Passeio Químico em Proença-a-Nova (III)


Terceira e última parte do Passeio Químico realizado em Proença-a-Nova em 2011, seguindo a parte I e parte II (mapa em breve).

O Aloe Vera é uma planta muito usada em remédios e cosméticos naturais. Ainda não terá sido descoberto, nesta planta, nenhum princípio activo eficaz que possa ser usado como base para o desenvolvimento de medicamentos (um lead), mas a maioria dos estudos realizados indica que os extractos desta planta têm efeitos benéficos gerais. No entanto, não podemos cair na falácia de que alguma coisa não pode fazer mal por ser natural. De facto, há pelo menos um caso documentado de uma potencial interacção entre um anestésico e a ingestão de comprimidos de Aloe Vera.
Os eucaliptos têm uma grande história de serem mal amados devido a terem sido plantados de forma exagerada em locais errados e em monocultura – de notar que isto foi escrito em 2011 e, tanto na altura como agora, não me junto ao coro dos que diabolizam esta árvore cuja plantação deve ser controlada e ordenada, mas não faz sentido ser proibida. Trata-se de uma árvore da qual se aproveita, para além da celulose para a pasta de papel, muitos óleos essenciais. Há muitas espécies, sendo que na maioria o terpenóide eucaliptol domina. Há, no entanto, uma espécie cujas folhas cheiram a limão por conterem citronelal, um isómero do eucaliptol. E já que falamos tanto de terpenos e terpenóides vamos explicar melhor. Trata-se de moléculas construídas como um lego que tem como peça mais simples o isopreno de fórmula empírica C5H8. Surgem na natureza contendo múltiplos de cinco carbonos: com cinco, dez e quinze átomos de carbono em moléculas com odores característicos que têm diversas funções, com vinte ou mais átomos de carbono em moléculas que têm funções de interacção com a luz, com centenas de átomos de carbono nos poli-isoprenos que originam a borracha natural.
A grevília é uma árvore que é muito cultivada pela sua sombra e beleza especialmente na Austrália de onde é originária.  Nas suas folhas existem compostos que fazem guerra química às plantas que a rodeiam, sendo por isso também estudada para o desenvolvimento de herbicidas. Em zonas com muita população destas árvores, a sua contribuição para os aerossóis de compostos orgânicos voláteis (uma forma de poluição conhecida como VOC) é relativamente importante.  

Os pinheiros são nossos velhos conhecidos e uma fonte de riqueza importante. Para além da madeira para construção ou pasta de papel (cada vez menos), da resina extrai-se uma grande quantidade de compostos. A terebintina ou aguarraz é a parte volátil, sendo constituída por vários terpenos em especial o alfa-pineno. A colofónia, ou pez louro, é a parte não volátil. Ambas têm muitas aplicações. Para fazer papel, nas celuloses extraem-se as fibras de celulose por vários processos alguns deles mal-cheirosos devido à nossa grande sensibilidade para com os compostos de enxofre usados. Podemos poupar árvores e energia reciclando o papel, mas ao contrário do que acontece com o vidro, o ferro ou o alumínio, as fibras de celulose vão-se fragilizando nas sucessivas reciclagens.  A preocupação actual com o espalhamento do nemátodo do pinheiro coloca-nos várias questões, algumas delas de natureza química. Combater o vector com insecticidas? Usar nematicidas? Destruir apenas as árvores infectadas? Será que teríamos evitado isto misturando os pinheiros com espécies cujos compostos voláteis têm propriedades nematicidas como parecem ter os liquidambares?  
Os compostos e extractos da mélia ou amargoseira têm muito interesse. Têm um comprovado efeito larvicida e insecticida importante. Em zonas com muitas destas árvores, a diminuição dos mosquitos e moscas é notória. Os seus frutos são relativamente tóxicos e são conhecidos envenenamentos de animais com estes.

A paragem seguinte foi junto a um supermercado. Neste ponto pensemos um pouco na química que podemos encontrar nos rótulos dos produtos nos supermercados que não está lá para nos assustar, mas sim informar. Os iões que são indicados na água engarrafada também existem nas fontes, ou na água da torneira. A diferença é que a da fonte pode não ter sido analisada e a da torneira pode ter uma quantidade mínima de cloro que está lá para nos proteger de micro-organismos. Também os aditivos alimentares com os seus famosos números-E estão lá para uma função útil, como seja a preservação ou a manutenção de uma caracterísitica e não para serem tóxicos ou cancerígenos. Podem ser compostos inofensivos ou suspeitos de causar alergias, mas se fossem cancerígenos ou tóxicos não estariam lá. E, obviamente, nem os champôs nem os desodorizantes têm compostos cancerígenos, como por vezes se recebe por e-mail ou se encontra nas redes sociais. De qualquer forma podem evitar-se os compostos presentes nos xampôs e desodorizantes usando sabão azul para lavar o cabelo e não colocar nada nas axilas...

Chegámos de seguida junto de uma oliveira. Das azeitonas extrai-se esse sumo maravilhoso que já é referido na bíblia, o azeite. As suas propriedades e métodos de produção são bem conhecidos, assim como os significados dos termos “azeite virgem extra,”  “azeite virgem” e “azeite.”  O azeite tem como principais componentes o ácido oleico e o ácido linoleico. No entanto, a acidez é percentagem dos ácidos gordos livres, dado que a maioria destes está na forma de triglicéridos.  Em geral a acidez não tem um efeito perceptível no sabor que é resultado da complexa mistura dos vários tipos de compostos presentes. Nos rótulos aparece também o índice de peróxidos e a absorvância a determinados comprimentos de onda que permitem avaliar o grau de oxidação do azeite na altura do engarrafamento. Mas uma vez aberto e exposto à luz ou a temperaturas elevadas o aumento da oxidação é inevitável.
Bombas de combustíveis. A química e os químicos estão particularmente empenhados em contribuir para a poupança de energia e o desenvolvimento de combustíveis alternativos, desde o bio-diesel ao hidrogénio.  Os combustíveis mais comuns, gasolina e gasóleo, são misturas de hidrocarbonetos. Um dos aditivos mais famigerados foi o tetraetilchumbo, inventado por Thomas Midgley Jr. para aumentar o poder detonante das gasolinas. Com a melhoria da qualidade dos carros e a introdução do catalisador este aditivo tóxico deixou de ser usado. A química está presente em todas as partes dos automóveis e poderíamos falar horas sobre isso. Para além dos combustíveis, nos materiais de que é feito um carro, na pintura e nos tratamentos anti-corrosão, nos vidros e nos espelhos, nos lubrificantes, nos gases de escape, nos métodos usados para minimizar esses gases, no motor, no catalisador, no ar condicionado, nas baterias, no air-bag, etc.
Encontrámos de seguida um sobreiro e um azevinho. Como toda a gente sabe, a cortiça é a casca do sobreiro. Um tecido vegetal que tem imensas aplicações e de que somos o maior produtor e transformador mundial.  Os aspectos recentes da discussão entre as rolhas de cortiça e de plástico têm vários aspectos pedagógicos. Assim como o recente interesse pela sua reciclagem e o aproveitamento de desperdícios de cortiça que, com a ajuda da química, se transformam de pavimentos a objectos de design. O azevinho, em especial os seus frutos, é tóxico. Por isso com certeza que está a ser estudado para se encontrarem princípios activos anti-tumorais ou outros.
O ar-condicionado moderno utiliza compostos, dentro de um mecanismo estanque, que, no exterior da habitação são comprimidos, passando do estado gasoso a líquido, aquecendo o meio exterior, e no interior da habitação são expandidos, passando do estado líquido ao de vapor, arrefecendo o meio interior. Os CFC, inventados pelo nosso já conhecido Thomas Midgley Jr., revelaram-se as moléculas ideias para usar como refrigerantes. O problema é que estas moléculas ao subirem para a estratosfera contribuem para a depleção da camada do ozono. Assim, os CFC foram banidos e substituidos por espécies mais amigas do ozono como os hidrogenoclorofluorocarbonetos (HCFC). Mas a história não fica por aqui pois estes gases estão-se a revelar também problemáticos por contribuirem para o chamado aumento do efeito de estufa e estão também a ser banidos. Novos compostos têm sido desenvolvidos, desenhados primeiro teoricamente de forma a que não causem danos ao ozono nem contribuam para o efeito de estufa.
O passeio terminou junto da Pousada das Amoreiras. Entre as muitas coisas que haveria para referir, escolheu-se a piscina. O tratamento da água das piscinas tem aspectos químicos importantes, mas simples. Como a água não pode ser mudada com frequência, usam-se compostos oxidantes de cloro ou bromo para  destruir os micro-organismos. Para maior eficácia a acidez da água tem de ser corrigida. Também se usam compostos de cobre para combater os fungos e as algas. 

Passeio Químico por Proença-a-Nova (II)

Continuação da descrição do passeio química em Proença-a-Nova. Como este foi organizado com a colaboração do Centro de Ciência Viva da Floresta, incide bastante sobre a química ligada às árvores. Ao procurar dados químicos sobre um conjunto de árvores tão vasto, procurando fazer referências que não fossem repetitivas, tive oportunidade de ficar com uma visão mais alargada sobre este tema.

O passeio continuou para fora do parque por passeios urbanos rodeados de árvores e pequenos quintais. Muitos desses quintais têm redes de arame coberto de um plástico (polímero), provavelmente PVC, com um corante verde. Paramos junto a um pinheiro manso ainda de pequeno porte que está atrás de uma dessas redes. Trata-se de uma árvore resinosa que é cultivada essencialmente para o aproveitamento dos pinhões. Estes contêm cerca de 45% de ácidos gordos (dos quais a maior quantidade são os ácidos oleico e linoleico), 32% de matéria proteica e 15% de acúcares, sendo o restante água e um conjunto de compostos designado como cinzas. Nos últimos anos estas árvores têm sido ameaçadas por uma praga de insectos; e também os incêndios recentes devem ter originado danos nos pinhais destas árvores. 

Em seguida encontrámos uma ameixeira de jardim. Por que razão são as folhas destas ameixeiras daquela cor púrpura escura? A resposta química é relativamente fácil: porque têm antocianinas em grande quantidade. Assim estão mais protegidas dos danos causados pelo oxigénio e a luz, mas, como as antocinainas não fazem a fotossíntese, tal tem como custo alguma perda de eficiência. Mas isso não nos diz nada sobre as possíveis razões para que esta planta seja assim. Alguns botânicos acham que há outra vantagem: são menos atacadas por insectos. E, embora não atraiam insectos, a presença de grande quantidade de antocinainas já deve ter atraído vários químicos que com certeza analisaram os seus componentes. Basta procurar a literatura científica

As amoreiras são as únicas árvores de cujas folhas se alimentam os bichos da seda. Para essa preferência restrita parece contribuir a presença da molécula cis-jasmona. De facto, testes controlados mostram uma preferência elevada dos bichos da seda por essa molécula. A seda é uma fibra proteica, ou seja um filamento com proteínas de cadeia linar (as proteínas são constituídas por aminoácidos unidos por ligações peptídicas). O nylon é uma poliamida, um dos primeiros polímeros sintéticos a ser explorado de forma comercial. A sua descoberta foi feita através de um estudo sistemático de polímeros similares aos das cadeias proteicas da seda e da lã. Nas poliamidas, em vez de aminoácidos, são usados aminas e ácidos carboxílicos.

Encontrámos em seguida alfazema que é muito usada como aromatizante (não alimentar). No seu óleo essencial encontramos muitos dos terpenóides presentes na folha do louro, o alfa-pineno e o eucaliptol, por exemplo. Para além destes encontramos cânfora e limoneno entre muitos outros. O limoneo está muito presente neste passeio como fomos vendo. As quantidades relativos destes e outros compostos criam a identidade dos óleos essenciais destas plantas.

Há com certeza muitas razões químicas para falar das magnólias. Por exemplo, alguns dos seus componentes estão identificados como tendo actividade biológica, nomeadamente propriedades nematicidas, anti-bacterianas e citotóxicas. Como referido acima isso, ter propriedades biocidas, antioxidante, ou outras, é bastante comum.

Paramos junto a um cipreste. Os primeiros registos da utilização médica de plantas datam de cerca de 2600 A.C. na Mesopotâmia sendo referidos os óleos de cipreste, cedro, mirra e papoila do ópio, entre outros.  Para além da identificação dos componentes activos, os compostos obtidos das plantas podem estar na origem da descoberta de novos fármacos como já referimos.

Vimos em seguida azulejos murais e em pequenas pastilhas. A produção de objectos
cerâmica é uma actividade muito antiga. Para a produção de azulejos são usadas misturas de argilas e caulino que, uma vez enformadas e secas, são levadas ao forno a altas temperaturas, ocorrendo um conjunto de reacções químicas que endurecem o material de forma irreversível. Com as altas temperaturas, os grupos -OH têm tendência a formar ligações -O- rígidas com libertação de água. Para os esmaltes e vidrados utilizam-se misturas de sílica, óxidos de boro e chumbo e ainda compostos para criar a opacidade (óxidos de zircónio ou estanho), sendo usados outros compostos para dar cor.

A albízia (de Constantinopola) está registada na Farmacopeia Chinesa para vários usos medicinais e existem estudos recentes que indicam poder possuir compostos com actividade anti-tumoral. É preciso notar, no entanto, que entre a descoberta de um princípio activo promissor, devido à sua eficácia na eliminação de células tumorais in vitro até à fase inicial de testes clínicos em humanos podem passar vários anos, podendo pelo caminho verificar-se que o composto é demasiado tóxico, ou que apresenta problemas de administração, distribuição, metabolismo e excreção.

A nogueira dispensa apresentações. Na índia várias das suas partes são usadas para fins medicinais e… de higiene pessoal. A tradição e um estudo recente (à data de 2011) indicam que a sua casca tem actividade anti-helmíntica (elimina parasitas do intestino humano) in vitro, mas não foi identificado o composto ou grupo de compostos responsáveis. Neste caso estamos um passo mais atrás do que no caso anterior. Encontrar a molécula responsável pelas propriedades medicinais é muito importante para poder estudar as suas propriedades.

Os plátanos são muito utilizados para proporcionar sombra. Embora tenham defesas químicas contra vários fungos e coabitem sem problemas com outros, há uma espécie em particular que os está a atacar aproveitando as feridas causadas pelas podas frequentes e acidentais. É curioso que alguns dos fungos com que o plátano coabita ajudem, em laboratório, os químicos medicinais a bio-transformam o ácido betulínico (composto com propriedades anti-tumorais e anti-HIV),  presente na casca do plátano e das bétulas em compostos análogos que poderão ser ainda mais eficazes.  

Paramos agora junto a um pitósporo também conhecido como árvore do incenso. .A composição quíica dos óleos voláteis desta planta tem limoneno (o composto já referido anteriormente e que associamos às laranjas e limões) em grande percentagem, mas é a conjugação deste com o outros componentes que lhe dá o odor característico que justifica o seu nome. Esta planta é conhecida por afastar outras espécies. Na verdade deverá acontecer algo parecido com os limoeiros e as laranjeiras pois o limoneno tem propriedades herbicidas. A pequena árvore da fotografia já deve ter crescido bastante nos últimos seis anos. Note-se também as outras plantas, as cores da boca de incêndio (vermelho e branco), os vidros planos e o revestimento das placas castanhas da parede. Já não lembro bem, mas pela fotografia parecem ser aglomerados de madeira cobertos de um verniz.

Encontramos agora uma coreutéria. As flores desta árvore são usadas na medicina tradicional chinesa para o tratamento de problemas oftalmológicos. Alguns compostos extraídos das folhas desta árvore parecem ter actividade anti-oxidante e agirem como protectores do DNA. Não admira que nas folhas existam compostos assim, pois, como foi referido atrás, as folhas devem resistir à acção do oxigénio e do sol. Em termos de fármacos, o que queremos é encontrar o fármaco mais eficaz e com menos efeitos adversos. 

Paremos junto junto à biblioteca. Notavam-se na altura escorrimentos castanhos da corrosão no suporte das letras pintadas de verdes. Esses escorrimentos ão claramente devidos a óxidos de ferro. As letras não são de bronze, coberto com sais de cobre, estão pintadas de verde. Note-se as zonas em que ocorre a corrosão. Para haver corrosão do ferro é necessário água e oxigénio. Haver zonas com ambientes químicos diferentes, por exemplo uma imperfeição no revestimento da tinta, promove a oxidação enquanto noutro local próximo se vai dar a redução.

Loendros, uma das primeiras plantas referidos neste site. Todas as partes destes arbustos são muito tóxicas devido a um glicosídeo com actividade cardíaca que possuem em grande quantidade.  Na primeira guerra mundial os soldados portugueses usaram-no para tentar matar parasitas.

O passeio segue com o encontro de limoeiros e laranjeiras. Com já foi referido estas árvores têm limoneno em grande quantidade. Mas contrariamente ao que se pode encontrar em muitos sites na internet, o cheiro diferente das laranjas e limões não é devido aos dois isómeros ópticos (moléculas que são a imagem no espelho uma da outra) diferentes do limoneno: o mesmo isómero está presente nas duas espécies. A diferença no cheiro é devida às pequenas quantidades dos outros componentes voláteis. Em casos como este, o espírito crítico não basta. A melhor solução é poder fazer a confirmação experimental. Na falta desta, encontrar artigos ou livros de boa qualidade em que mostrem ter feito essa determinação. Nos limões há ácido cítrico (que é um ácido um pouco mais forte  que o vinagre) em grande quantidade e por isso a sua acidez é elevada. Também o ácido ascórbico, ou vitamina C, está associado a estes dois frutos.

Paragem junto a um candeeiro. A produção de luz e a economia de energia é um assunto importante para os químicos e para a humanidade. Das primeiras lâmpadas de arco eléctrico e incandescentes inventadas por Davy até às lâmpadas florescentes, incandescentes de halogéneo, LEDs (díodos emissores de luz), etc., há uma participação luminosa e sempre presente da química. No caso dos LED, são importantes os elementos químicos índio (In), gálio (Ga), alumínio (Al), arsénio (As) , nitrogénio (N) e fósforo (P). As cores verde e azul são dadas por InGaN, a vermelho por AlGaAs/-GaAs ou AlGaInP/GaP e a branca por LED azul com cobertura de fósforo ou LED vermelho-verde-azul. Estes materiais são cobertos com um polímero rígído transparente.

Paragem junto a uma casa de xisto com arbutos de alecrim. O xisto é uma rocha metamórfica que fez um longo caminho até chegar à sua estrutura actual em camadas características: de feldespato passou a argila por processos químicos e físicos e desta tornou-se xisto por acção de altas pressões. Na sua composição predominam os silicatos de alumínio e por isso é resistente às chuvas ácidas. O alecrim é bem conhecido. Para além do eucaliptol, a cânfora, e outros compostos já referidos, possui ácido ursolínico que parece estar ligado à preservação da memória e protecção contra a doença de Alzheimer. Em Shakespeare aparece várias vezes essa ligação do alecrim à memória, uma propriedade que parecia já ser conhecida dos gregos antigos.

Cedro do Bussaco: um perfeito mentiroso. De facto, não é um cedro, mas sim um cipreste, e não é do Bussaco, nem seque é português, mas sim da América Central! Os extractos das suas folhas parecem ter a capacidade de provocar a apoptose (morte celular programada) de células tumorais. Obviamente isto é só o começo de um caminho como foi referido atrás. Encontrar as moléculas responsáveis pela ação. Estudar essas moléculas, assim como moléculas derivadas destas. Se forem promissores, aos testes com células, seguem-se aos testes com modelos animais. Se continuar a ser promissor, o candidato a fármaco passa aos testes clínicos. Todo este processo é muito dispendioso e pode demorar mais de dez anos.

Chegamos junto a uma vinha com videiras. A calda bordalesa, obtida misturando sulfato de cobre com cal em  água, e a aplicação de enxofre elementar são os tratamentos mais antigos para as videiras. Na calda bordalesa, o hidróxido de cálcio serve para neutralizar a acidez provocada pela hidrólise do cobre(II), formando-se uma suspensão coloidal neutra envolvendo sulfato e hidróxido de cobre hidratado (há também a formação de um precipitado de sulfato de cálcio). O cobre é eficaz como fungicida e a suspensão coloidal permite uma maior adesão às folhas das plantas sem ser nociva. No tratamento com enxofre elementar, ocorre a oxidação para dióxido de enxofre que é um fungicida e acaricida relativamente seguro. Note-se que, devido à utilização de enxofre e à adição de dióxido de enxofre ou sulfitos às uvas, as garrafas de vinho contém obrigatoriamente o aviso de que contêm sulfitos. No que concerne a outros pesticidas, o controlo das pragas é realizado cada vez de forma mais segura graças ao desenvolvimento da química e do entendimento da bioquímica das plantas. Na produção de vinho assim como na sua análise estão também envolvidos muitos processos químicos. 

Passeio químico por Proença-a-Nova (I)

Em 2011, no Ano Internacional da Química, a convite o Centro de Ciência Viva da Floresta (CCVF)  de Proença-a-Nova realizei um passeio químico por Proença-a-Nova para o qual tive o apoio e colaboração de vários dos membros do Centro, em particular da Catarina Antunes. De facto, o passeio foi delineado sem que eu tivesse estado previamente em Proença, a partir das fotografias e percurso sugerido, num total de mais de quarenta paragens. Por várias razões, nomeadamente falta de tempo, a publicação do texto distribuido aos participantes no passeio, e as fotos do passeio ficaram inéditos. Faço agora essa publicação, com algumas adaptações, mantendo a coloquialidade e o diálogo que se conseguiu no passeio, agradecendo aos membros do CCVF que cederam as fotos e ajudaram a delinear o percurso.

O percurso iniciou-se no Parque do Comendador João Martins e contou com um bom número de participantes. A primeira paragem foi junto a um salgueiro-chorão. Os salgueiros estão ligados a um dos primeiros fármacos semi-sintéticos, que é também um dos mais bem sucedidos: o ácido acetilsalicílico, conhecido como aspirina. Da descoberta das propriedades medicinais da casca desta planta, passando pelo isolamento da salicina e do ácido salicílico, até à síntese do ácido acetilsalicílico, este medicamento faz-nos um resumo da história da química medicinal. Hoje em dia são aprovadas cerca de quarenta novas entidades farmacêuticas por ano (ou de forma sucinta, fármacos), sendo que de de 1981 a 2014 foram aprovadas 1562. Esta realidade corresponde a milhares de potenciais fármacos que ficaram pelo caminho nas várias fases do desenvolvimento ou dos testes clínicos. Desses 1562 fármacos, mais de metade são de origem completamente sintética, sendo a sua descoberta baseada na pesquisa em bases de dados de moléculas (algumas previamente não existentes) com critérios que vão das relações entre actividade e estrutura até a qualidade da ligação a proteínas que são alvos terapêuticos. A outra metade, é baseada ou inspirada em fármacos naturais, podendo ser semi-sintética. Embora a origem natural seja ainda uma fonte potencial e importante de fármacos, a maioria dos mais recentes não tem origem natural.   
Em seguida, passámos junto a uma tília, cujas flores são bem conhecidas pelas propriedades medicinais que se lhe atribuem. Ao longo dos tempos têm sido identificados os seus inúmeros constituintes e verificado que alguns têm efeito calmante, anti-espasmódico e diurético. A descoberta de moléculas naturais eficazes como fármacos ou com  outras funções é muito importante, como referido acima. Mas não é por ser natural que o chá de tília está isento de riscos. Há indicação de que deve ser evitado por cardíacos e, claro, por grávidas e bebés. Com o calor notam-se as suas folhas cobertas de óleos essenciais que fazem parte da protecção desta planta contra a perda de água. Algumas variedades híbridas de tília são muito sensíveis aos afídeos que extraem e armazenam esses óleos e são “pastoreados” pelas formigas, causando por vezes a queda destes no solo. Notem-se as cores das folhas. A que são estas devidas estas cores?

Passámos em seguida junto à estátua do Comendador João Martins. A química estuda e procura controlar e usar as propriedades dos materiais, assim como as suas transformações. A ligação entre a metalurgia e a química é por isso muito estreita. A estátua do Comendador é de bronze, uma liga de cobre e estanho que é muito menos maleável do que o cobre. Com o tempo o bronze, assim como o cobre, ficam cobertos com sais verdes de cobre que funcionam como uma camada protectora embora sejam nalguns casos seja ligeiramente solúveis. Note-se os escorrimentos verdes que há por vezes nestes materiais.
O parque tem bastantes outros motivos de interesse químico que na altura não referi, nomeadamente o chão e os passadiços de tábuas de cor castanha feitas pelo aglomerado de um polímero com serradura de madeira, originando um material de elevada resistência e durabilidade; o aço inoxidável das estruturas dos passadiços e das construções; entre outras coisas. 
Parámos em seguida junto a um ácer. Algumas variedades de ácer são famosas pelas colorações de outono das suas folhas. Nas alturas do ano com mais luz, nas células das folhas há clorofila que é verde e está continuamente a ser formada, carotenóides que são amarelos e antocianinas que têm cores do violeta ao vermelho, dependendo das plantas. Estas antocianinas são uma espećie de protector solar das plantas (que não podem sair do lugar). Quando a produção de clorofila baixa, no outono, as cores dos outros pigmentos tornam-se mais visíveis. Finalmente, quando todos os pigmentos desaparecem, a presença de taninos é responsável pela cor castanha das folhas secas. O ácer foi uma das plantas mais promissoras na pesquisa em larga escala realizada, nos anos 70 do século XX, por princípios activos anticancerígenos. Foi nessa altura que se descobriu, no tronco de uma espécie relativamente rara de teixo, o taxol, o qual é agora sintetizado a partir de um composto extraído das folhas do teixo vulgar. A sua produção é semi-sintética, a partir de uma origem renovável, evitando-se a destruição da espécie mais rara. Entretanto, o taxol, que é um medicamento ainda muito usado para alguns tipos de cancro, tornou-se um genérico de baixo custo com utilização relativamente baixa, que pode, como outros do mesmo tipo, sofrer, infelizmente e ocasionalmente, de períodos de escassez por não estar a ser produzido, ou a sua produção estar a ser canalizada para os paises que mais pagam por ele. 

Tudo o que se disse sobre as folhas do ácer serve para o liquidambar, assim como para qualquer outra árvore de folha caduca. E também o liquidambar, para além da sua beleza, é um pretexto para contar algumas histórias com química. A primeira envolve o medicamento oseltamivir conhecido pela marca registada Tamiflu(TM) que é importante no tratamento e profilaxia da gripe e é um exemplo muito bem sucedido do desenvolvimento racional de um fármaco. Esse desenvolvimento foi realizado como uma espécie de puzzle: sabia-se qual o alvo terapêutico do virus da gripe e procurou-se desenvolver uma molécula que se ligasse o melhor possível a este alvo, contribuido para a inactivação do virus. A síntese industrial desta molécula começa com um produto natural, o ácido chiquímico, que está presente em todas as plantas, mas se obtém normalmente de uma espécie aparentada ao anis estrelado. No entanto dada a procura anormal, há cerca de um ano, por esta planta, procuram-se outras plantas como fonte deste ácido; o liquidamber é uma das mais promissoras. O ácido chiquímico é fundamental para as plantas produzirem os aminoácidos aromáticos, fenilalanina, triptofano, tirosina e histidina, através do mecanismo do chiquimato. Tratam-se de aminoácidos que os animais não produzem, tendo de ser obtidos de plantas de forma directa, ou indirecta. É este mecanismo que os animais não têm que o herbicida glifosato inibe, levando à morte das plantas. A outra história envolve o nemátodo do pinheiro e fica reservada para quando chegarmos junto dos pinheiros.

Paragem junto a um carvalho americano e referência às bugalhas desta espécie de árvores que estão na origem do nome do ácido gálico. As bugalhas, devido à sua riqueza em taninos (grupo de moléculas de estrutura e dimensão variável que têm na sua estrutura o ácido gálico), foram muito usadas na produção de tinta para as canetas de tinta permanente. O processo envolve sais de ferro que em presença dos taninos originam uma tinta muito escura e solúvel. É de notar que permanente não significa que seja uma tinta que não se apague, mas sim que pode ser usada de forma contínua sem necessidade de tinteiro externo como as penas e canetas de aparo. Estas canetas foram substituídas, em termos práticos, pelas esferográficas e marcadores que usam tintas sintéticas; e também as tintas das canetas de tinta permanente são hoje em dia em boa parte sintéticas. A riqueza de pigmentos e corantes sintéticos existentes é actualmente enorme, mas a tinta da china, obtida do negro de fumo, uma forma amorfa de carbono, tem ainda um papel importante nas tintas negras modernas, no que concerne ao outro conceito de “permanente”: ser durável e não solúvel em água. 
Os paineis fotoivoltaicos colocados nas janelas da Câmara Municipal de Proença-a-Nova são um motivo de interesse particular. Os painéis fotovoltaicos comuns são feitos de sílica e no seu fabrico, contrariamente, ao que se poderia pensar há muita química, sendo que a sua produção envolve muita energia e a utilização de materiais tóxicos. Uma grande preocupação dos químicos é o desenvolvimento de métodos eficientes e limpos de obter energia. As células fotovoltaicas de Gratzel são feitos de pigmentos orgânicos, muito mais económicos que a sílica, e são uma alternativa promissora a esta, logo que se consigam desenvolver células mais duráveis.

Um loureiro é uma árvore bastante comum que não deve ser confundido com o louro-cerejo. As suas folhas são muito usadas em culinária e estão referenciadas como tendo actividade anti-bacteriana, anti-fúngica, insecticida e anti-inflamatória, entre outras, mas muitos dos compostos que contêm podem ter efeitos adversos. Nas suas folhas podemos encontrar vários terpenóides comuns a outra plantas que vamos encontrar no passeio: eucaliptol, alfa-pineno e canfeno. O seu cheiro característico é dados pela mistura complexa de dezenas destes compostos.
Paramos junto a uma olaia. Qualquer que seja a planta já um químico, um bioquímico, ou um farmacêutico, procurou identificar os seus constituintes e ver se têm algum princípio activo. Havia em 2011, 54 milhões de compostos químicos registados e todos os minutos são descobertos mais de uma dezena! Em Dezembro de 2017 estão registados mais de 134 milhões! Com os conhecimentos e métodos  que se tem hoje é relativamente fácil, embora por vezes trabalhoso, fazer a caracterização química desses compostos. A sua estrutura e grupos químicos dão boas indicações sobre a possibilidade de terem actividade biológica relevante, mas o primeiro teste indicativo é o estudo da interacção com diferentes tipos de células em laboratório.   
A partir dos frutos do medronheiro faz-se muitas vezes aguardente de medronho. O fruto sofre fermentação ao abrigo do contacto com o ar formando-se etanol (na presença de oxigénio forma-se ácido acético). Uma vez terminada a fermentação, o material resultante é destilado obtendo-se a aguardente. Trata-se de um processo que origina por vezes mais metanol  do que o aceitável  (menos de 1% do álcool puro obtido). Por isso as análises e a produção regulada são muito importantes, já que o metanol é venenoso, podendo causar cegueira e morte.  Como não poderia deixar de ser, foi já identificada capacidade antioxidante e neuro-protectora nos frutos do medronheiro. Esse resultado é bastante comum para os frutos e plantas e por si só não é indicador de grandes benefícios para a saúde como certas pessoas, nomeadamente naturopatas, sem treino científico sério, procuram assinalar de forma tendenciosa tomando como base a literatura científica.

Arcos de Valdevez e o Padre Himalaya

Arcos de Valdevez é uma vila muito bonita do Minho. Para além das belezas naturais e edificadas, da história e da gastronomia, é muito feliz a evocação do padre Manuel António Gomes (1868-1933) que ficou conhecido como Padre Himalaya (e assim assinava). Natural do concelho, o Padre Himalaya, foi um cientista e inventor reconhecido internacionalmente que embora nas últimas décadas se tenha tornado mais conhecido em Portugal, deveria sê-lo mais.

Atribui-se ao Padre Himalaya a introdução do interesse pela energia solar em Portugal, assim como são valorizados os seus escritos sobre o vegetarianismo e a naturopatia, mas há muito mais para dizer sobre esta personalidade genial e multifacetada, estudioso e experimentador insaciável, em boa parte autodidata, com ideias originais e visionárias, por vezes singulares, autor de um elevado número de patentes de mecânica, química e física e de textos (alguns ainda inéditos) sobre as mais diversas matérias.

Os engenhos solares que o Padre Himalaya construiu e que foram muito elogiados e premiados em exposições internacionais tinham como objectivo inicial a possibilidade de obtenção de adubos sintéticos através de altas temperaturas que fizessem o nitrogénio do ar reagir com o oxigénio e originar óxidos de azoto e desses obter os nitratos facilmente utilizáveis pelas plantas. As possibilidades de aplicação da energia solar são, como sabemos hoje, muito mais vastas, mas a fixação do nitrogénio do ar para obter fertilizantes sintéticos e dessa forma melhorar a agricultura e acabar com a fome era um sonho quase tão antigo como a descoberta deste elemento. O problema  acabou por ser resolvido através do Processo de Haber-Bosch, mas as ideia e contribuições do Padre Himalaya são também importantes para a história dessa demanda.

Tudo parece interessar ao Padre Himalaya, mas as suas raizes e as recordações da vida rural conduzem-no naturalmente aos aspectos práticos da agricultura, ao amor pela natureza, à naturopatia e à ecologia. Com recomendação do químico e fundador da Sociedade Portuguesa de Química, Ferreira da Silva, e contando com o apoio de várias mecenas, o Padre Himalaya estudou em Paris e mais tarde nos Estados Unidos. Entre os seus inventos químicos, contam-se explosivos, nomeadamente o que ficou conhecido por himalaíte e teve relevância industrial e comercial. As suas cartas têm muitos conselhos práticos de química e agricultura e de referências a medicamentos naturais e derivados de naturais que vai inventando, num tempo em que os testes clínicos ainda não existiam.

As preocupações ecológicas do Padre Himalaya são ainda muito actuais, mas as suas ideias naturopatas radicais e a recusa dos medicamentos químicos, assim como a falta de entendimento que denota da sua acção, podem parecer actuais num mundo que em parte glorifica estas ideias, mas estão claramente datadas e são baseadas em percepções e experiências claramente erróneas. Nomeadamente, num dos seus escritos, refere que o chá de uma planta tinha melhores efeitos para a varíola que a vacina! Obviamente, não há génios que não tenham em algum momento errado.

Continuando em Arcos de Valdevez, vale a pena conhecer os espigueiros do Soajo, aproveitando para evocar os processos tradicionais agrícolas e meditar sobre as muitas relações entre a beleza, a pobreza e a miséria, lembrando por exemplo as palavras terríveis de Eça de Queirós: A população dos campos, arruinada, vivendo em casebres ignóbeis, sustentando-se de sardinha e de ervas, trabalhando só para o imposto por meio de uma agricultura decadente, leva uma vida de misérias, entrecortada de penhoras. E pensar de forma desapaixonada sobre as possibilidades estatísticas de ter em larga escala, para alimentar a população actual, os processos que nos parecem belos, mas são claramente pouco eficientes, envolvendo trabalho manual e animal árduo, assim como a erosão dos solos e uma produtividade baixa e imprevisível. Males que o Padre Himalaya queria evitar.

Imagens: painel do Turismo de Arcos de Valdevez e escultura alusiva ao Padre Himalaya de José Rodrigues na entrada da vila.

Referência
Padre Himalaya. Antologia com textos inéditos. Introdução e selecção de Jacinto Rodrigues e Rosa Oliveira. Município de Arcos de Valdevez, 2013.