Em busca de ouro

Texto com passeios químicos que apareceu no Diário de Coimbra de 12 de Abril de 2011, dia em que chegou mais uma vez o FMI a Portugal. Foi uma coincidência...

O ouro é um metal maleável cuja cor e brilho só são explicados através da conjugação da mecânica quântica e da teoria da relatividade. Trata-se de um elemento químico muito pouco reactivo e resistente aos ácidos, só se dissolvendo numa mistura de ácido nítrico e clorídrico conhecida como água régia. Pode, no entanto, formar uma amálgama com o mercúrio e ser separado por destilação, um processo ainda usado, com custos ambientais e sanitários, por mineiros. Dissolve-se ainda em soluções alcalinas de cianeto (uma operação também perigosa), das quais pode ser recuperado por adição de zinco.

É um material muito denso: à temperatura ambiente um decímetro cúbico de ouro tem de massa 19,3 kg enquanto a mesma quantidade de chumbo ou de prata tem 13,6 kg ou 10,5 kg, respectivamente. Segundo a tradição, Arquimedes verificou se um coroa era de ouro puro através da sua densidade, mas a novidade foi a medição do volume pois o teste da densidade era já bem conhecido. Nos textos bíblicos é referido o teste do fogo e tem mais de 2500 anos o primeiro método colorimétrico conhecido, no qual, o ouro, esfregado numa pedra de toque, é tratado com ácidos e a cor observada comparada com padrões.

O ouro do Brasil circulou em Portugal e acabou quase todo nos negociantes da Holanda. De facto, como analisou Montesquieu, o que faz a riqueza duradoira das nações não são os recursos naturais mas as pessoas e as suas realizações. Deixando de lado as considerações metafóricas que nos levariam ao ouro vivo que são as pessoas, há locais facilmente acessíveis onde podemos encontrar ouro, para além das ourivesarias, museus e lojas de compra de ouro usado. Por exemplo, a talha dourada das igrejas é feita com finíssimas folhas de ouro. E o vermelho intenso dos vitrais posteriores ao século XVII foi provavelmente obtido com cloreto de ouro. Também nos locais de recolha de material electrónico usado existe ouro (em quantidades diminutas), pois este metal é usado em ligações eléctricas. Assim, a reciclagem generalizada destes equipamentos, além de ter vantagens ambientais, acaba por ser uma forma de minerar este metal. Vários outros objectos que podemos ver nas ruas têm ouro, por exemplo pinturas e metalizados dourados. Finalmente, não devemos esquecer as várias aplicações médicas do ouro.

Um dos objectivos da alquimia era obter a Pedra Filosofal, um material ou tintura que, segundo a crença popular, poderia transmutar outros metais em ouro, mas, mais do que a procura de bens materiais, a alquimia buscava o conhecimento. As paredes cobertas de livros e talha dourada da Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra parecem dizer-nos que o saber é provavelmente a maior e a mais duradoira riqueza e que a ciência e a tecnologia valem talvez mais do que ouro. No entanto, tal como na história da galinha dos ovos de ouro recontada por Isaac Asimov, o conhecimento dos mecanismos (fantásticos) da produção destes ovos pode não chegar para impedir que a galinha acabe da mesma forma que a da versão tradicional: a ser morta pela ganância.

O cérebro todos os dias

Texto com passeios químicos que apareceu no Diário de Coimbra de 15 de Março de 2011, durante internacional do cérebro

Na semana do cérebro proponho um passeio com a química cerebral em mente. No funcionamento deste órgão estão envolvidas muitas moléculas. A glicose é o seu principal combustível e os seus mais importantes reguladores são o glutamato, activador das células cerebrais, e o GABA (ácido gama-aminobutírico) que tem o efeito contrário.

A atenção, emoções e memórias envolvidas nas acções de conduzir um carro, ver um jogo de futebol, namorar no parque, sair à noite com os amigos ou estudar resultam de mecanismos químicos complexos que vão ocorrendo sem que o notemos. Mas numa situação que pareça de risco, a norepinefrina e a epinefrina (adrenalina) são rapidamente produzidas, estimulando as partes do cérebro onde a atenção e a acção são controladas, aumentando o ritmo cardíaco e o fluxo de sangue para os músculos.

Paremos o carro e vamos tomar um café. A cafeína entra rapidamente no cérebro e aumenta ligeiramente o fluxo sanguíneo cerebral. Interfere também com os receptores da adenosina, aumentando o estado de alerta mas, em quantidades moderadas, a cafeína não impede o sono. Este alcalóide interfere ainda com os receptores da dopamina, o que ajuda a explicar o prazer de tomar café, mas não parece ser viciante. A adenosina tem um papel importante em lembrar que está na hora de dormir, mas acredita-se que há vários mecanismos cerebrais responsáveis pelo sono. Um estudo comparado da condução sob efeito do álcool e sem descansar, concluiu que mais de dezassete horas sem dormir é equivalente ao limite legal de álcool no sangue. O etanol interfere com o GABA e o glutamato modificando o nível geral de activação dos circuitos nervosos. Por isso, se já é perigoso beber em excesso, muito pior é beber quando se estão a tomar medicamentos como as benzodiazepinas.

Estamos agora namorar no parque. A norepinefrina e a feniletilamina (molécula que existe naturalmente no chocolate) estão relacionadas com a atracção e a dopamina, a prolactina e a serotonina controlam em parte a excitação e o prazer com o apoio do monóxido de azoto. A serotonina está associada à depressão e aos mecanismos do vício. Parece até que os baixos níveis de serotonina dos apaixonados os aproxima dos doentes e viciados. Mas com o tempo a exaltação vai dando lugar à estabilidade, na qual a oxitocina tem um papel importante. Esta hormona, que induz o trabalho de parto nas grávidas, é também libertada durante o orgasmo. E a vasopressina, uma hormona que participa no controlo da retenção de água e formação das memórias, parece estar ligada à fidelidade. Na paixão, a norepinefrina exalata-nos, a serotonina prende-nos e a dopamina diz-nos que devemos ficar felizes com isso. Finalmente, a festa acalma com a oxitocina e a vasopressina e nada disto tira poesia ao amor.

Conhecer os mecanismos bioquímicos, muitas vezes redundantes e adaptáveis, de funcionamento do cérebro é importante para se obter, longe de quaisquer considerações morais, uma perspectiva científica do seu funcionamento saudável e permite desenvolver fármacos mais específicos e seguros para curar as doenças que o afectam.

Ao encontro das mulheres na ciência

Texto com passeios químicos que apareceu no Diário de Coimbra de 8 de Março de 2011, dia da Mulher

O ano Internacional da Química assinala 100 anos da atribuição do Nobel da Química a Maria Sklodowska Curie celebrando também a contribuição das mulheres para a ciência. É notável que Mme. Curie tenha recebido este prémio após ter recebido o Nobel da Física em 1903 e que a sua filha, Irene Joliot-Curie, tenha sido premiada com o Nobel da Química em 1935, todos devidos a trabalhos sobre a radioactividade. Ao tempo, o participação da mulher na ciência era muito mais difícil do que actualmente. Branca Edmée Marques doutorou-se em 1935 no Instituto do Rádio de Mme. Curie, e realizou importantes trabalhos de radioquímica. No entanto, só em 1966 teve um lugar de catedrática na Faculdade de Ciências de Lisboa, sendo a primeira mulher a obter essa posição na área das ciências em Portugal. A presença segura da radioactividade e da radioquímica no nosso dia-a-dia, por exemplo nos detectores de fumo e tratamentos médicos, muito deve as estas mulheres determinadas.

Não tem havido, infelizmente, muitos mais prémios Nobel da Química para mulheres. Dorothy Crowfoot Hodgkin, que determinou as estruturas químicas da penicilina e insulina, recebeu este prémio em 1964 e Ada Yonath recebeu-o em 2009 por trabalhos sobre os ribossomas.

No passado remoto podemos encontrar mulheres ligadas à química. Maria a Judia, por exemplo, terá inventado o banho-maria. A francesa Marie Meurdrac, que publicou em 1666 “La Chymie charitable et facile, en faveur des dames,” é considerada a primeira autora química, mas há mulheres notáveis cujo nome não ficou impresso; Por exemplo, Marie Anne Paulze, mulher de Lavoisier, teve um papel importante nos trabalhos deste.

Em Portugal, em 1891, o analfabetismo feminino era cerca de 85%. Nesse ano, Domitilla Hormizinda Miranda de Carvalho é a primeira mulher a frequentar a universidade em Portugal, e, das primeiras cadeiras que faz, contam-se química inorgânica e orgânica. Irá formar-se em Matemática e Filosofia (Ciências), e, mais tarde, em Medicina. Em 1917, já com algumas mulheres na universidade, Maria Virgínia Pestana e Maria Teresa Basto inscrevem-se em ciências Físico-Químicas. Com duas colegas de Letras, fundam em 1920 a primeira república feminina nos Palácios Confusos. A Senhora Dona Virgínia, como era conhecida na cidade, foi professora do D. Maria até jubilar aos 75 anos, tendo falecido em Agosto de 2010 com 111 anos.

Um lugar especial é devido às mulheres com inventos na área da química. A patente da Universidade de Coimbra, desenvolvida no Departamento de Química por Mariette Pereira e colaboradores, sobre um fármaco para utilização em terapia fotodinâmica, que recebeu recentemente o prémio Inventa, é um exemplo actual. No passado podemos encontrar contribuições como a da nobre indiana que desenvolveu o método de extracção do perfume das rosas ainda hoje usado ou a de Mine Lefebvre que patenteou em 1859 um processo para produção artificial de nitratos a partir de azoto. Uma perfumaria, ou os azulejos antigos com publicidade aos “Nitratos do Chile” evocam recordações destas mulheres inventivas.

Actualmente, com um sistema de ensino generalizado e uma maior percentagem de mulheres, em relação aos homens, nas universidades, surgem novas questões sobre a participação da mulher na ciência. Lembrar o passado pode ajudar a compreender o presente e preparar um futuro melhor, também com a química.

um convite para sair e festejar

Texto com passeios químicos que apareceu no Diário de Coimbra de 22 de Fevereiro de 2011. Pode não haver outros motivos para festejar, mas a química torna a nossa vida muito melhor

O Ano Internacional da Química celebra em 2011 as realizações desta ciência ao serviço do bem-estar da humanidade. Para o festejar, proponho alguns passeios ao encontro da química que existe fora dos laboratórios e salas de aula.

Em Coimbra há muitos lugares que evocam a química. Desde os modernos centros de investigação e ensino aos edifícios históricos e nomes de ruas. O Laboratório Chimico, no qual está actualmente instalado o Museu de Ciência da Universidade de Coimbra, foi o primeiro edifício do mundo construído de raiz para o ensino e a investigação da química. Junto ao Jardim Botânico, a Rua Vandelli contorna o Jardim Escola João de Deus e recorda Domingos Vandelli (1739-1816), primeiro professor de História Natural e Química da Universidade de Coimbra após a reforma pombalina, que entre outras muitas outras coisas, esteve envolvido na actividade empresarial de produção de loiças e porcelanas. A Rua Tomé Rodrigues Sobral (1759-1829) acompanha a antiga linha de comboio da Lousã na Solum e lembra o professor de Química, natural de Moncorvo, que organizou a produção de pólvora durante a resistência às invasões francesas e desenvolveu desinfectantes de cloro para combater um surto de peste em Agosto de 1809. A Rua Costa Simões liga a rotunda dos HUC à circular interna. Na placa é referido que António Augusto Costa Simões (1819-1903) foi presidente da câmara de Coimbra. De facto, este professor de Medicina, natural da Mealhada, durante os dois anos em que presidiu à câmara, pôs em funcionamento o abastecimento de água canalizada para a cidade. E, de entre as muitas actividades que desenvolveu, desde criador de uma escola de enfermagem a reitor da Universidade, foi um divulgador e pioneiro na utilização da química forense. José Bonifácio de Andrade e Silva (1763-1838), natural de Santos no Brasil, professor de Metalurgia que teve alguma actividade científica na área da química em paralelo com a sua actividade política, dá nome à avenida nova que liga a Guarda Inglesa a Santa Clara. Há ainda a referir uma rua que evoca o professor de Química e reitor da Universidade de Coimbra, António Jorge Andrade de Gouveia (1905-2002).

Vimos nomes de ruas que recordam cientistas que cultivaram a química ao serviço da sociedade, mas nem só nomes de pessoas evocam a química. Há nomes como a Casa do Sal, ou referências a artes e indústrias desaparecidas que têm histórias de química para contar e há surpresas em nomes como o da Rua da Feitoria dos Linhos. E nem todos as coisas que evocam a química têm de ter um local definido. Podemos sair para a rua e encontrar química nos cheiros e sabores na cidade e no campo, na natureza e nas tecnologias e actividades humanas. Dar com histórias curiosas sobre o desenvolvimento de produtos farmacêuticos ou agroquímicos. Encontrar química nos equipamentos urbanos, sinais de trânsito, pavimentos das ruas, ar condicionado, meios de transporte e, na realidade, em tudo o que nos rodeia.