[Descrevem-se as atividades planeadas para uma oficina de um percurso em diálogo com professores a realizar uma ação de formação e as atividades que foram efetivamente realizadas]
Já várias vezes fiz estes passeios químicos com professores. Mais pormenores podem ser encontrados aqui e aqui.O percurso começou na entrada do Departamento de Física, no Polo I da Universidade de Coimbra, e fomos para a entrada oeste da Faculdade de Medicina. Referi Pedro Hispano, João XXI, e Garcia de Orta. Já escrevia aqui sobre eles.
Falei dos vidros planos e temperados nos quais podemos “ver” as tensões com óculos de luz polarizada (a fotografia que apresento é de outro sítio de Coimbra, mas o efeito é semelhante). Já tinha referido esta questão noutro outro passeio. E ainda noutro referi materiais simples que podemos usar.
Aqui houve alguma discussão sobre a questão clássica de os “vidros escorrerem”, a qual é falsa mas que da qual muitas vezes os livros de divulgação fazem eco. Os vidros das casas e automóveis são sólidos amorfos meta-estáveis com ordem de curto alcance e portanto maus condutores de calor. Escrevi mais sobre os vidros aqui.Mostrei pedaços de betão coloridos no interior com o indicador fenolftaleína, mostrando que o cimento é básico. Aqui houve alguma discussão sobre a origem da água, pois trata-se de uma reação em meio aquoso e a solução de fenolftalína é em álcool etílico. O material tem sempre alguma água concluímos, mas eu lembrei-me de como a presença do álcool pode ser problemática por exemplo para analisar o pH do mar.
Fomos em seguida ver o relevo alusivo à Física e Química na parede da Biblioteca Geral. Reproduzo aqui o texto que escrevi para o Facebook em maio de 2016. Na Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra há seis baixos relevos de Duarte Angélico, usualmente designados: Biologia, Física, Matemática, Ética, Gramática e Lógica. Já me tinha interrogado por que razão não havia alusões à química nesses baixos relevos, mas hoje, ao olhar com mais atenção vi que havia! Na verdade, o “Física” resulta do empastelamento destas duas ciências e dever-se-ia designar “Física e Química”.
De facto, do lado esquerdo há uma imagem que remete para a física: um campo de forças (embora também pudesse ser um diagrama de densidades eletrónicas de uma molécula diatómica); e há uma escala de nónio que remete para o rigor da ciência (e também poderíamos ali ver uma proveta). Entretanto, do lado direito está a representação do modelo de um átomo, algo que tanto remete para a física como para a química. E o microscópio? Enigmático, não é? Atualmente, o microscópio aponta para o imaginário da biologia, mas já foi um instrumento fundamental da química. Era com este que se identificavam os cristais de compostos e foi com um microscópio que Pasteur descobriu a isomeria óptica nos cristais de ácido tartárico. Diz Mary Shelley em Frankenstein “os químicos são sábios modestos, com mãos sujas, que, debruçados nos seus microscópios, penetram nos segredos da Natureza para todos os dias obterem milagres”. Vamos lá a dar o nome correto a este baixo relevo: “Física e Química”! Há quem veja ali a evocação de Newton. Pois a mim o perfil parece-me mais próximo do de Abel Salazar, o que não deixa de ser curioso pelas ligações culturais e políticas (Abel Salazar foi, como é sabido, perseguido pelo estado Novo).Em seguida vimos a Porta Férrea sobre a qual já escrevi. Entrámos depois para o Pátio das Escolas onde conversámos sobre vários aspetos e realizei algumas demonstrações, em particular a demonstração da “garrafa azul” sobre a qual já falei em mais pormenor noutro passeio com professores e sobre a qual numa nota indiquei a composição.
Realizei também a demonstração da “cor de uma rosa” vermelha que em meio ácido, ácido clorídrico concentrado, é rosa muito intenso, em solução concentrada de amoníaco ficou azul e em solução de cloreto de alumínio ficou violeta. Discutimos a influência do pH e dos metais presentes no solo para as cores de várias plantas. No caso das hortênsias isso é evidente nos sítios onte estão plantadas, no caso das rosas e outras plantas tem de se fazer a extração das antocianinas. Falámos também de reciclagem. Escrevi sobre isso com mais por pormenor aqui.Em seguida seguimos para o Jardim Botânico onde fomos ver e cheirar as folhas do “eucalipto que cheira a limão." Eu levava comigo frascos com isómeros da molécula que origina esse aroma (o citronelal, um aldeído de fórmula C10H18O): o geraniol (um álcool também C10H18O, principal componente do cheiro a rosas) e eucaliptol (que tem nome de álcool, mas é um éter cíclico, responsável pelo cheiro a eucalipto, também C10H18O). Tinha também um frasco com limoneno (um dos responsáveis pelo cheiro a limão e laranjas, C10H16 – não, não são moléculas isómeras as responsáveis pelos dois cheiros, como por vezes é dito)
No Jardim Botânico há muitos outros interesses químicos, em particular uns cartazes com moléculas que dão origem a medicamentos. Não tivemos tempo de ir aí, mas já tinha escrito sobre isso e por isso fica aqui no texto. Vou comentar alguns, mas a maior parte dos medicamentos atuais não são sequer inspirados pelo mundo natural. Costumo dizer que as plantas e animais não estão particularmente interessadas na nossa saúde, mas por outro lado as possibilidades são muito grandes.Refere-se muitas vezes o medicamento Captopril que teve origem num veneno de uma cobra, mas em vão se poderá procurar a molécula do veneno dessa cobra que deu origem a este medicamento. Todavia, trata-se uma grande ideia que foi inspirada pela natureza, em particular por essa cobra venenosa. De facto, o mecanismo de ação do medicamento, entretanto descoberto, teve a sua origem nesse estudo. Mais clássicos são a aspirina e o taxol (ou paclitaxel que está nos cartazes), mas em ambos os casos a intervenção química continua a ser relevante. No primeiro caso, uma alteração sintética que torna menos agressivo o ácido salicílico (sendo produzido ácido acetilsalicílico), no segundo caso, são implementadas outras formas de obter o composto natural, as quais não fazem perigar a espécie rara de teixo onde este foi descoberto. Este aspeto é relevante, mesmo sendo bio-inspirados ou presentes na natureza, para evitar que as plantas ou animais que estão nas suas origem se extingam podemos usar processos químicos mais sustentáveis.
Os exemplos presentes nos cartazes são a dedaleira, de onde se extrai a digitalina, a qual tem efeitos cardíacos; a planta do café de onde se extrai a cafeína; o cardo-mariano que é a origem de potentes antioxidantes com efeitos em patologias do fígado; a consolda com alcalóides pirrolizidinicos usados para queimaduras, dores, etc.; o açafrão-do-prado que tem a colchicina, usada para o tratamento da gota; A Cannabis sativa fonte de tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD), usada de várias formas, para doentes terminais, etc.; o meimendo negro, fonte de escopolamina, usado medicamento Buscopan. Faço aqui uma pausa para referir que a escopolamina é um potente veneno, mas em pequena quantidade é o medicamento referido. Isso acontece com uma boa parte das moléculas bioativas pois aos serem bioativas são venenos em grande quantidade e podem ser medicamentos em pequena quantidade. Continuando a referir as plantas e moléculas presentes dos cartazes: a papoila-dormideira, a origem da morfina; deladona, origem da atropina; o teixo, fonte de paclitaxel (já referido), que é usado para o tratamento de alguns cancros; e a Galantus nivalis, fonte de galantamina, moléculas usada para o Alzheimer.Noutros canteiros podemos ver o chícharo, fonte de algumas moléculas que causam rabdomiólise (em casos extremos, causando paralisia dos músculos das pernas; em Espanha a sua farinha – farinha de almortas - esteve proibida), mas o consumo moderado e os processos de demolha afastam uma boa parte desse problema. Noutro canteiro, podemos ver a planta do linho. Há também uma árvore de cuja casca se extrai a canela.
É interessante o jardim sensorial (também não tivemos tempo de ir aí) o qual envolve plantas que estimulam quase todos os sentidos. Chamo a atenção para os sentidos químicos do olfato e paladar.
No exterior do Jardim Botânico, na Rua Martim de Freitas, podemos no aqueduto apreciar as dolomias, as estalactites e os depósitos de gesso devido aos compostos de enxofre na atmosfera (tinha planeado fazer a sua análise sumária e precipitação com cloreto de bário, mas acabámos por não ter tempo). Do outro lado da rua, temos casas isoladas com alumínio, e construções com zinco e (provavelmente) com finas camadas de cobre em águas furtadas.
Ao longo das paredes e muros podemos observar uma planta de onde se poderia extrair a valeriana. Ao longo de todo o percurso pudemos apreciar as paredes brancas que usam o pigmento dióxido de titânio, os vidros planos e antigos, os ar-condicionados, o ferro e outros metais usados em construção.
Há muitas coisas que se podem ver e sobre as quais se pode refletir. O mais importante, na minha opinião, é essa capacidade de ver e refletir sobre o que nos rodeia.
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