Expedição urbana à procura de âmbar cinzento


O passeio pelo anúncio do perfume lembrou-me a história do âmbar cinzento que costumo levar às escolas. Nos intestinos de uma parte dos cachalotes forma-se um material que, depois de abandonar o corpo do animal, de forma natural ou violenta, e secar, tem um odor característico devido essencialmente a uma molécula, o ambóxido, também conhecida por ambrox.

Com o declínio da caça à baleia, em boa parte devido à evolução da química, esse material era quase a única coisa com valor para a sua caça artesanal, como é contado em "Mau tempo no Canal" de Vitorino Nemésio. Hoje em dia, o ambróxido pode ser obtido a partir de esclariol, uma molécula presente num tipo de sálvia (Salvia sclarea) que ainda não encontrei, mas que tem semelhanças com a da fotografia do lado (Salvia splendens, foto obtida em Cantanhede, mas que costuma tambem estar plantada na rotunda do Papa em Coimbra). Dessa forma não é necessário caçar baleias para obter ambróxido.

Depois de consultar o site Fragrantica seleccionei um conjunto de perfumes para investigar (essencialmente perfumes masculinos: Obsessed da Calvin Klein, Not a Perfume, Into the Void, Anyway, White Spirit, Another Oud, todos da Juliette has a Gun, Sauvage da Dior, Dyln Blue da Versase, Luna Rossa da Parda, L'imensité da Vuitton, Gentleman's only da Givenchy, Kenzo World, Toni, A Better Man, L'étoile noir, Electric Wood, This is not a Blue Bottle, etc). Curiosamente, encontrei também dois da Zara, um deles, 4MBROX, aproximando-se do conceito do Not a Perfume (uma só molécula, ambróxido e álcool), o 4MBROX, que tem na composição do seu aroma ambróxido, almíscar e cedro.

Ao fim do dia, consegui ir a um centro comercial e a uma perfumaria fazer o trabalho de campo. Encontrei o perfume 4AMBROX (figura ao lado) e cerca de metade dos perfumes identificados cujos aromas registei num caderno (acima).

O Not a Perfume da Juliette has a Gun não estava disponível para testar, mas recordo a primeira vez que o encontrei  numa outra perfumaria. Trata-se de um perfume que tem apenas ambróxido em álcool (daí a provocação de "não ser um perfume") e o cheiro perdurou meses no caderno em que guardei o papel impregnado. Este perfume provocador custa dezenas de euros, enquanto que os três gramas de ambŕoxido que comprei custam cinco euros. No entanto, o custo de um perfume é devido também a todo o seu processo de desenvolvimento e este resultou de uma ideia nova. Curiosamente o 4MBROX refere a questão da molécula de ambóxido (ambrox) na caixa (carregar na imagem para ler) e, de facto, depois de aplicado. o cheiro que permanece é o desta molécula.

Os perfumes são um mundo de química olfativa, analíitica e sintética. Embora o mais visível seja o design, os criadores, os anúncios e os modelos que os promovem, sem os químicos não seria possível toda a diversidade que temos à disposição.

Anúncio de um perfume por toda a cidade: qual é a sua química?

Enquanto espero pelo autocarro reparo neste anúncio de um perfume. Qual será a sua química? O site Fragrantica diz que foi criado em 2017 por Oliver Polgue e tem notas superiores (aromas mais voláteis) de mandarina, toranja e passas; coração (aromas de volatilidade média) de tuberosa, ylang-ylang, jasmim, lírio-dos-vales, pimenta vermelha, pêra e flor de laranjeira; e base (aromas de menor volatilidade) de sândalo, almíscar, raiz de íris e cachemira. Cada um destes constituintes, dissolvidos em álcool com um pouco de água, tem, por seu lado, aromas que resultam, em geral, de misturas complexas de compostos. Intrigou-me o nome cachemira. Um pouco de pesquisa na maior biblioteca do mundo (a internet) e confirma-se que se trata de uma molécula sintética, obtida nos anos 1970 por John Hall, cujo odor parece ser difícil de descrever. As propriedades desta molécula estão muito bem estudadas, como pode ser seguido pelos links da wikipedia. O cartaz está por toda a cidade e a actriz é Kristen Stewart.