Arcos de Valdevez e o Padre Himalaya

Arcos de Valdevez é uma vila muito bonita do Minho. Para além das belezas naturais e edificadas, da história e da gastronomia, é muito feliz a evocação do padre Manuel António Gomes (1868-1933) que ficou conhecido como Padre Himalaya (e assim assinava). Natural do concelho, o Padre Himalaya, foi um cientista e inventor reconhecido internacionalmente que embora nas últimas décadas se tenha tornado mais conhecido em Portugal, deveria sê-lo mais.

Atribui-se ao Padre Himalaya a introdução do interesse pela energia solar em Portugal, assim como são valorizados os seus escritos sobre o vegetarianismo e a naturopatia, mas há muito mais para dizer sobre esta personalidade genial e multifacetada, estudioso e experimentador insaciável, em boa parte autodidata, com ideias originais e visionárias, por vezes singulares, autor de um elevado número de patentes de mecânica, química e física e de textos (alguns ainda inéditos) sobre as mais diversas matérias.

Os engenhos solares que o Padre Himalaya construiu e que foram muito elogiados e premiados em exposições internacionais tinham como objectivo inicial a possibilidade de obtenção de adubos sintéticos através de altas temperaturas que fizessem o nitrogénio do ar reagir com o oxigénio e originar óxidos de azoto e desses obter os nitratos facilmente utilizáveis pelas plantas. As possibilidades de aplicação da energia solar são, como sabemos hoje, muito mais vastas, mas a fixação do nitrogénio do ar para obter fertilizantes sintéticos e dessa forma melhorar a agricultura e acabar com a fome era um sonho quase tão antigo como a descoberta deste elemento. O problema  acabou por ser resolvido através do Processo de Haber-Bosch, mas as ideia e contribuições do Padre Himalaya são também importantes para a história dessa demanda.

Tudo parece interessar ao Padre Himalaya, mas as suas raizes e as recordações da vida rural conduzem-no naturalmente aos aspectos práticos da agricultura, ao amor pela natureza, à naturopatia e à ecologia. Com recomendação do químico e fundador da Sociedade Portuguesa de Química, Ferreira da Silva, e contando com o apoio de várias mecenas, o Padre Himalaya estudou em Paris e mais tarde nos Estados Unidos. Entre os seus inventos químicos, contam-se explosivos, nomeadamente o que ficou conhecido por himalaíte e teve relevância industrial e comercial. As suas cartas têm muitos conselhos práticos de química e agricultura e de referências a medicamentos naturais e derivados de naturais que vai inventando, num tempo em que os testes clínicos ainda não existiam.

As preocupações ecológicas do Padre Himalaya são ainda muito actuais, mas as suas ideias naturopatas radicais e a recusa dos medicamentos químicos, assim como a falta de entendimento que denota da sua acção, podem parecer actuais num mundo que em parte glorifica estas ideias, mas estão claramente datadas e são baseadas em percepções e experiências claramente erróneas. Nomeadamente, num dos seus escritos, refere que o chá de uma planta tinha melhores efeitos para a varíola que a vacina! Obviamente, não há génios que não tenham em algum momento errado.

Continuando em Arcos de Valdevez, vale a pena conhecer os espigueiros do Soajo, aproveitando para evocar os processos tradicionais agrícolas e meditar sobre as muitas relações entre a beleza, a pobreza e a miséria, lembrando por exemplo as palavras terríveis de Eça de Queirós: A população dos campos, arruinada, vivendo em casebres ignóbeis, sustentando-se de sardinha e de ervas, trabalhando só para o imposto por meio de uma agricultura decadente, leva uma vida de misérias, entrecortada de penhoras. E pensar de forma desapaixonada sobre as possibilidades estatísticas de ter em larga escala, para alimentar a população actual, os processos que nos parecem belos, mas são claramente pouco eficientes, envolvendo trabalho manual e animal árduo, assim como a erosão dos solos e uma produtividade baixa e imprevisível. Males que o Padre Himalaya queria evitar.

Imagens: painel do Turismo de Arcos de Valdevez e escultura alusiva ao Padre Himalaya de José Rodrigues na entrada da vila.

Referência
Padre Himalaya. Antologia com textos inéditos. Introdução e selecção de Jacinto Rodrigues e Rosa Oliveira. Município de Arcos de Valdevez, 2013. 

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