O chumbo já deixou de ser usado nas tintas e nas gasolinas por ser muito tóxico, mas ainda podemos encontrá-lo em tintas antigas e noutros lugares. Por exemplo, o chumbo e as ligas de chumbo eram antigamente usados para chumbar as uniões da pedra com o ferro, o que em alguns casos originou a corrosão precoce desse ferro, por o chumbo ser um metal mais nobre. Na foto pode ver-ser essa utilização nos gradeamentos interiores do Jardim Botânico.
O chumbo desapareceu das gasolinas como foi já referido nas continua presente nas baterias. Actualmente, até em muito maior quantidade, nas muitas baterias dos carros eléctricos. A química dos acumuladores de chumbo é utilizada há muito tempo. Quando a bateria descarrega, fornecendo energia, o chumbo metálico perde electrões no ânodo, formando-se um precipitado de sulfato de chumbo,
Pb(s)+SO42-(aq) → PbSO4(s)+2e-
ao mesmo tempo que no cátodo, no meio ácido devido ao ácido sulfúrico, se dá a reacção,
PbO2(s)+4H++SO42-(aq)+2e- →PbSO4(s)+H2O(l)
Estas reacções químicas são ambas reversíveis e, quando as baterias estão a ser ser carregadas, ocorrem as suas reacções inversas. Dito desta forma pareceria que as baterias duravam para sempre mas, como bem se sabe, e como tudo na vida, não é isso que acontece. De facto, por um lado o sulfato de chumbo começa a cristalizar numa forma mais estável e pouco solúvel e por outro as partes metálicas e mecânicas deterioram-se de forma irreversível. A investigação no desenvolvimento de acumuladores é incansável e espera-se que nos próximos anos se possam substituir as baterias de chumbo por outro tipo de acumuladores mais leves e menos poluentes.
Na antiguidade o chumbo metálico era relativamente fácil de extrair e como tem um baixo ponto de fusão podia ser trabalhado facilmente. É bem conhecida a utilização generalizada deste metal em canalizações e artefactos de cozinha no tempo dos Romanos, o que não seria lá muito saudável e é por vezes apontado como uma das causas da decadência do Império Romano. Os ácidos orgânicos, em especial o ácido acético, em contacto com recipientes de chumbo originavam compostos de chumbo doces, mas muito tóxicos: o acetato de chumbo era conhecido como açúcar de chumbo. Uma deslocação a Conímbriga ou ao Museu Machado de Castro permitirá observar vestígios da utilização do chumbo pelos Romanos.
Em monumentos antigos podemos ainda, por vezes, encontrar telhados e caleiras pluviais de chumbo. Este metal é facilmente identificado pela cor cinzenta escura e por poder ser facilmente riscado com, por exemplo, uma moeda. Embora tivesse já visto caleiras que me pareceram de chumbo, ainda não encontrei vestígios de telhados de chumbo em Coimbra. Mas há um lugar nas igrejas em que se encontra sempre chumbo metálico: as molduras que enquadram os vidros coloridos dos vitrais são feitas de chumbo.
A utilização de sais de chumbo no vidrado de objectos de cerâmica para uso humano merece alguma atenção. De facto, a aplicação destes vidrados nos tempos antigos era bastante irregular e o vidrado era muitas vezes aplicado de forma deficiente, podendo ocorrer a solubilização de compostos de chumbo em contacto com os alimentos. Actualmente, a aplicação destes vidrados é feita com grande cuidado e controlo, originando vidrados muito seguros como o são também os vidros de chumbo, conhecidos como vidro de cristal.
Nas cerâmicas artesanais o óxido de chumbo, necessário para fazer os vidrados, era obtido no denominado forno de chumbo. Neste forno o metal era levado a uma temperatura elevada na presença de oxigénio ocorrendo a reacção,
2Pb(s)+O2(g) → 2PbO(s)
Podemos imaginar como seria perigoso para a saúde estar perto deste forno! O vidrado das loiças era depois realizado levando a 700-850o o óxido de chumbo em conjunto com sílica e sulfatos. Temperaturas superiores a cerca de 1200o levam à vaporização do chumbo, o que torna o processo especialmente perigoso para os artesãos. Outro problema com o vidrado de chumbo, no caso de ser aplicado de forma deficiente, é, como já foi referido, a possibilidade de compostos de chumbo poderem solubilizar-se em contacto com alimentos e bebidas ácidos, tornando esta loiça pouco saudável.
Em Coimbra existiram muitas olarias tradicionais, como o demonstra o topónimo Rua dos Oleiros, para além de ter existido uma grande tradição de indústria cerâmica. Noutro passeio falaremos da química ligada à indústria cerâmica.
Uma outra utilização do chumbo que podemos encontrar na rua é a união de metais com solda tradicional, a qual é uma liga de chumbo e estanho na proporção (cerca de 40% de chumbo e 60% de estanho) em que a mistura dos dois metais tem o menor ponto de fusão. Podemos encontrar velhas caleiras de metal e artefactos de lata, por exemplo em antiquários, soldados com este material. As candeias de azeite, usadas até ao aparecimento da luz eléctrica e antes da popularização dos candeeiros a petróleo e a gás, eram muitas vezes feitos de folha de Flandres (chapa de ferro estanhada) com as uniões soldadas. Também, antes da popularização do alumínio e do aparecimento dos plásticos, os baldes, regadores e bacias eram feitos de chapa de ferro zincada. A chapa zincada, o ferro galvanizado (que na realidade é uma outra denominação do mesmo material), assim como a folha estanhada e a latoaria serão tema de um outro passeio.
É interessante notar que a solda tradicional funciona molhando as partes a soldar e unindo-as através de forças de adesão relativamente fracas. Assim, as uniões entre as chapas têm de ser precedidas por dobragens que resultam na sua união mecânica, servido a solda para selar e reforçar essa união. Mas a solda não molha o alumínio para o qual têm de ser usadas soldas especiais desenvolvidas mais recentemente. Na latoaria tradicional, o alumínio só podia ser trabalhado por meios mecânicos, aproveitando a maleabilidade deste material.
O chumbo foi também muito usado em pigmentos. O vermelho de chumbo Pb3O4 assim como o amarelo das marcas das estradas foram já referidos a propósitos dos pigmentos nos sinais de trânsito. Os pigmentos brancos modernos são o dióxido de titânio, TiO2, o qual é também usado em alguns protectores solares, e compostos de zinco. Mas as tintas brancas tradicionais eram de carbonato básico de chumbo, 2PbCO3.Pb(OH)2, que amarelecia por contacto com ácido sulfídrico, H2S, formando PbS que é negro. Peter Borrows refere que em alguns caso, na tentativa de recuperar pinturas antigas se usou peróxido de hidrogénio para formar sulfato de chumbo.
Para terminar, não deve ser esquecido que o chumbo é muito perigoso. Estão descritos na literatura médica casos mortais de envenenamento de crianças por ingestão de soldadinhos de chumbo, pulseiras e lascas de tinta. Isso para não referir outra utilização tradicional e perigosa do chumbo: os cartuchos das armas de caça; refira-se que a utilização de cartuchos de chumbo foi já proibida em zonas húmidas.
Bibliografia
P. Borrows, Educ. Chem. May 2002, p. 64; September 2002, p. 119.
B. Selinger, Chemistry in the Marketplace, 4rd ed. (HBJ, Sydney, 1989) pp. 236-238, 388-391, 489-490.
S. Cotton, Educ. Chem. September 2006, p. 117.
Carr, D. S., Spangenberg, W. C., Chronley, K. and Meshri, D. T. 2004. Lead Compounds. Kirk-Othmer Encyclopedia of Chemical Technology.
[versão de 19 de Novembro de 2010; com alterações do mesmo dia]
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