Passeios químicos em Nova Iorque [Chemical Trails in New York]

[Estive em Nova Iorque em 2018, andei dezenas de quilómetros e fotografei muitas coisas. Há anos que tenho o projeto de escrever um Passeio Químico baseado nessa experiência, mas, por uma razão ou outra, ainda não o tinha feito. A cidade é incrível, com o extra de uma parte já termos visto em filmes. Ficámos ao lado do Central Park e do Museu de História Natural. Foi fantástico! Como me disse um amigo americano: é uma cidade onde “carregamos as baterias e alargamos horizontes” (sem temer os lugares comuns). Estou a ouvir gravações do “Atlas Obscura” e uma das mais interessantes é sobre uma antiga estação de metro (https://www.atlasobscura.com/articles/podcast-old-city-hall-station). Fui para a cidade a ler o “Manhattan transfer” de John dos Passos que relata também esses tempos do início do metro, no princípio do século XX. Quem foi a Nova Iorque, em particular a Manhattan, sabe que é um experiência inesquecível. Não só em relação aos lugares, mas também às pessoas. Tivemos interações excelentes. Por exemplo, quando nos pediram a morada para receber auscultadores (dos grandes) para participar numa festa silenciosa junto ao Rio Hudson sem barulho no exterior, demos a morada de Portugal: “não há problema” - disseram! Ou as muitas vezes em que as pessoas se voltavam para trás nas filas e falavam connosco. Ou as entradas nos museus “pay what you wish” e, nós, portugueses, só pagávamos um dólar, sem que isso fosse problemático. Ou o empregado de uma loja que, ao ver que estávamos a comprar uma pechincha, saiu do seu lugar e foi para a fila para comprar também! Ou a voluntária do High Line que brincou com a forma como olhei as imagens. Ou o guarda de um museu que falou comigo de forma irónica sobre as opções do diretor, quando um quadro famoso estava a ser levado mesmo à minha frente.  São tantas as boas recordações que poderia ficar a falar sobre isso horas. E provocou tantas alterações em mim, que quase poderia dizer que “mudou a minha vida”. Vou aqui escrever essencialmente sobre as coisas que vi e relacionei com a Química.]

Comecemos pelo crescimento de Nova Iorque. Quase toda a gente já ouviu falar de “Wall Street” (que começou mesmo com uma parede) ou da ilha de Manhattan, comprada aos índios e holandeses. Isso ocupa uma ou duas páginas nos guias. Mas o crescimento enorme da cidade deve-se em grande parte a um canal - o Erie Canal - que liga o rio Hudson aos Grandes Lagos, mas que, em geral, ocupa um pequeno espaço nos guias. A cidade ficava numa posição estratégica, e, com a construção desse canal, que tem 584 quilómetros, entre 1817 e 1825, as matérias-primas e manufaturas puderam ser transportadas mais facilmente. Pode imaginar-se a quantidade de explosivos usados na sua construção e os trabalhadores envolvidos, que chegavam ao porto de Nova Iorque. Também os negócios que fizeram crescer a cidade estão hoje quase esquecidos, como os das peles e do tratamento do couro. Mas desses tempos ainda temos memórias locais, como a denominação “Fur District”. 

Para além disso, há um conjunto de fatores que fizeram com que se pudesse construir em altura (os conhecidos “arranha-céus”) em Nova Iorque e, em particular, na Ilha de Manhattan (e isto não termina; quando lá estivemos havia bastantes prédios em construção): o solo é rochoso e muito estável para aguentar o peso, além de ser pouco sísmico. Além disso, a invenção de formas de construção baseadas numa estrutura central de ferro, sendo à sua volta colocados placas e tijolos relativamente leves - foi essa caraterística que, em condições normais, permite uma grande flexibilidade e segurança, mas, em condições extremas, permitiu deitar a baixo completamente as torres gémeas no atentado de 11 de setembro de 2001. Podemos ainda ver, em vários locais, prédios mais antigos que usavam outras formas de construção e tinham muito menos andares.  

Com toda esta densidade de prédios e proximidade entre edifícios, evitar os incêndios e a sua propagação é fundamental. Por exemplo, as janelas entre edifícios contíguos são rigorosamente planeadas e todos os prédios têm reservatórios de água no cimo com bocas de saída em baixo. Uma características inusitada destas é que são muito artísticas e bem visíveis. De facto, não parecem existir dois hidrantes iguais em Nova Iorque, os quais estão sempre aos pares. Como referi, numa cidade tão densamente povoada e com edifícios tão altos, a segurança aos incêndios tem de ser muito estrita. Também, os reservatórios de água no cimo dos prédios mais antigos têm um ar característico. São de tábuas de madeira com aduelas de ferro, como grandes pipas de vinho, mas direitas, com telhados cónicos.

O primeiro lugar que visitámos foi o Central Park e o Edifício Dakota onde viveu John Lennon e Yoko Ono pois estávamos perto. Neste edifício, no exterior (não pudemos entrar, claro) havia lâmpadas de gás, algo que nunca tinha visto a funcionar. A iluminação das grandes cidades, no século XIX, era feita usando gás que ardia nos bicos dos candeeiros, penso que deste tipo. No Central Park fica o lugar, muito visitado, onde John Lennon foi assassinado, o qual, denominado “Strawberry Fields”, é uma estrutura no chão, de calçada, com pedras brancas e pretas de calcário (CaCO3, com as pedras pretas com materiais carbonáceos). No Central Park chamou-me anda a atenção a vegetação que me parecia diferente da Europeia, as várias estátuas (li depois que em Nova Iorque há um número muito reduzido de mulheres em estátuas, o que não deixa de ser curioso) e os arranha-céus que se veem do parque. 

Rumámos em seguida para o edifício das Nações Unidas. Foi neste que dei conta, pela primeira vez, dos “17 objetivos da sustentabilidade” que tinham sido aprovados em 2015 pelas Nações Unidas e que agora estão por todo o lado. Neste edifício reparei ainda nas sebes de teixo (que vi depois noutros lados) e nas obras de arte oferecidas por muitos países. O teixo é muito venenoso, só sendo comestíveis as suas bagas, que os pássaros comem. Já contei a história do medicamento  paclitaxel (taxol), obtido do teixo, várias vezes, mas penso que poderei contar outra vez, com mais alguns pormenores. Nos anos setenta do século XX, foi estabelecido um programa governamental americano muito grande para combater o cancro. Na altura achava-se que em cinco anos seria descoberta cura. Não foi assim, mas foram encontradas muitas moléculas eficazes para o combater. Em particular, no tronco de um teixo raro foi descoberta    uma molécula eficaz contra alguns tipos de cancro. Um problema é que seriam necessárias toneladas de troncos para obter um grama. A solução encontrada foi obter uma molécula semelhante das folhas do teixo vulgar e fazer algumas modificações químicas para obter a molécula eficaz. Este foi um caso muito particular, mas em geral pode ser mais sustentável obter as moléculas ativas, mesmo que naturais, ou no laboratório, ou fazendo modificações em moléculas mais fáceis de obter. 

Há muitas empresas que têm sede ou delegações em Nova Iorque, claro, mas chamou-me a atenção o edifício da Pfizer, que há décadas é a maior empresa farmacêutica de mundo. Mas tudo tem uma origem, e a Pfizer começou por ser pequena empresa que participou, durante a Segunda Guerra Mundial, num grande programa de produção de penicilina. Esta empresa desenvolveu métodos de produção de penicilina em tanques, onde se podia controlar a temperatura, tendo destaque Margaret Hutchinson Rousseau (1910-2000), a primeira membro da American Institute of Chemical Engineers, tendo conseguido produzir a molécula em grande quantidade para esta estar disponível para os soldados em 1943. Durante a guerra, a penicilina era apenas de uso militar, o que gerou tráficos, e foi apenas disponibilizada para uso civil em 1945.     

Ficámos fascinados com o tamanho e beleza da Grand Central Station, onde almoçamos e bebemos cerveja local. Chamou-me a atenção as cervejas aqui mais consumidas serem IPA (Indian Pale Ale) e por isso bastante amargas. Esse sabor é devido os compostos presentes no lúpulo e há uma teoria de que os americanos se habituaram a essa cerveja pois estas não eram fabricadas localmente, quando a América era uma colónia Inglesa, e para não se estragarem na viagem usavam esse excesso de lúpulo. Não se é verdade ou não, até por já ter passado séculos, mas parece-me uma boa possibilidade.  A estação é de 1913, tendo no teto desenhadas mais de 2500 estrelas e sendo realçadas as constelações.  

De seguida fomos à Biblioteca Pública de Nova Iorque.  Esta biblioteca em 2018 era mesmo pública, pois podiamos entrar livremente em muitos sítios, consultar os livros e visitar os arquivos (parece que em 2024 já não é assim). Havia um sítio com algumas restrições devido a um teto muito fotografado por turistas. O meu filho mais novo, sentou-se e consultou b´astantes livros – que é para isso que as bibliotecas servem. O tamanho e a pedra de que é feita impressiona. Foi usado o mármore branco (rocha metamórfica, essencialmente CaCO3 exposto a altas temperaturas)  tanto para os elementos arquitetónicos (paredes, tetos e chão) como decorativos, proveniente das montanhas Dortset, em Vermont, a mais de 300 quilómetros da cidade, tendo sido rejeitado cerca de 65% do mármore pelo arquiteto. Demorou cerca de dez anos a ser construida (a primeira pedra foi colocada em 1902), ocupando o lugar de uma velha cisterna e ficou bastante cara, mas foi acolhida com grande entusiasmo: mais de 50 mil pessoas estiveram presentes na sua inauguração em 1911! É uma excelente imagem: a da biblioteca como palácio, também tentada uns séculos antes em Portugal, mas com êxito e objetivos mais limitados, infelizmente. Uma coisa que me chamou a atenção nas fotografias foram as “frases motivacionais” que em Coimbra também temos na Biblioteca Joanina. O edifício inicial usava cerca de 20 toneladas de carvão por dia para aquecimento e na altura de mais afluência (inverno de 1929) chegavam a estar mil pessoas na sala principal, tendo em 30 de dezembro de 1929 sido requisitados quase nove mil livros!     

Depois de irmos à Times Square, onde a minha filha queria ir a uma grande loja da M&M. Fomos acabar o dia no Bryant Park, onde a Metropolitan Opera estava a fazer uma recolha de fundos, apresentando algumas áreas de ópera. A cerveja era caríssima e só se podia beber em sítios bem determinados, mas valeu a pena estar deitado na relva, rodeado de arranha-céus, ao fim da tarde, a ouvir cantar bem e a beber cerveja. Li num guia que, por debaixo do parque, fica o deposito dos milhões de livros da biblioteca pública de Nova Iorque. Não deixa de ser curioso. 

No dia seguinte andámos muito e por variados sítios. Passámos por uma montra que me chamou a atenção e fotografei a frase “we are not designed to eat chemicals”. Parece óbvio, mas o que eles querem dizer é que não somos feitos para comer químicos nocivos, pois as coisas mais naturais e boas (também as há más e perigosas, como os venenos das plantas), têm sempre químicos, só que naturais e não nocivos. Algumas destas, por mais naturais que sejam, têm além disso químicos naturais adicionados e são processadas o suficiente (imagine-se comer batatas cruas e sem sal). Não precisamos ir a Nova Iorque para encontrar este tipo de mensagens, mas por aqui se vê como são falaciosas e globais estas mensagens. 

Fomos almoçar na pizzaria mais famosa de Nova Iorque (Pizzaria Ray’s) onde já comeram muitas estrelas (está cheia de fotografias). As pizzas eram muito boas, mas o que me chamou mais a atenção foi o queijo: muito branco e pouco espalhado. Obviamente, não é o que é conhecido como “queijo americano”. O queijo americano mais comum é amarelo e é usado usado nas sandes mais famosas do mundo, mas li que também havia branco (mas não tão branco como o da pizza). Antes de 1916, o “queijo americano” era queijo feito na América, ouvi numa gravação do “Atlas Obscura”. Depois, por um processo inventado em 1916, o qual envolve o uso de citrato de sódio para que a gordura do queijo não se separe ao ser pasteurizado a 66ºC, apareceu o “queijo americano”. Só agora reparei nisso ao preparar este texto e ao ouvir a gravação referida do “Atlas Obscura”.

Visitámos de tarde a “Frick Collection”. Henry C. Frick (1849-1919) foi um dos “magnatas ladrões” (“robber titans”) da geração de Carnegie, Rockefeller e J.P. Morgan, que conduziu os seus negócios do aço com mão de ferro, mas jogou o jogo da imortalidade dos ricos com bastante sucesso. A sua casa e coleção de arte oferecidas à nação, da qual constam importantes nomes da pintura, perpetua o seu nome. Um livro com a sua biografia é "Meet you in hell". Além dos quadros, é interessante a casa e o jardim, onde havia cadeiras de pano para nos sentarmos, e estava muitas pessoas a aproveitar o fresco. Era final de agosto e Nova Iorque Iorque estava muito quente. 

No dia seguinte começamos com o Rockfeller Center. Na sua base havia uma feira de produtores locais, essencialmente de vinho e bebidas alcoólicas. Foi muito agradável falar com as pessoas. Em particular, tive uma interessante conversa, acompanhada por provas de vinhos, com uma produtora de Rhode Island. Comprei também uma vodka de batata de 100 mL que podia ser levada no avião (que ainda não foi bebida). Estes e outros edifícios da cidade são majestosos, com entradas grandiosas. Por exemplo, no interior do edifício Rockefeller, há frescos de Jose Maria Sert (espanhol 1876 – 1945), sendo que um destes tem o título de “Conquest of Disease” (1933) e refere-se às vacinas, em particular à da varíola, segundo li mais tarde, pois não reparei com tanta atenção. Há outros frescos com títulos relativos à passagem do tempo, abolição da guerra e da escravatura e à fraternidade humana. Ainda no edifício, o material em que é feito um alto relevo intrigou-me. Parecia acrílico ou fibra de vidro, mas estes ainda não tinham sido inventados. São 45 placas de vidro de borossilicato (Pyrex) aqui convocado para uma imagem de estética fascista do progresso industrial, “Youth Leading Industry” (1936) de Attilio Piccirilli (americano, nascido italiano, 1868 - 1945). Por cima, “Commerce and Industry with a Caduceus” (1936) também de Attilio Piccirilli com o colorista Leon Solon  (americano, nascido italiano, 1868–1945).

Durante a manhã fomos ainda ao “Intrepid Museum”. Este museu está localizado num porta aviões (com esse mesmo nome – “Intrepid”) que entrou no rio Hudson, encalhou e nunca mais saiu. Está cheio de coisas enormes, como um vaivém espacial (o “Enterprise”) e tem uma grande exposição de aviões de todas as épocas e tamanhos. A partir deste pode também visitar-se um antigo submarino nuclear. São muito interessantes as coisas que eram usadas no submarino para a sua autonomia: absorvente de dióxido de carbono (CO2) de hidróxido de lítio (LiOH) e destiladores de água, por exemplo.

Almoçamos no Gotham Market na Hell's Kitchen. Boa fast food lenta, como escrevi noutro lugar. Com uma fila de torneiras para encher os copos com água. Como é bem sabido, as águas da torneira são de boa qualidade e seguras. Numa cidade tão grande o abastecimento e controlo da água é complexo (ver abaixo) e tem de ser muito rigoroso.

Acabamos por fazer um passeio de barco no rio Hudson que nos permite ter uma panorâmica da cidade e ver os seus telhados e depósitos antigos. Passamos também perto da Estátua da Liberdade que como bons habitantes de Nova Iorque não visitámos. De qualquer forma, é impressionante como o cobre do bronze se cobre daquele óxido verde.  No passeio passámos também por muitas construções enormes que me pareceram centrais elétricas antigas (uma delas é muito famosa pois é capa de um disco) e incineradoras antigas e e novas. Também essas construções são admiráveis na minha opinião. Há um Ferry Boat gratuito que leva a Staten Island que permite ter uma panorâmica semelhante da Estátua da Liberdade, mas acabámos por não fazer.  

Adorámos os jardins da “High Line”, uma antiga linha de comboio elevada, onde agora estão instalados jardins, assim como o conceito. As plantas, em particular, as ervas, não são tanto semeadas e plantadas, mas controladas para evitar que umas se sobreponham às outras. Havia no seu início um jardim preparatório mais selvagem, onde pela primeira vez vi sumagre, um arbusto que era usado pelos seus taninos para curtir o couro. Depois encontrei-o noutros sítios, em particular, em Portugal, que chegou a ser um exportador importante de sumagre. Mas é uma planta comum em Nova Iorque, referida, por exemplo, em “Manhattan transfer”. Só agora pensei que talvez fosse cultivada para o tratamento das peles que foi um aspeto importante da economia de Nova Iorque no século XIX, ou, então, se tivesse disseminado com as sementes que vinham com o sumagre importado. De qualquer forma, não é conhecido que em Portugal sejam feitas infusão desta planta, mas em Nova Iorque havia bastantes anúncios a infusões desta. 

Na zona da High Line, situavam-se antigos matadouros de Nova Iorque, mas já não há nenhuma memória, que eu tenha reparado, para além do nome ("Meatpacking District"). A própria linha de comboio desativada e transformada no jardim servia para o transporte de carne. Hoje em dia, as coisas são muito mais asséticas e invisíveis, mas imaginemos como seria e o cheiro que teria há um século. Todas as cidades grandes tinham estes serviços, que, com os anos, se tornaram obsoletos e insalubres. Um dos últimos da cidade do Porto, em Portugal, está neste momento em obras para ser um complexo cultural, um matadouro de Madrid já é, e um de Berlim ainda julgo que esteja abandonado.

Ali perto fica o famoso “Chelsea Hotel” que estava em obras e não pudemos visitar. Obviamente, várias coisas que fizemos em Nova Iorque foi visitar lugares emblemáticos, como já tenho referido. E este era claramente um deles para nós. Viveram neste hotel em algum momento das suas vidas, Mark Twain, Dylan Thomas, Arthur Miller, William Burroughs, Allen Ginsberg, Timothy Leary e Charles Bukovski, além dos músicos Jimi Hendrix, Janis Joplin, Bob Dylan, Mick Jagger, Patti Smith, Sid Vicious, Iggy Pop, Leonard Cohen e Madonna, entre outros. Mas acabaram por ser as ligações de alguns destes ao mundo das drogas, o qual se colou ao mundo da música a partir dos anos 1960, que me fez pensar na imagem irónica e redutora dos “químicos” como drogas recreativas. Talvez seja esticar muito as relações, mas vejamos: o slogan da DuPont, dos anos 1930, “Better living and better things … trough chemistry” tornou-se nos anos 1960 a forma irónica “better living through chemistry” associado à cultura beat e hippie de que uma parte dos ocupantes do hotel que nomeei foram representativos. Entretanto, Timothy Leary e outros frequentadores do “Chelsea Hotel” tiveram um impacto bastante grande a tornar populares as drogas psicadélicas, a quais são agora de novo uma das novas esperanças da Psiquiatria.

Adorámos o “Museum of Modern Art” (MoMa). Uma amiga química que trabalhava nos serviços científicos do museu ofereceu-nos os bilhetes, os quais tinham o extra de podermos entrar mais cedo uma hora. Quando entrámos só estavam convidados e Amigos do Museu e durante essa hora pudemos ver as coisas com mais calma. Havia várias grandes exposições, além das obras de arte emblemáticas. Em particular, passámos muito tempo a admirar as obras do artista congolês Bodys Isek Kingelez (nascido Jean-Baptiste, 1948-2015) na exposição “Dream City”. Uma boa parte das peças são modelos elaborados, belos, rigorosos e utópicos de cidades e prédios feitos de cartão, papel e plástico, que são obtidos por vezes de lixo urbano (pacotes de papel, latas de metal e garrafas de plástico).

O vapor que de vez em quando emerge nas ruas e canalizado para as chaminés caraterísticas é devido a existirem na cidade condutas de vapor que são usadas nas mais diversas aplicações em paralelo com as de água, esgotos e eletricidade. Uma cidade tão grande e compacta tem de ter uma gestão muito eficiente destes serviços, mas já falei várias vezes desses aspetos. Quero no entanto referir que “o vapor de água” é na realidade gotículas de água. 

Segundo li em várias fontes (mas o números podem já ser antigos) são consumidos mais de 2 mil milhões de metros cúbicos de água, guardada em 18 reservatórios, são recolhidas mais de 80 mil amostras por ano em mais de 11 mil quilómetros de rede. Os esgotos envolvem cerca de 12 mil quilómetros de condutas que recolhem cerca de seis milhões de metros cúbicos de líquido todos os dias, havendo cerca de cem centrais de bombas que conduzem os esgotos para 14 estações de tratamento de águas residuais (ETAR). Nestas estações são recolhidas cerca de 450 mil toneladas de resíduos secos. Por estes números se vê como é complexo o sistema.

Depois de passarmos por um dos centros comerciais mais antigos do mundo, o “Macey’s”, onde há ainda escadas rolantes de madeira, fomos ao  monumento que está no local onde estavam as torres gémeas. A imagem da água a cair para um fundo que não se vê, assim como os nomes das vítimas, gravado no bronze, é impressionante e comovente. Fica aqui perto uma pequena capela onde foram socorridas as vítimas e onde se centraram as operações de salvamento, se não me engano. Mas a vida continua. Ali perto, fica também um conhecido Outlet onde comprámos roupas que ainda usamos. Fica aqui perto também a conhecida Trump Tower (número 40 de Wall Street) e o mundo financeiro identificado com Wall Street onde foi colocada a estátua enorme e muito pesada de um touro (com mais de três toneladas), “Charging bull”, de Arturo Di Modica, feita na sequência da queda da bolsa de 1987. Colocada em lugar provisório, foi adotada como mascote não oficial de Wall Street e foi rapidamente integrada "no mercado". 

No “Whitney Museum of American Art” havia uma grande exposição sobre David Wojnarowicz (1954-1992) um artista que não conhecia e que foi um ativista da liberdade e da SIDA (doença com que morreu). Entre muitas coisas que estavam lá chamou-me a atenção os papéis relativos a um processo que ganhou contra a censura e uma imagem icónica deste com a boca cosida com linha. Em paralelo estava um pão também cozido com linha. Um espanhol que estava ao meu lado disse que não deveria ser o pão original. Provavelmente não! Além destes objetos, havia obras muito interessantes.   

No dia seguinte, passámos muitas horas no "Metropolitan Museum of Art” (MET). Aí não podia deixar de procurar o famoso quadro de David com Lavoisier e Marie-Anne Paulze. Gostei imenso de uma pequena exposição sobre os preço da arte antiga, que tinha os valores em vacas. Fomos também ver a exposição impressionante nos “Cloisters” denominada "Heavenly Bodies" onde obras de arte antigas foram integradas com vestidos de criadores modernos, acompanhada de música de Samuel Barber, Gabriel Fauré, George Frideric Handel, Ennio Morricone, Michael Nyman e Franz Schubert, mas a mais impressionante e memorável era Time Lapse de Michael Nyman.

No Guggenheim Museum havia uma grande exposição de Alberto Giacometti. O edifício do museu é em si uma obra de arte, mas as esculturas finas e cruas de Giacometti acrescentavam novos níveis de fruição.

À noite fomos a uma “festa silenciosa” junto ao Rio Hudson. Basicamente, recebíamos uns auscultadores que tinham quatro canais correspondentes e quatro músicas e podíamos dançar sem que houvesse qualquer som exterior. 

Uma nota sobre a reciclagem. Junto à entrada do nosso prédio, havia dois caixotes: um para papel e cartão, outro para embalagens de vidro, plástico ou metal. Todos as garrafas e latas têm um retorno de cinco cêntimos se entregues em máquinas que há nos supermercados. De manhã podemos encontrar pessoas com grandes sacos de latas e garrafas e vi várias vezes pessoas a tirar latas e garrafas do lixo, raramente com ar miserável. Não vi lixo nas ruas de Manhattan, mas subindo para a Harlem já havia mais lixo nas ruas. Vejo agora que o sistema estava longe de ser perfeito. Nova Iorque foi uma das grandes cidades americanas a abandonar a ideia de lixo indiferenciado, tendo agora segundo li, um contentor para a matéria orgânica. E não consegui perceber se as 450 toneladas de resíduos sólidos são usadas para produzir energia e fertilizantes.  

No dia seguinte era domingo. Fomos ao Harlem para procurar assistir a uma cerimónia religiosa batista com coro Gospel, como era sugerido pelo nosso guia. Demos conta de que, no verão, essas cerimónias eram só para fiéis, sem exceções. Não deixou de ser um feliz acaso pois acabámos por ir a uma cerimónia metodista excelente onde além de se cantar também procuravam integrar os participantes, perguntando de que países eram as pessoas, pedindo para que alguns de nós lessem uma mensagem na nossa própria língua, coisa que os batistas, mais elitistas, nunca fariam. Escrevi na altura que “a soprano era excelente acompanhada por guitarra, órgão e bateria" e que o tema do serviço era uma passagem da bíblia sobre falar demais” e controlar a língua ("tamming the tongue").

O Museu de História Natural é também icónico e são incontáveis as coisas que vimos, mas a acabou  por ser a mais curiosa não poder entrar numa sala (onde estava a enorme baleia azul) pois estava a ser preparada para um casamento. Como?! Descobri depois que as pessoas gostavam de fazer o casamento em museus e que todos estes tinham preços (altíssimo) para esses alugueres. 

No último dia que estivemos na cidade, fomos a Brooklyn, atravessado a famosa ponte e vimos a cidade desse lado. Logo na entrada fica o Eagle Warehouse, onde trabalhou Walt Whitman. Mais uma vez encontrei sumagre que é muito comum aqui. Era o fim de semana de 4 de setembro e havia grandes engarrafamentos para sair da cidade. Para além disso, o metro aproveitou para fazer obras, mas o Google Maps não falhou. Por vezes “sabia” mais do que os trabalhadores locais.

O metro de Nova Iorque foi inaugurado em 1908 e são incontáveis os filmes em que aparece. Tinha acabado de morrer Aretha Franklin e dei conta de que um estação foi renomeada “Respect” usando a grafia típica do metro.

E podia continuar a escrever sobre Nova Iorque. tenho é de voltar!

bibliografia mais imediata consultada para obter dados numéricos e confirmar dados

Guia american Express – New Iorque. DK, 2011. 

Bob Cromwell. The Toilete Guru: New York City's Wastewater Treatment System. https://toilet-guru.com/nyc-sewer-system.html (acedido a 29 de julho de 2024)

Laura Itzkowitz. Top 10 Secrets ff Nyc’s Meatpacking District. https://untappedcities.com/2021/11/05/secrets-meatpacking-district/  ((acedido a 29 de julho de 2024)

Lonely Planet. High Line. https://www.lonelyplanet.com/usa/new-york-city/the-village-chelsea-and-meatpacking-district/attractions/high-line/a/poi-sig/1105837/1320602  (acedido a 29 de julho de 2024)

Lucie Levine. From beavers to banned: The history of New York City’s fur trade, 2019. https://www.6sqft.com/from-beavers-to-banned-the-history-of-new-york-citys-fur-trade/  (acedido a 29 de julho de 2024)

New York Heritage. Economic Growth. https://nyheritage.org/exhibits/two-hundred-years-erie-canal/economic-growth (acedido a 29 de julho de 2024)

NYC. https://www.nyc.gov/ (Retirei alguns informações daqui, mas achei muito pouco organizado, (acedido a 29 de julho de 2024)

NYPL. History of The New York Public Library. https://www.nypl.org/help/about-nypl/history (acedido a 29 de julho de 2024)

NYPL. Stephen A. Schwarzman Building Facts. https://www.nypl.org/about/locations/schwarzman/facts (acedido a 29 de julho de 2024)

NYW. The New York City Municipal Water Finance Authority (report), 1999. https://www.nyc.gov/assets/nyw/downloads/pdf/nyw_99introfin.pdf (acedido a 29 de julho de 2024)

Peter Schjeldahl. The Utopian Vision of Bodys Isek Kingelez, New Yorker, 28 May 2018. https://www.newyorker.com/magazine/2018/06/04/the-utopian-vision-of-bodys-isek-kingelez (acedido a 30 de julho de 2024)

[verified automatic translation]

[I was in New York in 2018, walked dozens of kilometers, and photographed many things. I've had the project of writing a Chemical Walk based on this experience for years, but, for one reason or another, I hadn't done it yet. The city is incredible, with the surplus of a part of it we had already seen in films. We were next to Central Park and the Natural History Museum. It was fantastic! As an American friend told me: it is a city where “we charge our batteries and broaden our horizons” (without fearing common places). I'm listening to recordings from “Atlas Obscura” and one of the most interesting is about an old metro station (https://www.atlasobscura.com/articles/podcast-old-city-hall-station). I went to the city to read the “Manhattan Transfer” by John dos Passos, which also describes the times of the beginning of the metro, at the start of the 20th century. Anyone who has been to New York, particularly Manhattan, knows it is an unforgettable experience. Not only the places but also the people. We had excellent interactions. For example, when they asked us for the address to receive headphones (the big ones) to participate in a silent party along the Hudson River without noise from outside, we gave the address in Portugal: “No problem” - they said! Or the many times people turned around in line and spoke to us. Or entrance fees to museums “pay what you wish”, and we, Portuguese, only paid one dollar, without that being a problem. Or the store employee who, upon seeing that we were buying a bargain, left his seat and went to queue to buy too! Or the High Line volunteer who joked about how I looked at the images. Or the guard at a museum who spoke to me ironically about the director's choices, when a famous painting was being taken out right in front of me.  There are so many good memories that I could talk about them for hours. And it caused so many changes in me, that I could almost say it “changed my life”. I'm going to write here essentially about the things I saw and related to Chemistry.]

Let's start with the growth of New York. Almost everyone has heard of “Wall Street” (started on being a real wall) or the island of Manhattan, bought from the Indians and Dutch. This takes up a page or two in the guides. But, the city's enormous growth is largely due to a canal - the Erie Canal - that connects the Hudson River to the Great Lakes, but which generally takes up little space in guidebooks. The city was in a strategic position, and with the construction of this canal, which was 584 kilometers long, between 1817 and 1825, raw materials and manufactures could be transported more easily. You can imagine the amount of explosives used in its construction and the workers involved, who arrived at the port of New York. The businesses that made the city grow are also almost forgotten today, such as fur and leather processing. But we still have local memories of those times, like the denomination “Fur District”. 

Furthermore, there is a set of factors that made it possible to build tall buildings (the so-called “skyscrapers”) in New York and, in particular, on Manhattan Island (and this doesn't end there; when we were there there were plenty of buildings under construction): the ground is rocky and very stable to support the weight, in addition to being little seismic. Furthermore, the invention of forms of construction based on a central iron structure, with relatively light plates and bricks being placed around it - it was this characteristic that, under normal conditions, allowed great flexibility and safety, but, in extreme conditions, allowed completely demolishing the twin towers in the attack of September 11, 2001. We can still see, in several places, older buildings that used other forms of construction and had much fewer floors.

The first place we visited was Central Park and the Dakota Building where John Lennon and Yoko Ono lived as we were close by. In this building, outside (we couldn't go in, of course) there were gas lamps, something I had never seen working. The lighting in large cities, in the 19th century, was done using gas that burned in the nozzles of lamps, I think of this type. Located in Central Park is the much-visited place where John Lennon was murdered, called “Strawberry Fields”, which is a structure on the ground, made of pavement, with white and black limestone stones (CaCO3, with the black ones containing carbonaceous materials). In Central Park, my attention was drawn to the vegetation that seemed different from the European one, the various statues (I later read that in New York a few women are carved in statues), and the skyscrapers seen from the park. 

We then headed towards the United Nations building. It was here that I became aware, for the first time, of the “17 sustainability goals” that had been approved in 2015 by the United Nations, now everywhere. In this building, I also noticed the yew hedges (which I later saw elsewhere) and the works of art offered by many countries. The yew tree is very poisonous, only its berries, which birds eat, are edible. I have already told the story of the medicine paclitaxel (taxol), obtained from the yew tree, several times, but I think I can tell again, with some more details. In the seventies of the 20th century, a very large American government program was established to combat cancer. At the time, it was thought that a cure would be discovered within five years. This was not the case, but many effective molecules were found to combat it. In particular, a molecule effective against some types of cancer was discovered in the trunk of a rare yew tree. One problem is that it would take tons of logs to get one gram. The solution found was to obtain a similar molecule from the leaves of the common yew and make some chemical modifications to obtain the effective molecule. This was a very particular case, but in general, it may be more sustainable to obtain the active molecules, even if natural, either in the laboratory or by making modifications to molecules that are easier to obtain.

There are many companies that have headquarters or branches in New York, of course, but the Pfizer building caught my attention, which has been the largest pharmaceutical company in the world for decades. But everything has an origin, and Pfizer began as a small company that participated, during the Second World War, in a large penicillin production program. This company developed methods for producing penicillin in tanks, where the temperature could be controlled, with emphasis on Margaret Hutchinson Rousseau (1910-2000), the first member of the American Institute of Chemical Engineers, who managed to produce the molecule in large quantities for being available to soldiers in 1943. During the war, penicillin was only for military use, which led to trafficking, and it was only made available for civilian use in 1945.     

We were fascinated by the size and beauty of Grand Central Station, where we had lunch and drank local beer. It caught my attention that the most consumed beers here are IPA (Indian Pale Ale) and therefore quite bitter. This flavor is due to the compounds present in hops and there is a theory that Americans got used to this beer because they were not brewed locally when America was an English colony, and to avoid spoiling themselves on the trip they used this excess of hops. I don't know if it's true or not, even though it's been centuries, but it seems like a good possibility.  The station dates back to 1913, with more than 2500 stars drawn on the ceiling and the constellations highlighted.  

Next, we went to the New York Public Library. In 2018, this library was really public, as we can freely enter many places, consult the books and visit the archives (it seems that in 2024 it is not now so open). There was a site with some restrictions due to a ceiling that was often photographed by tourists. My youngest son sat and consulted a lot of books – which is what libraries are for. The size and the stone it is made of are impressive. White marble (metamorphic rock, essentially CaCO3 exposed to high temperatures) was used for both architectural elements (walls, ceilings, and floor) and decorative elements, coming from the Dortset mountains, in Vermont, more than 300 kilometers from the city, and was rejected about 65% of the marble by the architect. It took around ten years to be built (the first stone was laid in 1902), taking the place of an old cistern, and was quite expensive, but it was received with great enthusiasm: more than 50 thousand people were present at its inauguration in 1911! It's an excellent image: that of the library as a palace, also attempted a few centuries earlier in Portugal, but with success and with more limited objectives, unfortunately. One thing that caught my attention in the photographs was the “motivational phrases” that we also have in Coimbra at the Joanina Library. The initial building used around 20 tons of coal per day for heating and at the peak time (winter 1929) there were up to a thousand people in the main room, and on December 30, 1929, almost nine thousand books were requested!

After we went to Times Square, where my daughter wanted to go to a big M&M store. We ended the day at Bryant Park, where the Metropolitan Opera was holding a fundraiser, showcasing some opera areas. Beer was very expensive and you could only drink it in very specific places, but it was worth lying on the grass, surrounded by skyscrapers, in the late afternoon, listening to good singing and drinking beer. I read in a guide that, beneath the park, is the depository for the millions of books in the New York public library. It never stops being curious. 

The next day we walked a lot and to different places. We passed a window that caught my attention and I photographed the phrase “We are not designed to eat chemicals”. It seems obvious, but what they mean is that we are not made to eat harmful chemicals, because the most natural and good things (there are also bad and dangerous ones, like plant poisons), always have chemicals, just natural and not harmful. Some of these, as natural as they are, also have natural chemicals added and are sufficiently processed (imagine eating raw, unsalted potatoes). We don't need to go to New York to find these types of messages, but here you can see how fallacious and global these messages are. 

We went for lunch at the most famous pizzeria in New York (Ray’s Pizzeria) where many stars have eaten (it’s full of photos). The pizzas were very good, but what caught my attention the most was the cheese: very white and not very spread out. Obviously, it is not what is known as “American cheese”. The most common American cheese is yellow and is used in the most famous sandwiches in the world, but I read that there is also white (but not as white as pizza). Before 1916, “American cheese” was cheese made in America, I heard it on a recording of “Atlas Obscura”. Then, through a process invented in 1916, which involves the use of sodium citrate so that the fat from the cheese do not separates when pasteurized at 66ºC, “American cheese” appeared. I only noticed this now when preparing this text and listening to the aforementioned recording of “Atlas Obscura”.

In the afternoon we visited the “Frick Collection”. Henry C. Frick (1849-1919) was one of the “robber titans” of the generation of Carnegie, Rockefeller, and J.P. Morgan, who conducted his steel businesses with an iron fist but played the game of immortality of the rich quite successfully. His home and art collection offered to the nation, which includes important names in paintings, perpetuates his name. A book with his biography is "Meet You in hell". In addition to the paintings, the house and garden are interesting, where there were cloth chairs for us to sit on, and there were many people enjoying the fresh air. It was late August and New York was very hot. 

The next day we started with Rockefeller Center. At its base there was a local producers' fair, mainly selling wine and alcoholic beverages. It was very pleasant talking to people. In particular, I had an interesting conversation, accompanied by wine tasting, with a producer from Rhode Island. I also bought a 100 mL potato vodka that could be taken on the plane (which has not yet been drunk). These and other buildings in the city are majestic, with grand entrances. For example, inside the Rockefeller building, there are frescoes by Jose Maria Sert (Spanish 1876 – 1945), one of which is titled “Conquest of Disease” (1933) and refers to vaccines, particularly smallpox, as I read later. There are other frescoes with titles relating to the passage of time, the abolition of war and slavery, and human fraternity. Still in the building, the material in which a high relief is made intrigued me. It looked like acrylic or fiberglass, but those hadn't been invented yet. There are 45 plates of borosilicate glass (Pyrex) here summoned to an image of fascist aesthetics of industrial progress, “Youth Leading Industry” (1936) by Attilio Piccirilli (American, born Italian, 1868 - 1945). Above, “Commerce and Industry with a Caduceus” (1936) also by Attilio Piccirilli with colorist Leon Solon (American, born Italian, 1868–1945).

During the morning we also went to the “Intrepid Museum”. This museum is located on an aircraft carrier (with the same name – “Intrepid”) that entered the Hudson River, ran aground, and never left. It's full of huge things, like a space shuttle (the “Enterprise”), and has a large exhibition of planes of all eras and sizes. From here you can also visit an old nuclear submarine. The things that were used in the submarine for its autonomy are very interesting: carbon dioxide (CO2) absorbent, lithium hydroxide (LiOH), and water distillers, for example.

We had lunch at Gotham Market in Hell's Kitchen. Good slow fast food, as I wrote elsewhere. With a row of taps to fill glasses with water. As is well known, tap water is of good quality and safe. In such a large city, water supply and control are complex (see below) and must be very rigorous.

We ended up taking a boat trip on the Hudson River that allowed us to have a panoramic view of the city and see its rooftops and old warehouses. We also passed close to the Statue of Liberty, which as good New Yorkers we didn't visit. In any case, it is impressive how the copper in the bronze covers itself with that green oxide.  On the walk, we also passed many huge buildings that looked to me like old power plants (one of them is very famous as it is on the cover of an album) and old and new incinerators. These constructions are also admirable in my opinion. There is a free Ferry Boat that takes you to Staten Island which allows you to have a similar view of the Statue of Liberty, but we ended up not doing it.

We loved the gardens on the “High Line”, an old elevated train line, where gardens are now installed, as well as the concept. Plants, in particular herbs, are not so much sown and planted as controlled to prevent one from overpowering the other. There was a wilder preparatory garden at the beginning, where for the first time I saw sumac, a shrub that was used for its tannins to tan leather. Then I found it in other places, in particular, in Portugal, which became an important exporter of sumac. But it is a common plant in New York, referred to, for example, in “Manhattan Transfer”. Only now did I think that perhaps it was cultivated for skin care, which was an important aspect of New York's economy in the 19th century, or perhaps it was spread with the seeds that came with imported sumac. In any case, it is not known that infusions of this plant are made in Portugal, but in New York, there were many advertisements for infusions of this plant. 

In the High Line area, there were old New York slaughterhouses, but there are no longer any memories that I have noticed, except the name ("Meatpacking District"). The train line itself, deactivated and transformed into the garden, was used to transport meat. Nowadays, things are much more aseptic and invisible, but let's imagine what it would be like and smell like a century ago. All large cities had these services, which, over the years, became obsolete and unhealthy. One of the last in the city of Porto, in Portugal, is currently under construction to be a cultural complex, a slaughterhouse in Madrid already exists, and one in Berlin I believe is still abandoned.

Nearby is the famous “Chelsea Hotel” which was under construction and we were unable to visit. Obviously, several things we did in New York were visiting emblematic places, as I have already mentioned. And this was clearly one of them for us. Mark Twain, Dylan Thomas, Arthur Miller, William Burroughs, Allen Ginsberg, Timothy Leary, and Charles Bukovski, as well as musicians Jimi Hendrix, Janis Joplin, Bob Dylan, Mick Jagger, Patti Smith, Sid Vicious, Iggy Pop, Leonard Cohen and Madonna, among others. But it ended up being the connections of some of these people to the world of drugs, which spread to the world of music from the 1960s onwards, that made me think about the ironic and reductive image of “chemicals” as recreational drugs. Maybe it's stretching the relationship too much, but let's see: DuPont's slogan from the 1930s, “Better living and better things … through chemistry” became in the 1960s the ironic form “better living through chemistry” associated with beat and hippie culture. of which a portion of the occupants of the hotel I have named were representative. Meanwhile, Timothy Leary and other regulars at the “Chelsea Hotel” had a huge impact on making psychedelic drugs popular, which are now once again one of the new hopes of Psychiatry.

We loved the “Museum of Modern Art” (MoMa). A chemist friend who worked in the museum's scientific services offered us the tickets, which had the added bonus of being able to enter an hour earlier. When we entered there were only guests and Friends of the Museum and during that time we were able to see things more calmly. There were several major exhibitions in addition to the iconic artworks. In particular, we spent a lot of time admiring the works of Congolese artist Bodys Isek Kingelez (born Jean-Baptiste, 1948-2015) in the “Dream City” exhibition. A good part of the pieces are elaborate, beautiful, rigorous, and utopian models of cities and buildings made of cardboard, paper, and plastic, which are sometimes obtained from urban waste (paper packages, metal cans, and plastic bottles).

The steam that occasionally emerges in the streets and is channeled into the characteristic chimneys is due to the existence of steam pipes in the city that are used in the most diverse applications in parallel with water, sewage, and electricity. Such a large and compact city must have very efficient management of these services, but I have already spoken about these aspects several times. However, I want to mention that “water vapor” is water droplets. According to what I read in various sources (but the numbers may already be old) more than 2 billion cubic meters of water are consumed, and stored in 18 reservoirs, and more than 80 thousand samples are collected per year in more than 11 thousand kilometers of network. Sewage involves around 12 thousand kilometers of pipes that collect around six million cubic meters of liquid every day, with around one hundred pump stations that take the sewage to 14 wastewater treatment plants (WWTP). Around 450 thousand tons of dry waste are collected at these stations. These numbers show how complex the system is.

After passing through one of the oldest shopping centers in the world, “Macey’s”, where there are still wooden escalators, we went to the monument that is where the twin towers were. The image of the water falling to an unseen bottom, as well as the names of the victims, engraved in the bronze, is impressive and moving. There is a small chapel nearby where the victims were rescued and where the rescue operations were centered if I'm not mistaken. But the life continues. Nearby, there is also a well-known Outlet where we buy clothes that we still wear. Nearby is also the well-known Trump Tower (number 40 on Wall Street) and the financial world identified with Wall Street where the huge and very heavy statue of a bull (weighing more than three tons) was placed, “Charging bull”, by Arturo Di Modica, made following the 1987 stock market crash. Placed in a temporary location, it was adopted as Wall Street's unofficial mascot and was quickly integrated.

At the “Whitney Museum of American Art,” there was a large exhibition about David Wojnarowicz (1954-1992), an artist I didn't know and who was an activist for freedom and AIDS (the disease from which he died). Among many things that were there, the papers relating to a case he won against censorship and an iconic image of him with his mouth sewn with thread caught my attention. In parallel there was a bread also baked with thread. A Spaniard who was next to me said that it shouldn't be the original bread. Probably not! In addition to these objects, there were very interesting works.   

The next day, we spent many hours at the "Metropolitan Museum of Art” (MET). There I couldn't help but look for the famous painting of David with Lavoisier and Marie-Anne Paulze. I really enjoyed a small exhibition on the prices of ancient art, which had the values ​​in cows. We also went to see the impressive exhibition in the “Cloisters” called "Heavenly Bodies" where ancient works of art were integrated with dresses from modern creators, accompanied by music by Samuel Barber, Gabriel Fauré, George Frideric Handel, Ennio. Morricone, Michael Nyman, and Franz Schubert, but the most impressive and memorable was Michael Nyman's Time Lapse.


At the Guggenheim Museum, there was a large exhibition by Alberto Giacometti. The museum building is itself a work of art, but Giacometti's fine, raw sculptures added new levels of enjoyment.

In the evening we went to a “silent party” along the Hudson River. Basically, we were given headphones that had four corresponding channels and four songs and we could dance without any outside sound.

A note about recycling. Next to the entrance to our building, there were two bins: one for paper and cardboard, the other for glass, plastic or metal packaging. All bottles and cans have a return of five cents if delivered to machines in supermarkets. In the morning we can find people with large bags of cans and bottles and I have seen people taking cans and bottles out of the trash several times, rarely looking miserable. I didn't see any trash on the streets of Manhattan, but going up to Harlem there was more trash on the streets. I see now that the system was far from perfect. New York was one of the major American cities to abandon the idea of ​​undifferentiated waste, now having, according to what I read, a container for organic matter. And I couldn't understand if the 450 tons of solid waste are used to produce energy and fertilizers.  

The next day was Sunday. We went to Harlem to try to attend a Baptist religious ceremony with a Gospel choir, as suggested by our guide. We realized that, in the summer, these ceremonies were only for the faithful, without exceptions. It was a happy accident because we ended up going to an excellent Methodist ceremony where, in addition to singing, they also tried to integrate the participants, asking which countries the people were from, asking some of us to read a message in our own language, something that the more elitist Baptists would never do. I wrote at the time that “the soprano was excellent accompanied by guitar, organ, and drums.” The theme of the service was a passage from the Bible about talking much and tamping the tongue.

The Natural History Museum is also iconic and the things we saw were countless, but the most curious thing was not being able to enter a room (where the huge blue whale was) as it was being prepared for a wedding. What?! I later discovered that people liked to have their weddings in museums and that they all had (very high) prices for these rentals. 

On the last day we were in the city, we went to Brooklyn, crossed the famous bridge, and saw the city from that side. Right at the entrance is the Eagle Warehouse, where Walt Whitman worked. Once again I found sumac which is very common here. It was the September 4th weekend and there were huge traffic jams getting out of the city. Furthermore, the metro took the opportunity to carry out work, but Google Maps did not fail. Sometimes he “knew” more than the local workers.

The New York subway was opened in 1908 and there are countless films in which it appears. Aretha Franklin had just died and I realized that a station had been renamed “Respect” using the typical subway lettering.

And I could continue writing about New York. I have to go back!

Most immediate bibliography consulted to obtain numerical data and confirm data

American Express Guide – New York. DK, 2011. 

Bob Cromwell. The Toilet Guru: New York City's Wastewater Treatment System. https://toilet-guru.com/nyc-sewer-system.html (accessed July 29, 2024)

Laura Itzkowitz. Top 10 Secrets ff Nyc’s Meatpacking District. https://untappedcities.com/2021/11/05/secrets-meatpacking-district/  (accessed July 29, 2024)

Lonely Planet. High Line. https://www.lonelyplanet.com/usa/new-york-city/the-village-chelsea-and-meatpacking-district/attractions/high-line/a/poi-sig/1105837/1320602  (accessed July 29, 2024)

Lucie Levine. From beavers to banned: The history of New York City’s fur trade, 2019. https://www.6sqft.com/from-beavers-to-banned-the-history-of-new-york-citys-fur-trade/  (accessed July 29, 2024)

New York Heritage. Economic Growth. https://nyheritage.org/exhibits/two-hundred-years-erie-canal/economic-growth (accessed July 29, 2024)

NYC. https://www.nyc.gov/ (I pick some data from here, accessed July 29, 2024)

NYPL. History of The New York Public Library. https://www.nypl.org/help/about-nypl/history (accessed July 29, 2024)

NYPL. Stephen A. Schwarzman Building Facts. https://www.nypl.org/about/locations/schwarzman/facts (accessed July 29, 2024)

NYW. The New York City Municipal Water Finance Authority (report), 1999. https://www.nyc.gov/assets/nyw/downloads/pdf/nyw_99introfin.pdf (accessed July 29, 2024)

Peter Schjeldahl. The Utopian Vision of Bodys Isek Kingelez, New Yorker, 28 May 2018. https://www.newyorker.com/magazine/2018/06/04/the-utopian-vision-of-bodys-isek-kingelez (accessed July 29, 2024)


Passeio Químicos por Febres com Carlos de Oliveira

[Vou inaugurar uma nova forma de Passeio Químico: envolvendo um escritor, no caso presente Carlos de Oliveira em Febres, onde fica a casa Museu com o seu nome. Este texto é baseado num artigo que publiquei há uns anos numa revista científica, expurgado das partes mais académicas (mas nem por isso menos interessantes, na minha opinião). Escrevi, na altura, que a obra de Carlos de Oliveira permite uma grande variedade de leituras. O seu pai foi médico na Gândara e viveu a infância em Febres. O que se segue é a adaptação do artigo (basicamente retirando as referências e algumas partes sem greande interesse para aqui) acompanhado de mais alguns comentários e fotografias que tirei em Febres. Quem quiser ler o artigo completo pode fazê-lo pois está online.] 

Carlos de Oliveira revia e refazia os seus livros vezes sem conta, mesmo depois de publicados. Além disso, procurava documentar-se de forma incessante. Chamou-me a atenção a pesquisa sobre a “sílica”, o material de que é feita a areia, presente no barro, e que é usado para obter a porcelana, referida em “Finisterra: Paisagem e Povoamento”.     
A obra de Carlos de Oliveira é relativamente pequena (falta na edição completa, da Editora Caminho, o livro “Alcateia” que foi reeditado recentemente), mas são virtualmente infinitas as pistas a que esta conduz. 

A Gândara era, na altura da infância de Carlos de Oliveira, um lugar muito pobre. Diz Carlos de Oliveira no “Aprendiz de Feiticeiro”:

Meu pai era médico de aldeia, uma aldeia pobríssima: Nossa Senhora das Febres. Lagoas pantanosas, desolação, calcário, areia. Cresci cercado pela grande pobreza dos camponeses, por uma mortalidade infantil enorme, uma emigração espantosa. Natural portanto que tudo isso me tenha tocado (melhor, tatuado).  

Quase não havia estradas, a iluminação era artesanal e a malária era endémica. Com a drenagem dos pântanos, a diminuição dos mosquitos e os tratamentos para a malária, esta doença desapareceu. É agora uma região muito diferente, mas a memória ainda existe e o mundo, embora por vezes fantasista, que Carlos de Oliveira descreve, era bem real e tatuava (como ele refere que aconteceu consigo). 

O filme de Margarida Gil sobre Carlos de Oliveira, começa com um forno de cal. Já não há nenhum forno destes a funcionar na Gândara, mas havia nesta região muitos. Aquecia-se a rocha calcária (essencialmente carbonato de cálcio, CaCO3) num forno, e, quando se atingia uma alta temperatura (900-1000ºC), formava-se cal viva (óxido de cálcio, CaO) e libertava-se dióxido de carbono (CO2). Entretanto, a cal viva reage com a água e forma-se cal apagada (hidróxido de cálcio, Ca(OH)2). A cal apagada servia para pintar as casas, entre outras coisas. Curiosamente, lentamente, a cal vai reagindo com o dióxido de carbono do ar e convertendo-se em carbonato de cálcio (CaCO3), o que é uma espécie de fecho poético do ciclo. Também se usava (ainda se usa) a cal viva com água e com sulfato de cobre (CuSO4, conhecida como calda bordalesa), a qual, sendo ácida devido ao cobre, ficava mais básica, devido ao hidróxido e penetra melhor nas videiras.

A resina, ou como na Gândara se diz, “o cerne”, é omnipresente na obra de Carlos de Oliveira. A descrição que faz da sua ascendência em “Aprendiz de Feiticeiro” é bastante reveladora, mostrando também que a sua família tinha algumas posses, num local tão pobre. Escreve Oliveira:

Venho de famílias arenosas (pântanos, pinheiros, dunas), gente por assim dizer alimentada a cerne, avós carpinteiros de soalhos, pranchas, móveis trabalhados, grandes plantadores e lavrantes de madeira.

Os pinheiros eram explorados pelos resineiros e eram uma parte da pequena economia local. Os pinheiros exsudam a resina para os copos (conhecidos na Gândara como “cacos”) característicos que eram na altura feitos de barro, mas são hoje de plástico. O resineiro fazia um corte no pinheiro e usava ácido sulfúrico para este continuar a sangrar. Da resina extrai-se uma parte volátil, a terebintina, e uma parte sólida, o pez louro, que é mesmo dourado. A terebintina pode ser usada como solvente ou como material de base para muitas reações químicas. O pez louro é também usado para muitas coisas, nomeadamente para limpar os ferros de soldar.

A fantasia da procura da “fórmula” (formulação) da porcelana em “Finisterra: Paisagem e Povoamento”, conduz-nos a vários caminhos. Desde logo a história da porcelana, cuja formulação foi muito mais difícil de obter do que é descrito no livro. Obter a formulação da porcelana deu muito trabalho e envolveu muitas aventuras. Convém aqui referir, uma coisa óbvia para as pessoas da área, mas nem sempre bem entendida pelos leitores: a literatura não tem de ser exata ou factual, mas as personagens podem ser exatas e factuais mesmo que sejam uma fantasia. A literatura fixa-se de outra forma (como escreveu Umberto Eco, a Emma Bovary será para sempre como Flaubert a descreveu, mas, acrescenta o autor do presente artigo, o arsénico já não é atualmente usado nas nossas casas para matar ratos). A literatura é imutável à sua maneira, enquanto que a ciência é aditiva e atualiza-se de muitas formas. 

Para fazer porcelana é preciso caulino, um material rochoso fundamental que é muito mais raro do que o barro usado para obter telhas e tijolos. Incidentalmente, em a “Casa na Duna” Mariano Paulo espera salvar a sua quinta com uma fábrica de telhas que o progresso técnico se encarrega de mostrar que está condenada. Mas além da crueza da realidade, temos a poesia da ciência. Muitas pessoas não se apercebem, mas precisamos que a literatura nos mostre como gostar da ciência, para ajudar a perceber a vida e, claro, para sonhar. E “sonhando a obra nasce”, na frase repetida à exaustão de Fernando Pessoa. O narrador  de “Finisterra” procurava uma porcelana finíssima, tão fina que parecia voar. A porcelana buscada poderia ser fina, mas o que Carlos de Oliveira refere ainda não existia na altura. Era um sonho, uma fantasia, talvez uma ideia poética. Mas já existe hoje: o aerogel de sílica é a concretização da porcelana que voa!   

No poema “Casa”,

A luz de carbureto

que ferve no gasómetro do pátio

e envolve este soneto

num cheiro de laranjas com sulfato

(as asas pantanosas dos insectos

reflectidas nos olhos, no olfacto,

a febre a consumir o meu retrato,

a ameaçar os tectos

da casa que também adoecia

ao contágio da lama

e enfim morria numa cama)

a pedregosa luz da poesia

que reconstrói a casa, chama a chama.

Carlos de Oliveira refere o “carbureto” [que eu não encontrei na Gândara nem me lembro de ter visto nesta região, mas Oliveira refere-o algumas vezes e de forma bastante precisa (1)]. Neste, colocam-se pedras (artificiais, claro) de carbeto de cálcio, CaC2, as quais, reagindo com água, produzem o hidrocarboneto acetileno (etino,C2H2) que arde com uma chama muito branca. Não vi o “carbureto,” mas ainda vi as candeias, os candeeiros a petróleo e os lampiões a petróleo e a gás. A luz elétrica foi na Gândara um avanço relativamente tardio. A questão da luz branca é muito curiosa pois os hidrocarbonetos ardem em geral com uma luz fraca e de cor azul (vê-se isso nos fogões a gás). Pensa-se que esta cor branca intensa será devida às partículas de cálcio presentes na chama. 

Neste poema, refere-se também o cheiro das laranjas com “sulfato”, material que ainda hoje se vê nas laranjas não lavadas. Trata-se de sulfato de cobre (que é azul de forma natural) e é usado para “sulfatar” as laranjeiras combatendo os fungos (devido ao cobre, que é venenoso para eles). O cheiro dos sais de cobre é muito característico mas é também muito curioso e complexo esse efeito. Os metais não têm cheiro por si só. O que cheiramos são os produtos das reações que os metais catalisam. Isso pode ser bastante poético, na minha opinião. Quando cheiramos moedas não cheiramos na realidade o metal, mas em boa parte os produtos únicos e pessoais do nosso suor que reage nelas. O caso do cobre é algo diferente, mas é também bastante poético. A Ciência não “rouba” a poesia, como por vezes é referido, antes pode acrescentar novos estratos de mistério e maravilha. Não seria apenas por acaso que Coleridge assistia às demonstrações científicas de Humphry Davy, ou que Charles Dickens pediu emprestados os apontamentos das lições de Michael Faraday. 

Finalmente, uma nota sobre como as alterações dos textos nos dão informação sobre a evolução científica e técnica. No original de “Pequenos Burgueses”, de 1948, não há referência ao uso de um raticida denominado “trigo-roxo” que irá aparecer na edição de 1981. Trata-se de um rodenticida que tem por base o anticoagulante varfarina a que os ratos eram muito sensíveis. Entretanto, os ratos tornaram-se mais resistentes a este tipo de substâncias, e é agora usada a bromadilona que foi introduzida na Grã-Bretanha pelos anos 1980, a qual é muito mais perigosa para humanos e animais. São atualmente desta substância a maioria dos rodenticidas disponíveis. Carlos de Oliveira, que faleceu em 1981, já não assistiu a estes novos desenvolvimentos.

Febres é conhecida por ser uma terra de ourives e, no seu centro, além da casa de Carlos de Oliveira, podemos encontrar um Monumento ao Ourives. Este era um comerciante que se deslocava de bicicleta com uma caixa de metal onde tinha o ouro e a prata. Estes comerciantes já não se deslocam de bicicleta, mas ainda este fim de semana reparei em vários ourives num mercado na região. Não me lembro de Carlos de Oliveira ter dado grande atenção a esta personagem, pelo menos para a pesquisa do artigo que escrevi, eu próprio não dei. Mas é mais uma vez uma atividade bastante química. O ouro tem uma grande densidade (19.4 quilogramas por litro), sendo muito maleável. Assim, está presente em ligas com outros metais, em geral o cobre. Embora houvesse análises oficiais, cujos resultados eram indicados pelo “contraste”, na dúvida um desses comerciantes podia fazer algumas análises químicas simples (algo que os joalheiros ainda fazem hoje em dia, pois os aparelhos de fluorescência de raios X são muito caros). Essas ligas de ouro, são essencialmente deste metal, correspondendo 24 quilates a ouro puro e 18 quilates, por exemplo, a 75% em massa de ouro. Portugal tem a particularidade de muito do ouro antigo ter 80% deste metal, ou seja 19,2 quilates. 

Mas as coisas são curiosas. Para o ouro de 18 quilates, já vimos que temos 75% em massa deste metal, mas se a liga for apenas de cobre, temos 87% em volume deste metal, sendo apenas 13% do volume de cobre. Mas em termos de átomos temos cerca de 50% de cada um dos elementos. 

Em Febres, há uns anos, a Casa de Carlos de Oliveira, servia também de biblioteca e julgo que de posto da junta de freguesia e correios, o que lhe dava a possibilidade de estar sempre aberta. As últimas notícias que tive já não eram tão animadoras. Temos de lá ir e ver.

Bibliografia

Sérgio P. J. Rodrigues. Carlos de Oliveira e a Química. Metamorfoses, 18 (2021) 166-174. https://revistas.ufrj.br/index.php/metamorfoses/article/view/46689 

(1) No entanto, no “Museu Etnográfico Dr. Louzã Henriques,” na Lousã, situada a cerca 50 km de Febres e 25 km de Coimbra, já fora da região a que se convencionou chamar Gândara, podem ser encontrados vários aparelhos desses na exposição relacionada com o mundo rural.