de Setembro de 2010]

[automatic translation verified]

Chemistry of a walk by the sea
On the sand of the beach, by the sea, let us be carried away by the chemistry that surrounds us. And I'm not referring, of course, to the plastics and pieces of tar tossed over the sea (thankfully increasingly rare) from garbage dumps and oil spills. There's some chemistry in that, but not what interests us for this tour.

Let's start by taking a closer look at the sand: it is essentially silica, SiO2, with yellow and brown colors due to iron(III) oxides. And since we are talking about colors, the wet and dry sand and foam of the waves are also interesting. In both cases, it is a question of light scattering effects. In the case of froth, it is the multiple scattering of all wavelengths of light that results in the white color as happens with milk, beer foam, cream, and other colloidal materials. Also, the color difference between wet and dry sand is related to the multiple scattering of light. When there is water instead of air between the sand grains, the light is preferentially diffused in the direction of its incidence, causing a great attenuation of the light that is diffused towards the outside of the sand. Coarse sand, on the other hand, appears darker because the light is more likely to be absorbed (thus attenuated) during the process of diffusion by the sand grains.

Making sandcastles is a powerful application of what chemists call hydrogen bonds or bridges [1]: the attractive forces between water molecules and silica hold the wet sand grains together in the shape we give them. It should be noted that these forces are also what make water liquid at room temperature when by analogy with identical molecules it should be gaseous.

Contrary to what is sometimes incorrectly said, seawater does not only contain sodium chloride. It also has magnesium, potassium, calcium, bromide, sulfide ions, among others, being certain that the sum of the negative charges of all these ions is strictly equal to the sum of the positive charges. All these ions make the seawater denser, so it is easier to float in it. It is also these salts that make the seawater useless to quench thirst. As this has a salt percentage of about 3.5%, while our body fluids have a percentage of about 0.9%, drinking seawater would only increase the concentration of salts in the blood, which, due to the osmotic pressure, would further decrease. more the amount of water in the cells, causing big problems.

Also, in chemical terms, the issue of corrosion in areas close to the sea is important. In maritime regions, aerosols are formed which contain many hydrated salts, in particular chloride salts. These chlorides, as well as high humidity, help to solubilize and remove iron ions that result from the oxidation of this metal, greatly accelerating the corrosion process.

And where does the characteristic smell of the sea come from? Some people immediately think of fish or marine animals, as well as marine plants, or chlorine compounds. Interestingly, all these things seem to contribute to the smell of the sea, which can result from sulfur compounds (in particular dimethylsulfide, (CH3)2S from the activity of microorganisms, from various carbon and hydrogen compounds produced by algae and marine animals, pheromones (molecules that serve as a sexual attractant) such as the Dictyopterenes represented here on the side [2], but also chlorine, bromine, and iodine compounds may contribute to the smell of salt air.

On this trail, we will also be able to take a closer look at sunscreens and discuss the best clothes to protect against solar radiation. And maybe there's still time for ice cream. In all this there is chemistry.