Notas para um passeio químico na cidade do Porto (III)

A propósito da comunicação que vou fazer no SciCom 2014, apresento aqui, ao correr da pena, mais algumas notas para um passeio químico na cidade do Porto para completar as notas anteriores I e II (fotografias a actualizar mais tarde).
 

Antiga fábrica Ach. Brito (Fotografia Teo Dias)
 A cidade do Porto sempre teve muitas indústrias, em particular aquelas que têm relações com a química. Mas como é natural, a maior parte foi-se deslocando para fora da cidade, deixando os seus espaços ligados a empreendimentos imobiliários, outras foram-se tornando obsoletas e outras ainda acabaram por desaparecer por razões particulares. No primeiro caso, estão as fábricas de cervejas e refinarias de açúcar já referidas anteriormente. No segundo estão as indústrias de curtumes e fundições e cerâmicas tradicionais. No último caso temos por exemplo a Companhia Aurífica que ocupava todo um quarteirão e tem um interesse arqueológico industrial muito relevante. Muitos outros casos haverá, mas não sendo eu do Porto, só posso indicar os poucos que fui notando.

A evolução da indústria de cosméticos Ach. Brito é muito interessante e reflete muito do que foi Portugal e dos seus hábitos de higiene durante o final do século XIX até meados do século XX. A história é contada aqui com base no livro de comemoração das bodas de ouro da Fábrica Claus & Ach. Brito.  

Criada em 1887 por Ferdinand Claus e Georges Schweder, que era químico, surgiu no Porto a primeira indústria de perfumaria e sabonetes de Portugal na Rua de São Denis, junto ao antigo matadouro. Como a desconfiança em relação à indústria portuguesa era enorme, os dois sócios fingiam importar os sabonetes da Alemanha, tendo o logro sido descoberto passados algum tempo, quando uma caixa de sabonetes caída mostrou a real proveniência destes. A partir de 1891 na Rua de Serpa Pinto, local onde hoje, se não me enganei, existe um prédio urbano (em 2010 ainda em construção), a fábrica Claus tinha já equipamento moderno. Com a Primeira Guerra Mundial a fábrica é leiloada e, mais tarde, em 1925, comprada pela família Achilles Brito que, entretanto havia aberto em 1918 uma fábrica na Avenida de França, com uma larga parte acompanhando a Rua D. António Barroso. Agora transformada numa urbanização, ainda lá se encontram as bonitas fachadas e uma chaminé. A companhia Ach. Brito, que produz sabonetes que ainda fazem sonhar as estrelas, mudou-se para Vila do Conde e é um caso de sucesso que em muito deverá ser devido à química dos cosméticos e à inovação a par da tradição.
Fábrica dos chumbinhos (fotografia Museu da Indústria)

Uma indústria curiosa que se instalou na zona histórica do Porto, na Rua de São Francisco, de 1880 até aos final dos anos 1960 e que foi única no país foi a denominada “fábrica dos chumbinhos” que produzia os chumbinhos através de um processo que combinava física e química: o chumbo fundido precipitava-se de uma altura de 45 metros de altura até à cave. Durante a queda formavam-se as esferas que eram posteriormente polidas e separadas por diâmetros. O chumbo é um metal muito tóxico que, actualmente, está proibido na caça, só podendo ser usados cartuchos com esferas de aço. Uma outra utilização tecnológica do chumbo, bastante poluente, foi no aditivo da gasolina tetraetilchumbo. Outras histórias do chumbo foram já contadas noutros passeios
Para terminar este passeio pelo Porto é de referir a Rua das Águas Férreas. Trata-se de um nome de rua ou local muito comum no país, associado a fontes, existindo dezenas de topónimos com nomes relacionados (férreas e ferrosas) por todo o país, nomeadamente em Coimbra. Para um químico, férreo (relativo ao ião ferro III) e ferroso (relativo ao ião ferro II) é muito diferente, sendo neste caso mais adequado usar a expressão ferroso. Tratam-se, de iões muito pouco solúveis, em especial o ferro III, o qual em determinadas condições é reduzido a ferro II (mais solúvel) apresentando-se assim um maior teor de ferro nas águas. São consideradas águas ferrosas aquelas que têm teores superiores a três miligramas de ferro por litro e as fontes destas acabam por apresentar características precipitações ferruginosas. A análise da qualidade das águas, assim como o seu tratamento é um importante aspecto da contribuição da química para a qualidade de vida, sendo hoje possível detectar quantidades vestigiais de poluentes e produtos naturais presentes nas águas da ordem dos nano e picogramas. Podem assim se escrutinadas quantidade ínfimas de metais pesados e compostos como produtos halogenados, drogas, pesticidas, ftalatos, ou mesmo estrogénios de origem natural ou artificial e discutir detalhes sobre possíveis problemas devidos à presença destes compostos nas águas que seriam impensáveis há décadas. [versão preliminar de 3 de Junho de 2014]

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