[Vou inaugurar os passeios químicos internacionais que nos levarão a Espanha, Suécia, Nova Iorque, Inglaterra e Holanda, entre outros lugares. Começo com aquilo que era para mim um mistério: as ruas Fleming em Espanha.]
É um nome que está presente em quase todos os lugares. Como escrevi noutro lado, o nome de Alexander Fleming (1881-1955) é usado em mais quinhentas ruas, avenidas e monumentos em Espanha. Dirão que é normal, uma vez que se lhe atribui a descoberta do primeiro antibiótico. Trata-se obviamente da penicilina, cuja história aprarentemente muito conhecida é mais desconhecida do que pareceria. E é uma história tanto química como medicinal. E que melhor lugar para evocar esta molécula do que uma rua com o nome de Fleming?
O número de lugares com o nome de Fleming é maior do que o grande Prémio Nobel da medicina espanhol, Santiago Ramón y Cajal (1852-1934), e, obviamente, que o do outro prémio Nobel da medicina espanhol, naturalizado americano, Severo Ochoa (1905-1993). Estes, entretanto, serão alvo de outros passeios. Vamos por agora falar de Fleming e da penicilina.
Em Gijón fizeram uma procissão que evocou Fleming e criaram um subscrição pública para um monumento que ainda hoje é homenageado. Escrevi, que o fenómeno e o entusiasmo se estendeu a toda a Espanha, o que parece evidente. Curiosamente, a homenagem não tinha só que ver com a cura das feridas mas também com a da tuberculose que grassava na Peninsula Ibérica. Acontece que Fleming foi só um peça do conjunto (o prémio Nobel foi atribuido a três pessoas como veremos) e a penicilina, embora um marco fundamental da medicina, é pouco eficaz contra a micobactéria causadora da tuberculose.
[Atualização: em Madrid, no exterior da praça de touros Las Ventas está uma homenagem a Felming por parte dos toureiros, inaugurada em 1964. Conhecia o monumento quando escrevi isto, mas não fui lá quando estive em Madrid]
Escrevi noutra altura, neste blogue, que se diz muitas vezes que a penicilina foi descoberta em 1928, por Alexander Fleming, quando notou que uns fungos matavam bactérias, o que não é bem verdade. Não sou só eu a dizer que Fleming não foi o primeiro a ver que os fungos matavam bactérias. Tony Hartman em Tudo é relativo e outras lendas da ciência e da tecnologia (Gradiva, 2003) identifica pelo menos dez pessoas, entre as quais Pasteur. Fez outra coisa que, bem vistas as coisas, é até melhor: foi o primeiro a pensar nisso como a origem de um medicamento (e deu-lhe um nome). E por que fez isso? Porque foi médico na primeira guerra mundial e andava à procura de materiais que fossem eficazes contra as infecções, nomeadamente a lisozima.
Mas, como é sabido, Fleming não conseguiu isolar a penicilina. Foi preciso chegar a 1940, tendo dois investigadores e a sua equipa, Flory e Chain isolado a penicilina, mas em pequena quantidade (os três, Fleming, Fory e Chain, ganharão o prémio Nobel em 1945). Estava-se no meio da segunda guerra mundial e essa descoberta deu origem ao “projecto penicilina” que envolveu milhares de investigadores de universidades e indústrias, o qual tinha dois objectivos: produzir penicilina em grande quantidade (o que conseguiram, em 1943, nos Estados Unidos, usando tanques de fermentação, o que está na origem da maior farmacêutica actual, a Pfizer) e obter penicilina por métodos sintéticos (esta parte falhou e só foi conseguido no final dos anos 1950 por Sheehan e a sua equipa). Notamos que para produzir penicilina por métodos sintéticos tinha de saber a sua estrutura, o que só foi conseguido em 1944, notavelmente com uma grande contribuição da Dorothy Hodgkins, que viria a ganhar um prémio Nobel mais tarde.
Mas além da estrutura demorar a ser identificada, o anel beta-lactâmico era também muito sensível. Só depois de Sheean fazer a síntese total (sem interesse esconómico), é que este percebeu como se poderiam produzir penicilinas semi-sintéticas. Um exemplo é a amoxililina que surgiu nos anos 1970 e tem um grupo amina e outro álcool que não existiam na versão natural.
Resta saber porque ao antibióticos são eficazes contra bactérias mas não vírus. Porque os antibióticos actuam bloqueando alvos presentes nas bactérias e não nos vírus. E se não houver alvos terapêuticos as moléculas não fazem nada. Por essa razão, os antibióticos eram também uma boa ideia. Porque os seres humanos não tinham os mesmo alvos também. Descobriu-se depois que os antibióticos podiam activar alvos secundários e que podiam causar alergias ou efeitos secundários graves. Mas isso só se soube depois.
Falemos agora da resistência. Não é uma coisa nova: quando apareceu o primeiro antibiótico já havia estirpes resistentes. Mas, as bactérias “não gostam” de morrer e reproduzem-se a grande velocidade (uma geração em média a cada meia hora). A cada geração vão ser mortas pelos antibióticos as mais afectadas, sobrevivem as mais adaptadas ou resistentes. No decurso de uma geração humana as bactérias reproduzem-se milhares de vezes. Uma geração sensível pode dar origem, passado uns tempos a uma geração resistente. O que fazer então? Usar os antibióticos só quando for necessário, para evitar o contacto. Não parar os tratamentos a meio para evitar que sobrevivam as bactérias menos afectadas. Mas a longo prazo isso não chega, precisamos de encontrar novos antibióticos, mais seguros e com menos efeitos secundários. Dou um exemplo: o antibiótico mais eficaz contra a peste, a cólera e a febre da carraça não é muito usado actualmente por os seus efeitos secundários serem potencialmente graves.
Entretanto, hoje em dia, mais de metade dos medicamentos aprovados não têm inspiração natural, mas mesmo os designados medicamentos naturais, para serem sustentáveis, muitas vezes têm de ser produzidos em laboratório.
[Neste artigo aproveita-se em parte artigos do autor no blogue de Reum Natura e deste blogue. Fotos da rua Fleming em Cáceres e do monumento em Gijón. Ruas Ramon y Cajal em Oviedo e Severo Ochoa em Córdoba. Nestas cidade também há ruas Fleming]
[translation (semi-authomatic, corrected)]
[I am going to inaugurate the international chemical trails that will take us to Spain, Sweden, New York, United Kigdom, and Holland, among other places. I start with the mystery of the Fleming streets in Spain.]
It is a name that is present almost everywhere. As I wrote elsewhere, the name of Alexander Fleming (1881-1955) is used in more than five hundred streets, avenues and monuments in Spain. You will say that it is normal, since the discovery of the first antibiotic is attributed to him. This is obviously penicillin, whose apparently well-known history is more unknown than it would seem. And it's a chemical as well as a medical story. And what better place to evoke this molecule than a street named after Fleming?
The number of places under the name of Fleming is greater than the ones of the Spanish Nobel Prize in medicine, Santiago Ramón y Cajal (1852-1934), and, obviously, that of the other Spanish, naturalized American, Nobel Prize in medicine, Severo Ochoa (1905-1993). These, however, will be the target of other trails. For now let's talk about Fleming and penicillin.
In Gijón they made a procession that evoked Fleming and created a public subscription to a monument that is still being honored today. I wrote that the phenomenon and the enthusiasm extended to all Spain, which seems evident. Interestingly, the homage had to do not only with the healing of wounds but also with that of tuberculosis that was raging in the Iberian Peninsula. It turns out that Fleming was just one piece of the set (the Nobel Prize was awarded to three people as we will see) and penicillin, although a fundamental milestone in medicine, is ineffective against the mycobacterium that causes tuberculosis.
[Update: in Madrid, outside the Las Ventas bullring, there is a tribute to Felming by the bullfighters, inaugurated in 1964. I knew the monument when I wrote this, but I didn't go there when I was in Madrid]
I wrote at another time, in this blog, that it is often said that penicillin was discovered in 1928, by Alexander Fleming, when he noticed that some fungi killed bacteria, which is not quite true. It's not just me saying that Fleming was not the first to see that fungi killed bacteria. Tony Hartman in Everything is relative and other legends of science and technology (Gradiva, 2003) identify at least ten people, including Pasteur. He did something else even better: he was the first to think of this as the origin of a medicine and gave it a name. And why did he done that? Because he was a doctor in the first world war and was looking for materials that were effective against infections, namely lisozime.
But, as is well known, he has not been able to isolate the molecule penicillin. It was necessary to arrive in 1940, and two researchers and their team, Flory and Chain, isolated finaly penicillin, but in small quantity (the three, Fleming, Flory and Chain, will win the Nobel Prize in 1945). It was in the middle of the second world war and this discovery gave rise to the “penicillin project”, which involved thousands of researchers from universities and industries, which had two objectives: to produce penicillin in large quantities (which they achieved in 1943 in the United States, using fermentation tanks, which is the origin of the largest pharmaceutical company today, Pfizer) and obtaining penicillin by synthetic methods (this part failed and was only achieved in the late 1950s by Sheehan and his team). We noticed that to produce penicillin by synthetic methods, it lacks to know its structure, which was only achieved in 1944, notably with a great contribution from Dorothy Hodgkins, who would win a Nobel Prize some years late.
But in addition to the structure being difficult to identify, the beta-lactam ring was also very sensitive. It was only after Sheean did the total synthesis (with no economic interest) that he realized how semi-synthetic penicillin could be produced. An example is amoxyliline that appeared in the 1970s and has an amine group and another alcohol that did not exist in the natural version.
It remains to be seen why antibiotics are effective against bacteria but not viruses. Because antibiotics act on blocking targets present in bacteria and not in viruses. And if there are no therapeutic targets, the molecules can do nothing. For that reason, antibiotics were also a good idea. Because human beings didn't have the same targets either. Unfortunately, it was later discovered that antibiotics could activate secondary targets and could cause allergies or serious side effects. But that was only learned later.
Now let's talk about resistance to the antibiotics. It is not a new thing: when the first antibiotic appeared, there were already resistant strains. However, bacteria “don't like” to die and reproduce at great speed (with average generations of half hour). Each generation, the most affected will killed by antibiotics and the most adapted or resistant survive. In the course of a human generation, bacteria reproduce thousands of times. A sensitive generation can give rise to a resistant generation after a while. What to do then? Use antibiotics only when necessary, to avoid contact. Do not stop treatments in the middle to prevent the least affected bacteria from surviving. But that is not enough in the long run, we need to find new antibiotics, safer ones with fewer side effects. Let me give you an example: the most effective antibiotic against plague, cholera and tick fever is not widely used today because its side effects are potentially serious.
Nowadays, more than half of the approved medicines have no natural inspiration, but even the so-called natural medicines, to be sustainable, often have to be produced in the laboratory.
[This article uses parts of author’s articles from Rerum Natura's blog and older posts form this blog, photos of street and monument Fleming in Caceres and Gijón, respectively. Streets Ramon y Cajal in Oviedo and Severo Ochoa in Cordoba. Streets named after Fleming are also availabe in those cities]