Passeio químico nas salinas da Figueira da Foz [Chemical trail in Figueira da Foz salterns]

[Fui convidado para participar numa oficina relacionada com o projeto Quinta Ciência Viva do Sal e o espaço da Salina do Corredor da Cobra na Figueira da Foz. Tinha algumas fotografias antigas e com algumas novas que fiz no fim de semana passado elaborei um primeiro esboço de um passeio químico]

As salinas tradicionais são um local onde a solubilidade de sais, tratada nas Aprendizagens Essenciais (AE, o "programa") de Química do 11º ano, é muito importante. Como já referi, a propósito das salinas de Rio Maior, a água salgada sofre evaporação e vai ficando com maiores concentrações dos sais, os quais precipitam ao longo dos vários tanques pelas suas ordens de solubilidade. Nos primeiros tanques precipitam os hidróxidos de ferro, seguindo-se os carbonatos e os sulfatos, que ficando no "sal" dariam cor e mau sabor. No final ficam os cloretos e o ião sódio, mas também, em muito menor quantidade, outros iões negativos e positivos. Quando se atinge cerca de 36% (para temperaturas aproximadamente entre 0 e 20 ºC) [corrijo, ver (1)], em massa de cloreto de sódio por massa de solução, este começa a precipitar e forma-se o conhecido “sal”. Devemos notar aqui que não há nada "infinitamente" solúvel, mesmo as coisas que são muito solúveis como o "sal". 

Numa primeira fase, este forma-se "sal" à superfície, sendo prontamente recolhido e sendo denominado “flor de sal”. Tem, além de vários iões, uma quantidade razoável de água. Isso até é bom, pois quanto menos concentrado for o “sal” melhor será para a saúde. Além de água o “sal” tem vários outras moléculas de origem biológica que muitos consideram relevantes, mas a sua quantidade é muito pequena. Devemos notar duas coisas: primeiro, que a soma das concentrações dos iões negativos com a dos os iões positivos (multiplicadas pelas suas cargas) deve ser nula; já tinha referido isso no texto sobre Rio Maior, sendo conhecido por balanço de cargas; e segundo, que a precipitação e a cristalização são formas de purificação, por isso o “sal” fica bastante livre de impurezas e materiais que não seja o “sal.”  

Nas salinas, nos tanques mais remotos, notamos partes mais castanhas onde o ferro precipitou e mais cinzentas ou brancas onde julgo que precipitem os carbonatos e os sulfatos de cálcio e magnésio. Notam-se também zonas mais cinzentas nas águas. Na parte que nos interessa, encontramos montes de “sal” já purificados.

Também referi no texto de Rio Maior, que os cloretos formam iões e complexos muito solúveis com todos os metais, em particular com o ferro. Assim, os problemas de corrosão são críticos nas salinas, sendo os objetos tradicionais feitos de madeira. Hoje em dia é também usado aço inoxidável, mas mesmo esse acaba por ser atacado pelos cloretos.

Referi que o “sal” começa a precipitar a cerca de 36% (m/m) mas no mar a concentração de sais é já bastante alta: cerca de 3.5% (m/m). Ora, tendo o nosso corpo e o dos outros animais e plantas, concentrações de sais inferiores (nós temos cerca de 0.9% (/m)) beber água salgada não “mata a sede” antes a aumenta, pois beber água salgada aumenta a concentração de sais e as células vão libertar água para baixar a pressão osmótica exterior ao procurarem equilibras as pressões. De forma mais detalhada podemos notar que esta pressão é, numa boa aproximação, proporcional à concentração de sais e sendo assim as concentração de sais mais elevada no exterior as células vão libertar água para procurarem equilibrar a pressão. Mas há plantas que aprenderam a viver com essa questão, como a salicórnia, para além dos peixes de água salgada. A salicórnia, e outras plantas halófitas, desenvolveram mecanismos para enfrentar esta questão. Por exemplo, acumulando sais nas suas folhas podem obter água do solo se esta tiver uma concentração menor de sais, usando a pressão osmótica a seu favor. Por tudo isto se vê que os conhecimentos básicos são importantes para todos, em particular para os futuros biólogos. Uma curiosidade: a salicórnia, tão valorizada em Portugal parece ser uma praga nos Países Baixos.

A entrada de água nos tanques e controlada pela maré, penso eu. Além disso, o sal tradicionalmente era transportado de barco, os quais chegavam até perto do local através de canais. Quando visitei o local, estava maré baixa, e via-se um esqueleto de um antigo barco afundado. De um lado e do outro do caminho havia imenso funcho. É muito curioso como as plantas se organizam e colonizam os espaços fazendo "guerra química" umas às outras. No caso desta planta, os seus óleos são constituídos por um conjunto muito grande de moléculas das quais destaco a tujona, que está associada aos efeitos do absinto. 

Nestas zonas há uma grande concentração de aves marinhas de diferentes espécies que podem ser observadas e fotografadas. Não deixa de ser curioso que, um lugar que se pensa ser tão agreste, acabe por propiciar fontes de alimento e abrigo. 

Uma das coisas que me tinham chamado a atenção quando visitei o local foi a instalação fabril da efpbiotek. Na altura que estive lá, não investiguei mais mas fiquei com a ideia de que fariam refinamento de sal. Agora, através da Internet e e da página web da empresa pude fazê-lo e verifiquei que é muito mais do que isso. A sigla “efp” vem de Empresa Figueirense de Pescas, uma empresa que já existe deste o principio do século XX, desde 1912, mas agora acrescentou “biotek” e produzem cosméticos, medicamento, nutrientes e outras coisas a partir de produtos marinhos e de outros materiais. 

Segundo li nessas referências via Internet, a efpbiotek é lider na produção de esqualeno, C30H50, a partir de peixe e azeite. Trata-se de uma molécula antioxidante isoprenóide (os isoprenos são moléculas que pode ser consideradas “construídas” a partir do isopreno, C5H8) que está presente no óleo de fígado de bacalhau e é produzido e muito útil para os organismos superiores. Tem também outros produtos, como um equivalente da lonolina (o óleo que se pode extrair da lã de ovelha).  No local, o cheiro não é grande coisa, mas é muito localizado. Embora tenham muitas referências à sustentabilidade e eu acredite nelas (cada vez mais a indústria sabe que não pode agir de outra forma). 

[atualização depois de ter participado na oficina]

Na oficina estava bastante gente e aprendi muitas coisas. Foi unânime que era fundamental, para o sucesso do projeto,  envolver os parceiros locais de toda a zona do "salgado" (é assim que se referem a este sistema complexo de pessoas e atividades ligadas ao sal e ao mar). Não estava ninguém da efpbiotek (disseram-me que foram convidados mas que não puderam vir por dificuldades de agenda), mas pareceu-me que esta empresa será um parceiro importante a considerar e deverá insistir-se. Estavam produtores de sal da ilha da Morraceira e responsáveis da aquicultura da Figueira Fish e da produção de ostras na mesma ilha. Finalmente, estavam pessoas ligadas ao turismo de vários segmentos e bastantes investigadores e divulgadores de ciência.     

(1) Isto corresponde a cerca de 36 gramas por 100+36 g de solução, pois a solubilidade é muitas vezes apresentada como sendo a massa do soluto em gramas por 100 gramas de água (ou seja 36 g de NaCl por 100 g de água). Muitas vezes é usada a escala Baumé (é essa que está no Ecomuseu da Figueira da Foz, onde decorreu a oficina) que pode ser medida com base na densidade com aparelhos calibrados. Nessa escala, estes valores correspondem a cerca de 32 ºBe. Finalmente, podemos ter uma estimativa da massa por volume de solução se soubermos que a densidade desta solução é cerca de 1.3 g/mL, obtendo-se assim 20% (m/v). São bastantes valores, mas penso que o mais intuitivo é a massa do soluto que podemos dissolver numa determinada massa de água.  

[Verified semi-automatic translation]

[I was invited to participate in a workshop related to the Quinta Ciência Viva do Sal project and the Salina do Corredor da Cobra space in Figueira da Foz. I had some old photographs, and with some new ones that I took at the last weekend, I created a first draft of a chemical walk]

Traditional salterns are places where the solubility of salts, treated in the Apredizagens Essenciais (AE, the Learning Essentials, the syllabus in Portugal) of Year 11 of Chemistry, are very relevant. As I already mentioned, regarding the Rio Maior salterns, the salt water undergoes evaporation, ending up with greater concentrations of salts, which precipitate along the various tanks due to their solubility orders. In the first tanks, iron hydroxides, followed by carbonates and sulfates, which, remaining in the "salt", would give color and noxious flavors. In the end, there are the usual chlorides and sodium ions, but also, in much smaller quantities, other negative and positive ions. When it reaches around 26% (for temperatures approximately between 0 and 20 ºC) [correction, see (1)], in the mass of sodium chloride (NaCl) per mass of solution, it begins to precipitate, and the “salt” is formed. We should note here that nothing is "infinitely" soluble, including things that are very soluble like "salt".

In the first phase, “salt” forms on the surface, being promptly collected and a material called “flor de sal”. It has, in addition to several ions, a reasonable amount of water. This is, actually, a good thing, as the less concentrated the “salt” is, the better it will be for your health. In addition to water, “salt” has several other molecules of biological origin that many consider relevant, but their quantity is small. We must note two things: first, the sum of the concentrations of negative ions and positive ions (multiplied by their charges) must be null; This, known as charge balance, I had already mentioned in the text about Rio Maior; and second, that precipitation and crystallization are forms of purification, so the “salt” is in part free from impurities and materials other than “salt.” Nevertheless, rigorous analysis should be done.

In the salterns, in the most remote tanks, we noticed browner parts, where the iron precipitated, and grayer or whiter parts where, I think, calcium and magnesium carbonates and sulfates precipitate. Grayer areas can also be seen in the water. Nearer, we find piles of “salt” already purified.

I also mentioned in Rio Maior's text that chlorides form very soluble ions and complexes with metals, and in particular with iron. Therefore, corrosion problems are critical in salterns, with traditional objects being made of wood. Nowadays, stainless steel is also used, but even this ends up being attacked by chlorides.

I mentioned that the “salt” starts to precipitate at around 26% (m/m) but in the ocean, the concentration of salts is already quite high: around 3.5% (m/m). Now, since our body and that of other animals and plants have lower concentrations of salts (we have around 0.9% (/m)), drinking salt water does not “quench your thirst” but increases it, as drinking salt water increases the concentration of salts and the cells will release water to lower the external osmotic pressure as they seek to balance the osmotic pressures. We can note that this pressure is, in a good approximation, proportional to the concentration of salts, and, therefore, with a higher concentration of salts outside, the cells will release water to try to balance the pressure. However, some plants have learned to live with this issue, such as Salicornia, in addition to saltwater fish. Salicornia, and other halophyte plants, have developed mechanisms to address this issue. For example, by accumulating salts in their leaves they can obtain water from the soil if it has a lower concentration of salts, using osmotic pressure to their advantage. From all this, we can see that basic knowledge is relevant for everyone, particularly for future biologists. A curiosity: Salicornia, so highly valued in Portugal, appears to be a pest in the Netherlands.

The entry of water into the tanks is controlled by the tide, I think. Furthermore, salt was traditionally transported by boat, which arrived close to the site through canals. When I visited the site last week, it was low tide, and the skeleton of an old sunken boat was visible. On both sides of the path, there was a lot of fennel. It is very curious how the plants organize themselves and colonize spaces by carrying out "chemical warfare" on other species. In the case of this plant, its oils are made up of a very large set of molecules, including thujone, which is associated with the effects of absinthe.

In these areas, there is a large concentration of seabirds of different species that can be observed and photographed. Curiously, a place that is thought to be so harsh ends up providing sources of food and shelter.

One of the things that caught my attention when I visited the place was the efpbiotek manufacturing facility. The first time I was there I didn't investigate further, but I got the idea that it was a refining salt factory. Now, through the Internet and the company's website, I was able to do it, and I realized that it is much more than that. The acronym “efp” comes from Empresa Figueirense de Pescas, a company that existed since the beginning of the 20th century (1912) but now has added “biotek” to the name and produces cosmetics, medicines, nutrients and other things from marine products and other materials.

According to what I read in these references, efpbiotek is a leader in the production of squalene, C30H50, from fish and olive oil. It is an isoprenoid antioxidant molecule (isoprenes are molecules that can be considered “built” from isoprene, C5H8) present in cod liver oil and is produced and is very useful for higher organisms. It also has other products, such as an oil similar to lanolin (the oil that can be extracted from sheep's wool). At the location, the smell isn't a big deal, but it is very localized. Although they have many references to sustainability and I believe in them (increasingly, the industry knows that it cannot act otherwise), i need to know more.

[update after having participated in the workshop]

There were a lot of people in the workshop and I learned a lot of things. It was unanimous that it was essential, for the project's success, to involve local partners from the entire "salty" area (this is how they refer to this complex system of people and activities linked to salt and marine production). No one from efpbiotek was there (the organizers told me that it was invited, but couldn't come due to scheduling difficulties). Nevertheless, it seemed to me that this company would be a relevant partner to consider and should be insisted on. There were salt producers on the island of Morraceira a person from Figueira Fish (aquaculture) and another from the oyster production on the same island. Finally, there were people linked to tourism from various segments and many researchers and science communicators.

(1) This corresponds to about 36 grams per 100+36 g of solution, as solubility is often presented as the mass of the solute in grams per 100 grams of water (i.e. 36 g of NaCl per 100 g of water ). The Baumé scale is often used (this is the one in the Ecomuseum of Figueira da Foz, where the workshop took place) which can be measured based on density with calibrated devices. On this scale, these values ​​correspond to around 32 ºBe. Finally, we can estimate the mass per volume of solution if we know that the density of this solution is about 1.3 g/mL, thus obtaining 20% ​​(m/v). There are many values, but I think the most intuitive is the mass of the solute that we can dissolve in a given mass of water.

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