De novo um passeio químico em Coimbra

[No dia 24 de julho de 2020 das 11 às 12:30 orientei um passeio químico no âmbito de uma ação de formação para professores na Universidade de Coimbra. O passeio já foi realizado de várias formas e tinha como objectivo também reflectir sobre as possibilidade de usar esta material no ensino. Estes foram integrados nas actividadees de estagiários e um deles (o Mário Gomes) inseriu-os em parte numa aplicação de smarphone, o Geotourist (https://geotourist.com/), “Da escola à universidade...um percurso químico” (https://geotourist.com/tours/2729)]

Começámos na Porta Férrea, local emblemático de Coimbra, onde se pode falar sobre a corrosão dos metais e a degradação das rochas, entre outras matérias. Nos Arcos do Jardim poderíamos completar com mais informações mas acabamos por não chegar aí neste passeio.
Parte das informações e do passeio estão disponíveis aqui.

Vale a pena referir que poderemos usar cadernos de micas, fazer projecções, entre outras coisas. Ou usar outras aplicações de smartphone, nomeadamente para a avaliação.

Na Porta Férrea, além do usual, contei a história da penicilina natural e semi-sintética, que nos acompanha no nosso dia-dia. De forma resumida, diz-se que a penicilina foi descoberta em 1928, por Alexander Fleming, quando notou que uns fungos matavam bactérias. Não é bem assim. Aparemente Fleming não foi o primeiro, mas foi o primeiro sim a pensar nisso como um medicamento. Mas não consegiu isolar o produto a que chamou penicilina. Foi preciso chegar a 1940, tendo dois investigadores e a sua equipa, Flory e Chain isolado a penicilina, mas em pequena quantidade (os três ganharão o prémio Nobel em 1945). Estava-se no meio da segunda guerra mundial e essa descoberta deu origem ao “projecto penicilina” que envolveu milhares de investigadores de universidades e indústrias o qual tinha dois objectivos. Produzir penicina em grande quantidade (o que conseguiram em 1943 usando tanques de fermentação) e obter penicilina por métodos sintéticos (este falhou e só foi conseguido no final dos anos 1950 por Sheehan e a sua equipa). Notamos que para produzir penicilina por métodos sintéticos tinha de saber a sua estrutura, o que só foi consegido em 1944. Mas além disso, o anel beta-lactâmico era muito sensível. Só depois de Sheean fazer a síntese total (sem interesse esconómico), este percebeu com se poderiam produzir penicilinas semi-sintéticas. Um exemplo é a amoxililina que surgiu nos anos 1970 e tem um grupo amina e outro álcool que não existiam na versão natural. Isso tudo é acompanhado de modelos moleculares que trago comigo. Mais adiante falámos sobre as várias fases da descoberta dos medicamentos e das entidades que os regulam, assim de quem os inventa e sintetiza. Hoje em dia, mais de metade dos medicamentos aprovados não têm inspiração natural, mas mesmo os designados naturais, para serem sustentáveis, muitas vezes têm de ser produzidos em laboratório.

O passeio prosseguiu pelo lado direito da universidade onde falámos dos brancos de chumbo e de titânio e de como os podemos identificar. Os brancos de chumbo vão ficando amarelos devido à formação de sulfureto de chumbo que é negro. Uma tinta de chumbo fica negra na presença de um sulfureto, por exemplo. Por outro lado, ambos se distinguem facilmente fazendo raios-X. Falámos aqui de como o titânio era considerado seguro em contacto com o corpo humano mas há alguma discussão sobre as nanopartículas, em especial quando inaladas. Convém notar que as nanopartículas têm como característica serem de tamanho nanométrico (zero vírgula nove zeros de metro), mas terem também propriedades diferentes. Deveremos acompanhar sempre as discussões com bastante espírito crítico.

Mais adiante, falámos das plantas presentes nos muros e das plantas infestantes que poderemos ver nas cidades. Vimos exemplares de viúvas (Trachelium caeruleum) e ailantos (Ailanthus altissima, infestante que iremos ver em vários monumentos).

Referi que as plantas comunicam entre si e fazem guerra quimica umas às outras usando moléculas e, claro, química. Referi ainda os herbicidas e o seu desenvolvimento, assim como as verificações e análises por que passam (a ailantona é um candidato a pesticida, por exemplo).

Outro aspecto interessante que por vezes não é bem compreendido são os antioxidantes. De facto, as plantas estando sempre expostas ao Sol têm de se proteger...

Aqui poderemos falar de reciclagem (temos ecopontos em frente). Depende dos países mas, em Portugal, separamos os vidros (ecoponto verde), dos papéis (ecoponto azul), dos plásticos e metais (ecoponto amarelo). Discutimos a questão da limpeza e da separação. Nos ecopontos indicam que recolhem e o que não é desejado. Vidros de embalagem, papéis vulgares, não plastificados, etc. Para não dar indicações erradas, que podem ser mal-interpretadas, sugiro que deveremos seguir as indicações, mas não faz muito sentido lavar exaustivamente as embalagens antes de as colocar no ecoponto. Há razões para o fazer minimamente e há outras para não exagerar. Poderíamos falar das leis em vigor e falámos das embalagens multiplas, nomeadamente daquelas que são plástico, alumínio e papel (vulgo embalagens tetra pack) e dos artigos e relatório existentes sobre a questão. Reciclar não pode ser visto como um único objectivo. Além de recusar, reduzir, reusar e reparar poderemos repensar e reinventar. Qando as misturas de materiais são complexas ou estão contaminadas, por vezes não vale a pena reciclar. O ciclo completo dos produtos deve ser analisado. A sustentabilidade e economia circular devem ser maximizadas. Os CDR (os combustíveis derivados de resíduos) são uma alternativa à reciclagem que tem ganhos em relação ao aterro sanitário, por exemplo.

Daqui fomos ver uma canforeira e referi a molécula que todos conhecem, a cânfora. Podemos partir um ramo de cânforeira e sentir o cheiro que se vai desvanendo. Isso leva-nos à volatilidade. Só cheiramos o que é volátil, por exemplo. É muito curioso que as plantas desenvolveram estas moléculas como legos, a partir de uma base comum de isopreno (C5H8). No caso da cânfora temos a fórmula C10H16O mas esta molécula, embora partilhe a fórmula comum, é única, devido à sua estrutura tridimensional (se chegássemos ao Jardim Botânico poderíamos falar da química de outras árvores, mas temos plantas em todo o lado que contam histórias químicas interessantes.

Mais à frente falámos dos tubos de PVC (policloreto de vinilo) e de outros polímeros (alguns deles designados como plásticos) referindo de novo a questão da reciclagem. Temos muitos plásticos usados em embalagens, mas há códigos para aqueles que são recolhidos e reciclados. No caso do PVC aparece PVC, no Polipeleno PP, poliestireno PS (quando expandido conhecido como esferovite), poliéster ou PET (nas garrafas polietileno terftalato) e PEHD e PELD polietileno de alta e baixa densidade. Todos podem ser identificados e separados pelos seus espectros característicos ou outras propriedades. Voltaremos a estes aspectos noutros passeios.

Vimos também alguns fungos e fiz notar como alguns destes são parecidos com as pastilhas elásticas no chão. Vimos uma planta aromática conhecida como guarda-fatos ou santolina (Santolina chamaecyparissus), um sobreiro (poderíamos aqui falar da química da cortiça, tão importante para Portugal, mas isso fica para outro passeio).
 
Na Rua da Ilha, referi os ares condicionados e quem inventou os CFC (clorofluorocarbonos) e a gasolina com chumbo nos carros. Discutimos essas questões e outras, assim como as várias soluções existentes e a regulação. Referi também o REACH (Registration, Evaluation, Authorisation and restriction of Chemicals), uma base de dados fundamental que regista os compostos químicos usados na União Europeia.

Falámos da talidomida e de como esta molécula não chegou aos EUA devido ao FDA (Food and Drug Administration) que exigia mais testes e poderíamos discutir de como estes foram implementados depois da tragédia. Muitas pessoas ainda olham para o passado como se fosse hoje, mas não, felizmente. Uma das coisas que se aprendeu é a prever e simular, a testar de forma exaustiva antes de usar algo novo. A tragédia que aconteceu seria muito improvável hoje em dia devido aos reguladores e testes clínicos. Referi ainda como ironicamente esta molécula encontrou um novo caminho na cura da lepra e de certos cancros.

Vimos nesta rua a Imprensa da Universidade de Coimbra que funciona no antigo Instituto de  Coimbra. Referi um pouco da sua história e, entretanto, chegámos à Sé-Velha. Referi a rochas de que esta é feita e o restauro da Porta Especiosa - vimos a inscrição em árabe.


Passámos pelo Museu Machado de Castro que tem várias pinturas a ver e analisar em termos químicos. Das actividades interdisciplinares que podem ser feitas ali, entre outras.
Chamei a atenção para o gesso que podemos encontrar nos monumentos, devido ao dióxido de enxofre, e dos efeitos do carbono que se inscrusta nos monumentos e (de novo) nas pastilhas elásticas.

Concluímos o passeio na universidade. São precisos químicos para descobrir novas moléculas e analisar outras. As moléculas que são vendidas nas farmácias e são usadas para curar as pessoas foram inventadas ou descobertas por alguém – um químico ou químico ou químico medicinal e a sua equipa. Os materiais sustentáveis e circulares foram inventados por alguém - um químico e a sua equipa. Os alimentos, as obras de arte e os medicamentos foram controlados e analisados por alguém. A atmosfera de outros planetas e os segredos do universo, não aparecerem do nada. Os instrumentos e os métodos foram pensados por alguém. Alguém que sabia e praticava química!