Passeios Químicos em Londres

[Estive várias vezes em Londres, mas nunca mais do que um dia. Nesta férias surgiu a oportunidade de passar mais uns dias na cidade, mas, mesmo assim, senti que era pouco tempo para tantas coisas que queria ver e fazer.]

A ideia original de “Chemical Trair” foi concretizada por Peter Borrows, em Londres, em 1984, em Pimlico (1). Desde esse trabalho, este autor realizou vários “Chemical Trail” (2). Como já referi várias vezes, inspirado por esse conceito eu comecei, em 2009, a realizar e escrever “Passeios Químicos” que, embora continuem a ser semelhantes à ideia original, se têm, muitas vezes, afastado da concretização posterior dos “Chem Trails”(2). Atualmente, em vez de serem trilhos temáticos e bastante técnicos, são essencialmente baseados nos aspetos químicos que podemos encontrar ou que inspira a visita a um determinado local e qualquer pessoa com uma cultura média pode ler. 

Sendo assim, foi, para mim, bastante interessante visitar a Pimlico Road. Trata-se de uma rua de antiquários e, se algumas coisas são semelhantes à versão original (1), como as referências aos materiais de construção (tijolos, gradeamentos, vidros, tintas, etc.), ou de organização da rua (sinalização, pavimentos, etc.), há outros aspetos que tenho referido em alguns passeios que eu realizei e que aqui podem também ser evocados (os vidros planos, os espelhos, etc.)

Desde 1984, a Estrada de Pimlico, mudou com certeza, mas os materiais de que são feitas e casas e gradeamentos, assim como os materiais de que são feitos os sinais de trânsito e outros não deve ter mudando muito. As casas e edificações têm um aspeto essencialmente vermelho. São feitas com tijolos de barro que é um material que tem bastantes óxidos de ferro, responsável pela cor vermelha, e que, ao ser cozido, liberta moléculas de água, ficando rígido. Borrows referiu isso, assim como as reações químicas responsáveis por esse efeito (1). Referiu também os gradeamentos de ferro e a oxidação que podem ter. Nesta rua, eu vi tudo impecavelmente pintado, essencialmente com tinta preta. Uma forma de evitar a oxidação do ferro é recobri-lo com um material que não deixe entrar o oxigénio, por exemplo tinta polimérica. Vi aqui, mas também noutros lugares da Grã-Bretanha, como essas pinturas eram realizadas com frequência, não tendo dado conta de sítios com ferrugem. Havia também algumas casas pintadas de vermelho escuro, por de cima dos tijolos e nos rés-do chão usavam por vezes tintas escuras e tintas brancas. O resultado era que estava tudo muito cuidado e limpo Havia muitas plantas e uma placa a indicar que estas eram boas para as abelhas. Algures no início da rua, havia uma urbanização com um árvore de ferro pintada de preto. Quando lá estive, havia também um pequeno mercado. O material de que era pavimentada a rua era alcatrão, que é a parte com maior peso molar do petróleo, que é em parte insolúvel mesmo em solventes orgânicos vulgares. As marcas na estrada eram brancas, mas não vi com atenção a sua espessura. A maioria das marcas da estrada duradouras atuais envolvem uma combinação de materiais como sílica, calcite, pigmento branco, e outros materiais, ligados por óleos minerais naturais ou sintéticos de elevada massa molecular que solidificam à temperatura ambiente, mas a mistura é líquida à temperatura de aplicação. Os passeios eram largos e pareceram-me ser de cimento. Tudo estava muito cuidado e limpo, como já referi. Nem vi as clássicas pastilhas elásticas negras no pavimento. Também não vi que ainda restasse chumbo que tenha sido usado para “chumbar” as grades às paredes. Peter Borrows refere isso, mas passados quarenta anos reparei em toda a Grã-Bretanha que restavam poucos exemplos dessa forma de ligar o ferro às paredes.     

Outro local que queria visitar em Londres, era a Royal Institution e, em particular, o Museu Faraday, pois além de ter traduzido e anotado a "História Química de uma Vela" de Michael Faraday com Isabel Prata (3), fiz uma recriação das suas demonstrações com Filipa Pereira (4). Como era fim de semana quando lá estive, estava fechada, mas tirei algumas fotografias do seu exterior. Curiosamente, fui depois para Edimburgo onde estava a decorrer o Festival Fringe. no qual, entre muitas coisas sobre as quais escreverei mais tarde, havia uma palestra do Professor Pankaj Pankaj, da Escola de Engenharia de Edimburgo, denominada “Physical Experiments Are So Passé”. Não tendo assistido à palestra, posso concordar, mas apenas em parte. De facto, não faz sentido realizar experiências caras que podem ser simuladas nem demonstrações perigosas, ou pouco sustentáveis, quando podemos realizar vários tipos de simulações, inclusive utilizando realidade virtual e aumentada. Mas ainda continua a haver espaço para as experiências cujo resultado por simulação seja incerto e para as demonstrações não perigosas e sustentáveis, que podem ao mesmo tempo ser simples, eficazes e que provoquem abertura da mente, como as que fez Michael Faraday. Ou ainda as que estão na origem de trabalhos de “mão na massa” realizados pelos estudantes.   

O edifício do parlamento, Portcullis House, em Westminster, que serve para gabinetes e serviços, contém 450 toneladas de bronze de níquel e alumínio nas ombreiras das janelas, revestimentos e telhado (escurecido de forma artificial), e foi construido para resistir ao rebentamento de bombas (5). Este tipo de bronze, baseado no cobre, tem 9-12% de alumínio e cerca de 5% de ferro ou níquel. Perto, a cerca de 600 metros, situou-se a primeira fábrica de gás para iluminação do mundo (6), oficialmente inaugurada em 1812 (está assinalado por uma placa na Rua Great Peter que não fotografei).

Como em todas as fábricas deste tipo, o carvão era aquecido a altas temperaturas, libertando-se um gás combustível que era armazenado em gasómetros caraterísticos (de que ainda restam as enormes estruturas em Lisboa e Edimburgo, por exemplo, mas também vi uma perto de uma margem do Rio Tamisa) a pressão ambiente, sendo depois canalizado e as iluminação realizada pela queima desse gás nos bicos de saída. O livro “Os Maias” de Eça de Queirós há bastantes referências a este tipo de iluminação. Curiosamente, só a ver a fotografia com mais cuidado, reparei que tinha fotografado o gasómetro (já a tinha apagado do telemóvel, mas por acaso tinha-a guardado noutro lado). E só o procurei depois de ver um programa que tinha gravado sobre Londres, e reparei na sua presença no rio. A moral da história é óbvia: muitas descobertas são realizadas por acaso, mas só se tornam evidentes se estivermos atentos e trabalharmos muito e de forma resiliente. 

O Rio Tamisa é muito turvo e escuro, devido a uma enorme quantidade de matéria orgânica em suspensão (parece que sempre foi assim – o nome do rio deriva de "escuro" numa língua antiga). Ao longo do rio podemos encontrar centrais flutuantes de limpeza do rio, em particular do seu lixo macroscópico, mas não parecem ser suficientes para a matéria orgânica em suspensão. No século XIX foi famosa uma ação de Michael Faraday para chamar a atenção para a poluição do rio em que este usou quadradinhos de papel branco que mal se afundavam deixavam de ser visíveis. Na altura as pessoas queixavam-se do cheiro nauseabundo e os esgotos dos edifícios despejavam diretamente no rio.

O rio era conhecido como “Great Stink”, houve várias epidemias de cólera e pensa-se que o príncipe Alberto morreu de febre tifóide (aliás como rei português D. Pedro V) por viver perto do rio. Paradoxalmente, ou não, a situação parece ter ficado bem pior com a a invenção do autoclismo cerca de 1850. Hoje, todos os esgotos são recolhidos e enviados para centrais de tratamento, mas restam muitas outras aplicações humanas do rio. Na altura em que fiz um passeio de barco no Tamisa era maré baixa e havia muitas pessoas nas partes secas do rio. Chamo também a atenção para os canais. Todas as grandes cidades (e Londres não é exceção) tinham muitos canais que serviam para transporte mais fácil de mercadorias. 

No passeio que fiz no Tamisa passei por debaixo de várias pontes e em particular na Ponte de Southwark reparei nos pontos de ferrugem e nas estalactites. Também já referi várias vezes, que não precisamos de ir a grutas ver estas formações geológicas. Estas formações de carbonato de cálcio ocorrem nas escorrências do cimento muito rapidamente ou podem formar-se mais lentamente na parte de baixo de, por exemplo, uma ponte de ferro em sítios onde a água vai pingando e evaporando lentamente.    

O Museu do Design fica num extremo do Parque de Holland (7). Acabei por não ir lá, mas do que vi e li sobre este museu, a exposição permanente visa chamar a atenção para objetos do nosso quotidiano de forma ativa e provocadora. Nesse ponto, entra a Química, pois além do desenho, são relevantes os materiais de que  esses objetos são feitos e as soluções técnicas e estéticas que permitem a sua produção em massa de forma mais sustentável, as cores que envolvem pigmentos, muitos deles sintéticos e artificiais, etc. São também relevantes as soluções para o fim de vida dos objetos e a economia circular. Os museus na Grã-Bretanha são em geral gratuitos e este não é exceção. São pagas as exposições temporárias e mesmo as palestras, ao contrário dos museus em Portugal. Há também uma grande preocupação em envolver e serem pedagógicos. 

Perto do Museu do Design, tomamos café e comemos alguns bolos. Em termos estéticos e gastronómicos foi uma óptima experiência. Entretanto, eu não pude deixar de reparar nos materias de que eram feitas as mesas, tabuleiros e pratos no café onde estávamos. As mesas eram de chapa zincada, mas o zinco já começava a desaparecer e o ferro a enferrujar. Também poderia ser do excesso de uso de lixívia que acelera muito a oxidação do ferro, claro. O efeito era, apesar de tudo, interessante . Os tabuleiros eram de alumínio, mas era aquele alumínio baço das panelas velhas devido às camadas de óxido exteriores. E finalmente, os pratos eram brilhantes, do vidrado, e brancos, devido ao óxido de estanho. E claro, havia as coisas que estávamos a comer e beber. Quanta Química e Beleza! Já referi várias vezes, mas podemos maravilhar-nos com estas pequenas coisas que, apresar de tudo, acabam por ser bastante importantes.   

O Museu de História Natural  é impressionante pelo próprio edifício (8, 9). Nas colunas, paredes e vitrais tem imagens da natureza, em vez de motivos religiosos ou políticos. É como que uma "catedral da Natureza." No Hall de entrada central está pendurado o famoso esqueleto de uma baleia azul com mais 25 metros, mas há também uma zona nova (o Centro Darwin) muito arrojada ao lado. Em geral, todas as exposições e objetos que são mostrados são muito interessantes e e pedagógicos. Aprende-se sempre alguma coisa com o que está em exposição. Não vou referir muito mais, mas há algumas coisas que se revelaram surpreendentes. Não vou falar das coisas que se encontram no museu, mas antes da sua organização. A visita é gratuita e são multidões que se passeiam por ali de forma harmoniosa, havendo coisas para todos e para todos os níveis! Isto custa dinheiro, claro, e em todos o lugares pedem donativos, mas a organização é excelente. 

O Museu Victoria & Albert, que fica ao lado, é também muito interessante (10, 11). Já disse acima que Albert morreu de febre tifóide, como D. Pedro V. Já, aliás, referi isso várias vezes, mas nunca é de mais relembrar. Na altura, a ausência do tratamento da água e de esgotos, assim como de antibióticos podia matar reis e principes (12)! Chamou-me a atenção a forma pedagógica como era explicado como eram feitas determinadas peças, em particular as de metal e as estátuas. No caso das peças de metal, banhadas com outros metais, era explicado como faziam os banhos eletroquímicos, mostrado exemplos para vários metais e cores. Para além disto, havia réplicas que podiam ser tocadas. Tal já começa a ser comum em vários museus, mas é sempre interessante e motivador. 

Havia também perguntas sobre os tipos de materiais usados nas peças, sendo dados exemplos. O museu é enorme, e só pude ver uma parte muito pequena (felizmente, posso ver no guia o resto). Na ala correspondente ao Oriente, havia muitos detalhes sobre o chá, sobre o incenso, pinturas e cosméticos. Foi muito curioso ver estas últimas, pois em Coimbra havia uma exposição sobre a ópera chinesa e tinha ficado curioso sobre os materiais usados nas tintas dos rostos. Procurei artigos científicos, mas não encontrei muitas coisas e sobretudo encontrei algumas coisas duvidosas mesmo em artigos de natureza científica. 

Obviamente, não era usado cinábrio (composto de mercúrio e enxofre) como vi num deles, pois o cinábrio é muito tóxico. Vi também vários artigos sobre metais pesados nos cosméticos tradicionais, mas estes são em geral fruto de contaminações ou impurezas devidas ao uso de sais de metais menos tóxicos. É referido, no entanto, o açafrão-bastardo (Carthamus tinctorius), cujo uso era ilustrado no museu V & A. A cor é dada por um flavonóide que quando seco tem um aspeto avermelhado e tinge e pinta de cor laranja-amarelado, sendo usado em cosméticos e tingimento de roupas.  

Achei curioso encontrar um edifício que estava decorado com azulejos e dizeres antigos (eu diria de Arte Nova) da Michelin. O edifício Michelin, como é conhecido, tem agora um restaurante, lojas e escritórios, mas foi desenhado em 1911 para a loja dos famosos pneus. Foi um dos primeiros edifícios de Londres a ser construído com concreto e ferro e tem um conjunto de azulejos notáveis. Como é bem conhecido a Michelin diversificou os seus negócios e atividades, sendo também identificada pelas suas estrelas para os restaurantes. A borracha dos pneus é branca, como aliás o famoso “homem Michelin” (o Bibendum), sendo o negro de fumo o que dá a cor negra. Acontece que esse material dá também maior resistência aos pneus, sendo usado nestes cerca de 22%. Ora, se um pneu de um carro pesa cerca de sete a nove quilogramas e cada pneu tem cerca de 1,5 a 2 quilogramas de negro de fumo, podemos estimar quanto negro de fumo está em circulação no mundo nos pneus dos automóveis (considerando 1.5 mil milhões de carros no mundo e que cada carro tem quatro pneus): cerca de 9 a 12 milhões de toneladas (deve ser um número maior pois não estou a contar com os pneus sobresselentes nem com os camiões). No entanto, na minha opinião, não devemos ficar assustados com estes números enormes mas procurar entendê-los.   

Na National Gallery (13, 14), pode ver-se uma grande quantidade de obras primas, muitas bem conhecidas, e de várias épocas, desde o século XIV ao inicio do século XX. Estão presentes autores como Jan van Eyck (1422-1441), Piero della Francesca (1415/20-1492), Botticelli (1445-1510), Crivelli (1430/5-1494), Bellini (1435-1516), Raphael (1483-1520), Leonardo da Vinci (1452-1519),Ticiano (1506-1576), Caravaggio (1571-1610), Artemisia Gentileschi (1593-1654), Rubens (1574-1640), Rembrandt (1606-1669), Velásquez (1599-1660), Vermeer (1632-1675), Ingres (1780-1867), Turner (1775-1851), Manet (1832-1883), Monet (1840-1926), Renoir (1841-1919), Degas (1834-1917), Cezanne (1839-1906), Renoir (1841-1919), Seurat (1859-1891), Van Gogh (1853-1890), entre outros.

Porque refiro todos estes nomes? Para filosofar brevemente sobre a razão de não termos em Portugal quase nenhuns ícones da arte internacional. É fácil dizermos que éramos e somos um país pobre e periférico, mas isso não permite entender toda a história. Durante os descobrimentos e quase até ao século XVIII éramos um país rico e central. O português chegou a ser língua franca. Mas mesmo desse tempo temos poucas obras primas internacionais. Uma parte da questão pode ser respondida pela sorte e por pouco se valorizar a cultura e arte desde sempre. A ideia do mecenas é estranha e a do colecionador que que dá ou vende a sua coleção ao estado é rara e nem sequer é muito vem vista. Mais tarde, acumularam-se as dívidas e surgiu o declínio, mais por má gestão e corrupção do que por não haver recursos. Havia recursos, como há hoje, assim como existiam ricos. Mas, beneméritos, quase só nos lembramos dos novos ricos como o Conde Ferreira (1782-1866), que enriqueceu com o tráfico de escravos, e de Calouste Gulbenkian (1869-1955), que escolheu o nosso país para se exilar. Éramos pobres e periféricos porque as nossa elites assim o pensavam. E tanto o pensaram que começaram a acreditar nisso, ou a fazer crer que acreditavam. Há uma inveja quase só portuguesa que é querer que os outros tenham menos coisas (e não querer ter mais coisas do que eles). Curiosamente, são os Ingleses que têm um palavra para referir a satisfação perante a desgraça dos outros (“gloat”), algo que nós não temos. Também curioso foi Henry Tate (1819-1899) ter enriquecido com algo relacionado com o tráfico de escravos: produzir açúcar e dar-lhe mais valor através da comercialização de cubos de açúcar. Mas enquanto as escolas já estavam garantidas no Império Britânico, nem isso tínhamos em Portugal. Agora estamos a descobrir uma das nossas maiores riquezas: o conhecimento e a cultura. Mas, ainda há muito atavismo, infelizmente.      

Relacionado com a ciência, um quadro que está em exposição é de Joseph Wright de Derby (1734-1797) e retrata uma demonstração cientifica em que com uma ave é colocada numa campânula ligada a uma bomba de vácuo (pode imaginar-se o que irá acontecer). Uma rapariga tapa os olhos para não ver, mas dois namorados não ligam nada (14). O quadro representa uma cena noturna iluminada com uma vela e é um dos ícones da ciência romântica.

Aqui, pode também ver-se um quadro inacabado de Miguelangelo (1475-1564), o qual permitir ver como em determinada altura eram pintadas as figuras humanas. Era usado verde como base para a pele, o que em alguns quadros fez com que os rostos fossem “ficando verdes”, pois esse verde tornou-se mais visível. Essa base do quadro era de verdigris, em geral sais básicos de carbonato de cobre (II), como os que recobrem as estátuas de bronze. Na galeria, esse efeito pode ser visto num quadro como a Anunciação de Duccio (ativo 1270-1319).

Estavam lá também vários quadros de Vincent Van Gogh (1853-1890), em particular estava em exposição uma das versão mais famosas do tema dos girassóis, que este usou em vários quadros. Este, em particular, tornou-se ainda mais famoso recentemente por duas ativistas lhe terem atirado molho de tomate. Felizmente, o quadro estava dentro de uma caixa protetora de vidro que é quase invisível para quem observa (referi mais longamente esta questão no Passeio Químico em Paris). Van Gogh usou tintas espessas, disponíveis na altura recentemente, para criar efeitos de textura (14). Infelizmente, usou alguns pigmentos amarelos que envelhecem mal, como o cromato de chumbo (II), que vai escurecendo com o contacto com a luz.

Chamaram-me a atenção, também os extintores de incêndios (depois verifiquei que eram iguais em todos nos museus que visitei na Grã-Bretanha). Estes são apenas de água para evitar mais danos caso venham a ser usados. É muito óbvio, mas podemos perguntar por que é que a água apaga o fogo. Saber que tal acontece não é uma explicação, obviamente. Vamos então procurar saber. Primeiro a água é um produto da combustão. Ora, adicionar um produto desloca a reação no sentido dos reagentes. Mas será que isso é importante aqui? Talvez não, pois o equilíbrio está muito deslocado no sentido dos reagentes, no entanto ao colocar muita água, que ainda por cima tem um coeficiente térmico grande (absorve muito calor para uma dada massa massa), baixa-se a temperatura muito e assim diminui-se muito a constante de equilíbrio, pois a reação é exotérmica e reação fica muito lenta. Na verdade, há reações, que são formalmente equivalentes à combustão, como a oxidação dos metais que são muito lentas. Ou seja, para crianças e adultos que não precisem de explicações elaboradas podemos simplesmente referir o arrefecimento que em termos práticos pára a reação. Para alunos mais avançados e adultos mais conhecedores, podemos falar de que o arrefecimento baixa muito a constante de equilíbrio (o mais importante) e que ao adicionamos um produto (que é necessário aquecer) a reação é deslocada no sentido dos reagentes.      

A Tate Britain (15, 16) tem um conjunto muito heterogéneo de obras de que se destacam William Blake (1757-1827), os pré-Rafaelitas (estando presente o famoso quadro de Ofélia a boiar nas águas), Francis Bacon (1909-1992), Henry Moore (1898-1986), Lucien Freud (1922-2011), David Hockney (n. 1937), entre outros artistas consagrados da Grã-Bretanha ou ligados à sua cultura. Curiosamente, na sala dos pré-Rafaelitas havia também um quadro inacabado, o que é, como já referi, a propósito da Nacional Gallery, muito pedagógico. 

A Tate Britain, alberga a maior coleção de quadros de Joseph William Turner (1775-1851), que teve desde a sua estreia, detratores, mas que é, em geral, muito amado. No museu, isto é abordado, sendo analisada a sua vontade de experimentar novos materiais e técnicas. Turner é muitas vezes associado a temas científicos de uma forma indireta pela forma como tratou determinados assuntos, em particular a luz e o fogo. 

A Tate Modern (17) fica num edifício que foi uma antiga central térmica ao lado do rio Tamisa, a central de Bankside, que tem uma varanda para a catedral de São Paulo, a qual fica do outro lado do rio. Em meados do século XX esta central foi remodelada como uma “catedral da energia” e foi  adaptado para museu em 1994 de forma a manter muitas das caraterísticas anteriores (17). De um dos lados existe um enorme hangar onde havia uma turbina gigantesca e foi mantida a chaminé onde eram expelidos os gases. Até a meados do séculos XX funcionava a carvão e havia muitas queixas de poluição. De meados dos século XX até cerca de 1981, funcionou usando petróleo, tornou-se obsoleta. Como funcionam estas centrais de energia? O combustível é usado para aquecer o vapor que faz funcionar as turbinas que por seu lado produzem eletricidade por indução. Todos as centrais térmicas funcionam assim: por colocação em movimento das turbinas, sendo que nas centrais hidroelétricas as turbinas são acionadas pela queda da água.  

As obras de arte na Tate Modern são mais experimentais de que as da Tate Britain, havendo muito mais espaço para inovação e experimentação. Em qualquer dos casos, a exposição permanente e as temáticas destas estão organizadas de forma a ajudar os visitantes a perceber melhor a arte moderna. Em particular, lembro-me de uma parte dedicada à cor e como esta era usada por diferentes artistas. Há um razoável espaço dedicado a Joseph Beuys (1921-1986) e achei muito interessantes várias coisas, em particular uma paródia sobre o uso de uma batata para produzir energia, não fixei de que artista. 

Embora os Imperial War Museums (18, 19) tenham um nome que de alguma forma faça pensar que iremos encontrar a glorificação do Império Britânico, a minha experiência em Londres não foi bem isso. Tinha uma grande exposição sobre a primeira mundial, muito centrada nas pessoas que sofreram com ela e papel das mulheres e crianças e por todo o lado se questionava a guerra e o imperialismo. Entre as muitas coisas que observei, chamou-me a atenção veículo blindado em que seguia um jornalista que foi emboscado. Os vidros à prova de bala atingidos estavam marcados pelo impacto das balas. Os vidros à prova de balas tradicionais são constituídos por várias camadas de vidro laminado, coladas por polímeros, podendo esses vidros serem reforçados de forma química (20). Os vários vidros de carro à prova de bala de carros que vi, eram transparentes, mas tinham um aspeto verde amarelado que pode ser devido às várias camadas de vidro, sendo que cada uma poderia parecer transparente, mas a colagem de várias torna mais visível a presença de ferro (II), ou também do efeito do escurecimento das camadas de polímeros que as colam.

Passei perto do palácio de Buckingham e estava lá uma grande multidão para ver o render da guarda. Eu nem estava muito interessado nessa cerimonia, mas acabei por a ver e ouvir (acho que não vale a pena passar lá muito tempo para conseguir "o melhor lugar"). Mas a parte mais interessante, foi reparar que a estátua em frente parecia de ouro mas não era, claro: está coberta com folha de ouro. E que nos gradeamentos com apliques também é usada folha de ouro ou pintura a ouro. Já referi isso várias vezes: as folhas de ouro são muito finas (cerca de 0.0001 metros). Ora a superfície de um corpo humano é cerca de dois metros e a densidade do ouro é cerca de 19.4 quilogramas por litro. Então uma estátua em tamanho natural coberta de folha de ouro terá cerca de 0.388 gramas de ouro! Daqui se percebe que não valeria a pena “roubar” uma estátua pelo ouro. Mas há muitas vantagens nisto, além das estéticas. Pode ser usado um metal mais económico e leve por debaixo. Se a estátua fosse de bronze (tipicamente 88% de cobre e 12% de estanho), mesmo oca, com digamos, cinco centímetros de espessura, teria quase 90 quilogramas (2x5x8.7), a que correspondiam cerca de 80 quilogramas de cobre, mas a estátua poderá ser de alumínio e ser assim mais leve. Uma estátua em tamanho natural de alumínio, também com espessura de cinco centímetros pesaria cerca de 27 quilogramas (2x5x2.7). Há várias outras estátuas na cidade cobertas de folha de ouro e são impressionantes. Comentei isso a propósito das estátuas em Paris, mas não tinha chegado a esta conclusão sobre poder usar-se por debaixo metais mais baratos e leves. 

Um espaço que queria visitar em Londres era o da Fundação Wellcome (21). Esta foi fundada em 1936 e teve associada uma grande empresa farmacêutica, a que pertenceu por exemplo Gertrude Elion (1918-1999), que teve um papel importante no desenvolvimento do primeiro imunossupressor, do AZT e do aciclovir, entre outros medicamentos e recebeu o Prémio Nobel em 1988. Perto de final do século XX, a fundação decidiu vender a empresa, que agora faz parte da GlaxoSmithKline, com quem não está associada, fazem questão de referir (21). Achei o museu pequeno e algo confuso, mas a loja e a biblioteca (e sala de leitura) eram óptimos espaços. Havia também uma exposição muito bonita e interativa sobre as memórias de um artista, Jason Wilsher-Mills, que dos 11 aos 16 anos ficou imobilizado numa cama de hospital devido a complicações da varicela (a exposição chamava-se "Jason and the adventure of 254" e foi ao revisitar o catálogo que percebi que tratava de um assunto bastante diferente do que pensei na altura). Curiosamente (ou não), um dos medicamentos de sucesso da Wellcome foi o aciclovir (Zovirax) que servia precisamente para tratar também estas complicações devidas ao vírus Herpes Zoster. Cá fora havia vários néons sobre a importância da investigação sobre antibióticos.

Fiquei instalado em Fulham e, bem cedo, fiz o caminho a pé até Pimlico Road. Logo no início, reparei num “anúncio fantasma” dos fósforos Bryant & May que abriu a fábrica em 1861 e mudou para Liverpool em 1979 (22). Chamei-lhe "anúncio fantasma" pois aparecia como sendo parte de uma espécie de caça a esses anúncios. Os fósforos tiveram nessa altura muita importância, em especial os de segurança. Falei disso ao referir o Museu dos Fósforos em Jonkoping na Suécia. É interessante, referir que a fábrica foi alvo da grande greve das "1400 raparigas dos fósforos" em 1888 que teve grande impacto nas condições de trabalho (23). Como funcionam os fósforos de segurança? Basicamente, a pouca quantidade do elemento fósforo (que é venenoso) que estes contêm está na lixa, estando na sua cabeça sulfureto de antimónio (o enxofre dá o cheiro caraterístico quando o fósforo arde), clorato de potássio (este último elemento dá alguma cor lilás quando o fósforo queima) e um corante, em geral vermelho.     

Pouco depois, deparei-me com o Cemitério de Brompton, onde entrei, o qual é bonito e muito grande. Não sabia na altura que este albergava a tumba do médico John Snow (1813-1858), pioneiro do uso da anestesia e que teve um papel muito importante no entendimento das epidemias de cólera causadas pelas águas do rio Tamisa. É por isso considerando o pai da Epidemiologia e recordado pela investigação que ligou a cólera às águas contaminadas, havendo uma placa azul comemorativa no local do seu nascimento, em York, da responsabilidade da Royal Society of Chemistry (24). 

Fui passando por vários locais e vendo sebes de diferentes plantas. Em Londres são muito usadas o louro-cerejo e o teixo, ambas plantas venenosas. A primeira tem amigdalina, molécula que contém um grupo cianeto e a segunda tem vários compostos aparentados ao taxol, o qual é usado para o tratamento de alguns cancros.

Passei junto a um bar chamado "Terra da Dopamina" e não resisti a tirar uma fotografia a uma pessoa a abir a porta. Como sabemos, a dopamina é um neurotransmisor relacionado com as sensações de prazer e o vício. Há inúmeros artigos, programas populares e livros que referem o seu papel, tanto fundamental como trágico, na sociedade moderna, nas redes socias. Esta visão é bastante simplista mas pode ter alguma razão.  

Encontrei também uma bomba de gasolina no caminho. Mais importante do que os preços e outros aspetos, achei muito interessante ver que os códigos para a inclusão de biodiesel no gasóleo e o etanol na gasolina eram semelhantes aos de Portugal (os retângulos brancos com as letras "B" e "E" e números correspondentes a percentagens). A gasolina tem um mínimo de 5% de etanol (E 5) para e o gasóleo tem um mínimo de 7% de biodiesel (B 7). Como já referi, continuamos ávidos de energia. Há uma grande procura por óleos alimentares usados para produzir biodiesel. Na verdade, várias indústrias querem óleos alimentares usados (pelo menos as dos combustíveis e as dos detergentes), mas nós cada vez menos os usamos nas nossas casas. 

Já vão longos estes passeios Químicos em Londres e, mesmo assim, muito mais haveria para dizer. Vou ficar por aqui e espero voltar em breve a Londres.   

Referências

(1) Peter Borrows, The Pimlico chemistry trail, School Science Review 66, 221 (1984)

(2) Peter Borrows, Chemistry outdoors, School Science Review 87, 23 (2006).

(3) Faraday, Michael; Formosinho, S., Prata, M. I. M., Rodrigues, S. P. J. A história química de uma vela: curso de seis lições. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. 2011. DOI: 10.14195/978-989-26-0211-0

(4) Rodrigues, S.P.J., Oliveira, F. A História Química de uma Vela de Michael Faraday dez anos depois. 1º Encontro Nacional de História da Química da SPQ, 2021.

(5) Copper Alliance. Guide to Nickel Aluminium Bronze for Engineers. https://www.inoxyda.fr/0-assets/pdf/guide-cupro-alu.pdf (acedido 15 de agosto de 2024).

(6) WCCLibraries. The Gas Light and Coke Company in Westminster. https://wcclibraries.wordpress.com/2015/08/31/the-gas-light-and-coke-company-in-westminster/ (acedido 15 de agosto de 2024)

(7) Design Museum. https://designmuseum.org/ (acedido 31 de agosto de 2024).

(8) Natural History Museum. https://www.nhm.ac.uk/ (acedido 31 de agosto de 2024).

(9) Natural History Museum. Souvenir Guide. Natural History Museum, 2024. Sempre que posso, e quando os guias não são muito caros, compro-os. É uma forma de continuar a visita, ou voltar, depois de ter ido embora, de ver peças que poderia ter visto, ou rever outras, tirar dúvidas sobre o museu que possam não estar na Internet, etc. Além disso, os guias dos museus, são objetos muito locais e acho que não faz sentido em termos económicos gastar centenas de euros a fazer uma viagem e depois não gastar alguns euros num guia. Entre um guia de um museu e um café para turistas, prefiro sempre o primeiro.

(10) Vitoria & Albert Museum. https://www.vam.ac.uk/ (acedido 31 de agosto de 2024).

(11) V & A South Kensington. Guidebook. V & A Publishing, 2024.

(12) Rodrigues, S. P. J. Química e Saúde Pública: Elementos da História de uma relação fundamental. Revista Multidisciplinar, 4(2), 57–74, (2022). https://doi.org/10.23882/rmd.22087.

(13) The National Gallery. https://www.nationalgallery.org.uk/ (acedido 31 de agosto de 2024).

(14) The National Gallery. Highlights. The National Gallery, 2023.

(15) Tate Britain. https://www.tate.org.uk/ (acedido 31 de agosto de 2024).

(16)  Tate Britain. Highlights. Tate Interprises, 2018.

(17) Tate Modern. https://www.tate.org.uk/visit/tate-modern (acedido 31 de agosto de 2024).

(18)  Inperial War Museum, London. https://www.iwm.org.uk/visits/iwm-london (acedido 31 de agosto de 2024).

(19) Imperial War Museum, London. Guidebook. IWM Publishing, 2024.  

(20) FG. Understanding Ballistic Glass: Its Composition and Functionality. https://fgglass.com/blogs-details/understanding-ballistic-glass:-its-composition-and-functionality  (acedido 31 de agosto de 2024).

(21) Wellcome Trust. https://wellcome.org/ (acedido 31 de agosto de 2024).

(22) Historic England. Bryant and May Match Factory, Bow, Greater London. https://historicengland.org.uk/services-skills/education/educational-images/bryant-and-may-match-factory-bow-10984 (acedido 31 de agosto de 2024).

(23) Historic UK. The Match Girls Strike. https://www.historic-uk.com/HistoryUK/HistoryofBritain/Match-Girls-Strike/ (acedido 31 de agosto de 2024).

(24) Royal Society of Chemistry. Health Secretary will honour tenacity of cholera pioneer. https://www.rsc.org/news-events/articles/2008/06-june/john-snow/ (acedido 31 de agosto de 2024).