Passeio químico no Parque Botânico do Monteiro-Mor

O Parque Botânico do Monteiro-Mor fica perto do centro da cidade de Lisboa, no Lumiar, no palácio onde está o Museu do Traje, na mesma quinta onde podemos visitar o Museu do Teatro. Foi começado pelo terceiro Marquês de Angeja, tendo depois o palácio sido comprado pelo segundo duque de Palmela e tem um interessante jardim botânico contemporâneo dos da Universidade de Coimbra e da Ajuda. Este foi projetado também com o apoio do italiano Domenico Vandelli (1730-1816), contratado pelo Marquês de Pombal para dar aulas no Colégio do Nobres,e que, mais tarde, vai ser o professor de História Natural e Química da Universidade de Coimbra. Entre as muitas coisas que já se podem ver, está lá a primeira araucária plantada em Portugal. É um passeio muito agradável, sendo uma boa parte do jardim de inspiração romântica e havendo muitos pontos que vale bem a pena ver. É interessante além do jardim, a mata, o prado, a horta e vários jardins temáticos, como os das rosas e o das esculturas. Também muito interessante é a forma como estão organizados os tanques e as caleiras para distribuir a água.

Fui lá no verão e aproveitei e visitei também o museu do traje. Neste pequeno museu podemos ver a evolução das modas, mas também das técnicas e tecidos. Estava, na altura, especialmente interessando nos materiais usados nas roupas interiores. Até aos anos 1930, não havia fios elásticos para tecer e as roupas, tanto interiores como exteriores, eram bastante rígidas. Os polímeros sintéticos, em e particular os plásticos, vieram revolucionar isto, dando origem a roupas interiores (e exteriores) mais leves e funcionais. Hoje em dia, graças a várias evoluções científicas já começa a ser possível ter roupas interiores confortáveis baseadas em polímeros naturais, mas os polímeros sintéticos continuam, e continuarão, a ser fundamentais. O que é preciso é, comprar menos, usar mais tempo, reciclar e reinventar cada vez mais as fibras usadas. É preciso que se perceba que, hoje em dia, as roupas que temos são muito mais sustentáveis e confortáveis que as antigas, devido a essa revolução. E que seria insustentável vestir as pessoas do mundo apenas com tecidos naturais. Não haveria terras de cultivo nem água suficientes para isso. Quando muito, as melhores coisas podem coexistir.   

Embora a natureza seja muito extensa e imaginativa, as plantas não estão preocupadas com as nossas doenças. Abundam nestas os antioxidantes, mas não é por nós gostarmos deles, é por as plantas terem de se proteger do sol. Há também medicamentos e inseticidas naturais, entre outros compostos, mas não será por as plantas nos querem dá-los. É por elas se querem proteger das doenças e insetos. Poderíamos dar muito mais exemplos, mas algo diferente disto seria pensamento religioso. Legítimo e relevante, mas não uma explicação cientifica.  

Pode acontecer, claro, que encontremos plantas com compostos que nos servem para um determinado cancro, por exemplo, tanto usando conhecimentos de etnobotânica e etnofarmácia, como por estudos sistemáticos (foi dessa forma que foi descoberto o taxol (paclitaxel) numa variedade de teixo nos anos 1970), mas se virmos as composições típicas das plantas, estas são muito semelhantes.  E também pode acontecer que se encontre a molécula para resolver o nosso problema no outro lado do mundo, mas também pode ser que ela esteja no nosso jardim.

Num estudo recente, que procurava evidenciar as plantas como fonte de novos medicamentos, só cerca de 50% vieram de plantas (de 1652 novos compostos desenvolvidos de 1981 a 2014).  E, atualmente, a percentagem pode ser muito menor. Mas então de onde vêm estes compostos? De onde vêm os novos medicamentos? De estudos sistemáticos, tanto experimentais como teóricos (que não precisam de ser bioinspirados), de análises computacionais, tanto procurando em bases de dados de moléculas as características do fármaco, como fazendo o acoplamento das moléculas candidatas a moléculas ou estruturas ligadas à doença (proteínas, membranas, etc).

Além disso, há também a questão da produção em grande quantidade e da forma de entrega do fármaco. Um exemplo clássico é o do taxol (de novo). O composto foi encontrado na casca de uma espécie em perigo e para obter um grama tinham de se cortar centenas de troncos. A solução encontrada foi através de um composto parecido e renovável, obtido das folhas do teixo comum, e modificar esse composto para obter o composto ativo. Por outro lado, muitas vezes são precisas grandes quantidades e é mais sustentável obter a moléculas no laboratório em vez de ir à natureza ou às culturas obter a planta. E, finalmente, a forma de administração. A molécula natural pode ser promissora, mas ser pouco solúvel, por exemplo. Então, nesse caso, introduzem-se modificações  para esta ser mais facilmente absorvida. Tudo, isto implica que todas moléculas candidatas são muito estudadas. Estima-se que para uma molécula típica  passem quase dez anos a chegada o mercado, e mesmo uma aprovação mais rápida e de emergência é feita em vários anos.

Das muitas plantas, presentes no jardim, chamou-nos a atenção uma pitolaca (Phytolacca dioica). Trata-se de uma invasora que já está entre nós há muitos anos. Podemos encontrar aqui também um dragoeiro (Vandelli gostava muito deles), ginkgos, jacaradás, árvores-do-fogo, pinheiros, sobreiros, ciprestes, e, claro, a araucária, entre muitas outras plantas. Quando sentirmos a beleza da natureza, não pensemos que ela é bela por poder ser útil, mas também por nós e  próprios e as nossas ações fazerem parte dela.

Bibliografia
Clara Vaz Pinto (coord.) Guia do Parque Botânico do Monteiro-Mor. Museu Nacional do traje. By the Book, 2018.

[versão preliminar de 15 de janeiro de 2022] 

Passeio químico em Faro

Vamos fazer um curto passeio químico em Faro. Estive lá pouco tempo e anoiteceu rapidamente, mas apanhei a maré baixa na Ria Formosa (todo aquele verde que se vê nas fotografias são as plantas que estão submersas) e o magnífico pôr-do-sol.
 
Na rua Filipe Alistão, na parede da casa onde fica um take-away, há um conjunto de desenhos relacionados com DNA (ácido desoxirribonucleico) e o RNA (ácido ribonucleico), que chama a atenção para várias coisas, em particular para a evolução durante 4 biliões anos e meio, para chegarmos às células que temos hoje, e, que tem, num canto, um desenho do vírus da Covid-19.

Será difícil fazer um resumo da biologia molecular num artigo de divulgação, mas vou tentar.  Antes, talvez faça sentido referir algumas coisas. Um livro, “a química da vida”, foi determinante para a minhas escolhas futuras. Mas, quando o comprei, e, mais tarde, quando entrei na faculdade já estava desatualizado. Os livros de bioquímica por onde estudei, entre o início e o fim do curso de química ficaram desatualizados. O livro de bioquímica que consulto agora, provavelmente já está também desatualizado. É assim a ciência, pula e avança, mas muitas vezes só o futuro e que nos mostra isso. Há, no entanto, um conjunto de ideias que se mantém e eu vou tentar referir apenas essas.

O “dogma central” da biologia molecular é que o fluxo genético é do DNA para o RNA e deste para as proteínas. A vida é controlada por proteínas, que são espécies de máquinas moleculares feitas por sequência bem definidas de aminoácidos, moléculas que, por sua vez, são ao mesmo tempo ácidos e aminas. Existem cerca de vinte aminoácidos comuns, a partir dos quais são feitas as proteínas, ligando-se os ácidos com as aminas em sequências e números bem definidos. Essas sequências são a estrutura primária das proteínas e, conforme a sequência dos aminoácidos, localmente, as proteínas tomam formas particulares, de que as mais comuns são as espirais e as folhas. Tal é conhecido como estrutura secundária. Como estas sequências são muito grandes, quando as estruturas locais voltam a encontrar a molécula mais à frente, isso vai causar novas alterações da estrutura que é conhecida como estrutura terciária. Finalmente, uma proteína pode ser constituída por várias sequências de aminoácidos, das mistura das quais de novo se modifica a estrutura, o que que é conhecida como a estrutura quaternária.

Como se pode imaginar, o problema da forma das proteínas é muito complexo, mas, nos seres vivo isto é feito de maneira muito rápida e as proteínas têm sempre a mesma forma, a qual corresponde a um mínimo de energia enorme comparado com todas as outras possibilidades. Não tinha ainda sido resolvido satisfatoriamente este problema, até que em 2021 publicaram um artigo que indicava ter resolvido esse problema usando inteligência artificial (IA). Basicamente, o algoritmo “aprendeu” a obter a forma correta de proteínas, usando uma base de dados muito grande (são milhares de milhões) de estruturas conhecidas destas moléculas. Há um senão (que não é pequeno), para além de não se se saber o que o algoritmo aprendeu: essas estruturas são de raios X e são portanto de cristais, e as proteínas podem não ser assim rígidas nos sistemas vivos. Uma indicação dessa fragilidade é que o algoritmo IA reproduzia pior as formas em sistemas líquidos em muito menor número obtidas por  ressonância magnética nuclear (RMN). De qualquer forma, é um feito notável e mostra novos caminhos para o conhecimento químico. Os algoritmos IA podem aprender sem que as regras sejam bem conhecidas, algo que nós também fazemos rotineiramente na nossa vida.        

As proteínas são destruídas e refeitas a velocidades muito grandes. Nas nossas células, para fazer novas proteínas, o DNA que tem origem a partir dos genes presentes no núcleo, é transcrito para o RNA, chamado mensageiro pois vai do núcleo até aos ribossomas, onde cada três bases (um codon) é “lido” originando um aminoácido particular. Entretanto, o RNA transferência, junta esses aminoácidos na sequência particular da proteína codificada. Este processo repete-se até o RNA mensageiro encontrar um codon que não codifica nenhum aminoácido. Este processo é muito mais complicado, mas tentei apresentar os fatos essenciais.

Tanto o DNA como o RNA são também costruídos por proteínas, que são também enzimas, denominadas polimerases, as quais por sua vez são também feitas da mesma forma. E tudo isto acontece ao mesmo tempo e a velocidades enormes. Ocorrem erros, chamados mutações, nessas transcrições, mas a muito grande maioria é corrigido. Se não for, podemos ter um cancro ou incorporar a mutação para as gerações futuras.  

Olhemos agora com mais detalhe para o processo. O DNA tem um esqueleto de açúcares e fosfatos onde estão, em sequência, as bases azotadas adenina (A), citosina(C), guanina (G) e timina (T). Estas estão aos pares unindo-se por ligações de hidrogénio à sequência da outra tira: a citosina com a a guanina (C-G) e a adenina com a tirosina (A-T). Tudo isto é em geral representado de forma esquemática e colorida, para se perceber melhor, mas cada moléculas tem os seus hidrogénio, carbono e outros átomos. E cada um desses átomos tem as suas densidades eletrónicas e as ligações entre eles têm a sua polaridade. Facilmente se nota que há 4x4x4=64 possibilidades. Três delas são de paragem, dois aminoácidos só têm uma possibilidade, mas a maior parte pode ser codificado de várias maneiras (é preciso notar que há 64 possibilidades mas são só usados cerca de 20 aminoácidos).   

Com a química que se aprende no secundário pode-se perceber muitas coisas. É relevante referir que alguns aminoácidos são mais sensíveis à luz visível e podem ser detetados pela interação destes com esta luz. Para além disso, alguns aminoácidos têm átomos de enxofre que, quando a molécula se decompõe, formam outras moléculas que cheiram a “ovos podres”. Isto é um nunca mais acabar de informações! Mas não se consegue perceber bem a biologia molecular sem perceber a química.
 
Entretanto, o RNA, feito a partir do DNA, tem as mesmas três bases deste (A, C e G) e uma nova base, o uracilo (U). Uma timina do DNA dá origem a uma adenina do RNA, mas uma adenina do DNA dá origem a um uracilo do RNA. Uma citosina do DNA dá origem a uma guanina do RNA e vice versa, ou seja temos T-A, A-U, C-G, G-C.

Nas bactérias e vírus é algo diferente (e há uma grande diversidade), podendo, por exemplo, os vírus entrar nas células e “escravizá-las” colocando o seu RNA a produzir novas proteínas e vírus. As proteínas das bactérias, sendo diferentes das que nós temos, podem ser impedidas de ser feitas, ou feitas de forma defeituosa, por moléculas conhecidas como antibióticos. O número de possibilidades é muito grande e, claro, tudo isto vai evoluindo, aparecendo novas mutações e possibilidades.

Até à invenção, em 1984, por Kary Mulis (1944-2019), do processo de que toda a gente já ouviu falar, o PCR (Polimerase Chain Reaction), os processos de identificação das sequências do DNA eram muito lentos, podendo demorar meses. Mullis, que ganhou o prémio Nobel em 1993, encontrou um método rápido e fácil de gerar um número virtualmente infinito de cópias do DNA, podendo identificar-se a presença de uma molécula de DNA apenas (mas há um problema que são as contaminações). O PCR desenvolve-se por ciclos, em que em cada um dos quais ocorrem cópias das duas tiras do DNA. Podemos imaginar que quantos mais ciclos tivermos mais cópias teremos, facilitando a identificação. Isto permite obter a sequência do DNA nalgumas horas. E como cada molécula de DNA é característica de um dado indivíduo, estirpe ou espécie, podemos com enorme precisão identificar a presença do vírus e das suas diferentes estirpes. Com esta ferramenta, podemos facilmente fazer testes de paternidade, identificar criminosos e sequenciar genomas (toda a informação hereditária de um organismo que está codificada em seu DNA), o que já era feito antes do PCR ser usado para testar a presença de vírus. O genoma humano, de muitos organismos e o do vírus da Covid-19, assim como das suas estirpes, são conhecidos.

Entretanto, é preciso refrear algum do entusiasmo que existe com a genética. Sequenciar um genoma, por exemplo, não nos leva diretamente ao indivíduo, nem poder encontrar um gene de uma doença, garante que essa doença se desenvolva. Muitas coisas são ambientais e muitas outras ainda não são bem conhecidas. Mas a possibilidade de correção de defeitos e muitas outras, como por exemplo a da medicina personalizada, são imensas. As possibilidade da ficção também. Por exemplo no “Parque Jurássico” de Michael Crichton (1942-2008), são feitos dinossauros a partir do DNA encontrado em fósseis. Tudo no livro é bastante razoável e verosímil, mas esta fantasia é ainda impossível.

Tenho também umas coisas a dizer sobre a história da descoberta DNA. Há bastante tempo que havia a ideia que havia transmissão de caracteres de para para filhos, não se sabia era como. Tudo se alterou com a descoberta do DNA. A estrutura do DNA foi publicada por James Watson (n. 1926) e Francis Crick (1916-2004) em 1953 a partir de um grande conjunto de dados de que os mais conhecidos são os de Rosalind Franklin (1920-1958) e de Linus Pauling (1901-1994). Entretanto, o prémio Nobel foi atribuído a Watson, Crick e Wilkinson, parecendo que foi esquecida Rosalind Franklin. Não é verdade. Quando o prémio Nobel foi atribuído em 1962 esta tinha já morrido de cancro dos ovários, sendo Maurice Wilkinson (1916-2004) o seu orientador da altura. Parece ser mais ou menos certo que Watson e Crick eram “ratoneiros” que usavam toda a informação que encontravam, mas de alguma forma é assim a ciência. Parte-se de informação que já existe para obter informação nova. Parece que a peça que faltava era um espectro de raios X de Franklin e que Pauling achava que era um tripla hélice baseado num espectro imperfeito. Há outra pessoa que é preciso recordar: Frederick Sanger (1918-2013). Este foi a única pessoa a ganhar dois prémios Nobel da Química, um pela sequência das proteínas e outro pela sequência das bases no DNA.


No castelo, situa-se a antiga fábrica de cerveja, que começou a ser construída em 1935, pela Sociedade Portuguesa de Malte e pela Lusitânia, mas que nunca chegou a funcionar. É uma antiga fábrica de cerveja que nunca produziu nenhuma! Este passeio já vai longo e em vários outros falei da cerveja e tenciono falar mais quando escrever o passeio em Maastricht. Por algo só queria lembrar o que é o malte. Cevada que começa a germinar e que vai de seguida ao forno para secar. A partir do seu amido fermentado é feita a ceveja.

Toda a região do Algarve é muito rica em fósseis. No guia de geologia e paleontologia urbana de  Faro são indicados vários percursos. Nem de propósito (pois só li esse guia depois) fotografei uma rua onde a calçada têm as quatro formas de calcário referidas: branco, preto, cinzento e rosa. O calcário é essencialmente carbonato de cálcio, mas adquire diferentes cores conforme os contaminantes. O calcário negro e cinzento será provavelmente devido a diferentes quantidades de matérias de carbono e o calcário rosa a sais de ferro.

Também em toda a cidade, há “ilhas ecológicas” com locais para reciclar papéis, plásticos, metais e óleos usados, e ainda para colocar lixo indiferenciado. Sobre isso já falei anteriormente. Não tenho a certeza, mas as árvores que se veem na fotografia são grevílias, árvore sobre a qual tinha também já escrito. Há uma publicação sobre as árvores de Faro, ou não fosse esta cidade a do botânico José Maria Brandeiro que tem uma rua com o seu nome. Perto da rua com o seu nome fica o elegante palácio de Belmarço, sobre o qual não direi nada – basta olhar. Mas vou referir as mezinhas populares do livro “Para grandes males grandes remédios”. A maior parte são fruto da ignorância e miséria, mas há coisas interessantes como mastigar cravinho para as dores de dentes (é um remédio milenar que envolve a molécula eugenol que ainda hoje é usada nos dentistas – aquele cheiro a cravinho não vos era familiar? - em massas provisórias ) e a “alva de cão” que são as fezes secas de cão que adquirem tonalidade branca. Acontece que essa tonalidade tem a ver com a alimentação, que envolvendo roer ossos, se reflete na cor, acho eu, e não por serem de cão.

A caminho de Faro, pela via do Infante, passámos por uma cimenteira que que no Google Maps parece ter um lago artificial, entre várias outras coisas que não percebemos bem. Depois, ao sairmos da auto-estrada, fizemos os últimos quilómetros da estrada mais famosa de Portugal, a N2, que vinda de Bragança, acaba em Faro, ao final de 738 quilómetros. Há coisas que não vi, como teatro Lethes e a adaptação do antigo matadouro municipal a biblioteca municipal. Sobre esse útimo aspecto - o dos antigos matadoutos municipais - há bastantes coisas que me interessam, em particular pela sua história, envolvendo o declínio destas estruturas e a suas adapções para usos culturais. Temos de voltar!  

Bibliografia
Jeremy M. Berg, John L. Tymoczko, Lubert Stryer. Biochemistry, 5th Edition. New York: Freeman, 2002.
Luís Azevedo Rodrigues, Margarida Agostinho. Guia de geologia e paleontologia urbana: Faro. Ciência Viva de Lagos, 2012.
Museu Municipal de Faro. Para Grandes Males Grandes Remédios. Faro, 2012. 

União das Freguesias de Faro. Breve história da cultura de Faro. Faro, 2018. 

União das Freguesias de Faro. Guia das árvores de Faro. Faro, 2020.

[versão preliminar de 12 de Janeiro de 2022, com acrescentos de 13 de Janeiro de 2022]

Passeio químico na Arrábida

Na região da Arrábida é preciso planear bem a ida à praia nos fins de semana de Verão. O acesso à maioria das praias é condicionado e há muitos carros e pessoas, mas vale bem a pena. A beleza das paisagens é impressionante. Do lado onde estive vê-se a península de Tróia e as suas praias. Sempre achei curioso esse nome que evocava o lugar mítico dos poemas de Homero. Ninguém sabe onde era a mítica Tróia. Podia bem ser aqui. Efabular e imaginar também tem muita química.

No Cabo Espichel,lugar de grande beleza e silêncio (muito cedo), há imensos carrascos (Quercus coccifera) também conhecidos como carvalhos-quermes. É pouco conhecido, e extingui-se há bastante tempo, mas nestas paragens, foi um negócio antigo o do corante carmim. Da fêmea de um parasita do carrasco, a cochonilha, também conhecida como quermes (ou grã, em textos mais antigos, notavelmente de Domenico Vandelli, primeiro professor de História Natural e Química na Universidade de Coimbra, após a reforma pombalina), extraía-se um vermelho que ainda hoje se usa (este vermelho está também classificado como E-120), mas é agora obtido, ainda do mesmo parasita, mas atualmente de um cato da América do Sul. 

Neste cabo, fica também um santuário, em vias de recuperação (diz a câmara de Sesimbra numa sua publicação), que tem um terreiro impressionante. Neste, há um conjunto de casas, onde pernoitavam os “círios” dos peregrinos que vinham de vários locais do país, havendo casas correspondentes a cada um desses “círios”. Pelo caminho, passamos por uma estrada para Santa Maria de Azóia, onde há ainda (mas não fui lá) indústrias de extração e refinação de óleos alimentares. Por acaso tinha ideia de marcas diferentes, mas as que lá estão são também muito conhecidas. 

Fomos em seguida a Sesimbra, lugar antigo de pescadores, onde há imensos pontos de interesse, químicos também. As gaiolas para apanhar polvos, por exemplo, agora incorporam redes de plástico. Aparentemente, fazia-se também por aqui criação de bichos da seda para obter o fio que origina este tecido, mas se tal houve, quase não há memória, e essa indústria perdeu-se no tempo. Integrado no museu fica o Parque Marinho Luis Saldanha, o professor que nos deixou imensas e bonitas imagens submarinas.

Antes de chegar à Praia do Creiro, há um sítio arqueológico romano visitável e bem assinalado. Além dos locais para tomar banho, tem os tanques de salga do peixe e armazenamento de ânforas (que não estão lá, claro). O sal absorve a água e impede os micro-organismos de ter acesso aos materiais comestíveis. O molho que escorria do peixe salgado era o famoso “garum”, usado como tempero. Diz lá que os tanques eram revestidos de opus signinum (materiais cêramicos reduzidos a pequenos pedaços ou a pó e misturados com cal) para impermeabilizar, os quais tinham arestas arredondadas (isso nota-se bem) por razões de higiene. Nesta praia encontram-se alguns seixos avermelhados que me fizeram lembrar jaspe (na Arrábida há uma pedreira, Pedreira do Jaspe, denominada assim que foi encerrada nos anos 1970), mas julgo que não são. O que sabemos é que há uma rocha sedimentar única e muito conhecida chamada brecha da Arábida.

Desta praia, avista-se o Museu Oceanográfico, no Portinho da Arrábida, situado na  Fortaleza de Santa Maria da Arrábida, que não pudemos visitar por estar fechado. Entretanto, uma monografia de Sesimbra que consultei referia que na Fortaleza de Santiago, onde se situa o Museu Marítimo (que também não visitei, por ainda não estar aberto), assim como o turismo de Sesimbra, se alojavam os “meninos de Palhavã” durante o verão. É curioso haver dois museus idênticos tão perto um do outro. Acontece que o primeiro pertence ao concelho de Setúbal e o outro ao concelho de Sesimbra.

Na Arrábida fica também o conhecido convento dos capuchos que não podemos visitar por ser por marcação. Julgo que pertence à fundação do Oriente. As suas instalações e celas são impressionantes e podem ver-se várias lugares da serra onde se movimentavam os monges. Numa sua parede, a estátua de um monge capucho com a boca cosida, ouvidos e olhos tapados, pregado na cruz, sobre o mundo e com o coração destacado, sempre me impressionou. Este convento foi o cenário de um filme de Manuel de Oliveira, de 1995, com Catherine Deneuve, John Malkovich, Luís Miguel Cintra e Leonor Silveira, “O convento”. Ainda a Arrábida evoca o poeta Sebastião da Gama, o “poeta da Arrábida” que morreu novo de tuberculose, mas o “Diário” tem tido um impacto muito interessante no ensino. É um bom exemplo de um professor entusiasta e pró-activo, num país que ainda vive algumas ideias castigadoras do tempo da inquisição.        

Fica também na Arrábida a cimenteira do Outão, Não é um espetáculo interessante, infelizmente. Há demasiadas coisas sujas e materiais enferrujadas. E as propostas de viveiros e cimento zero-emissões acabam por não ser muito convincentes. Mas talvez o sejam, apesar de tudo. Muito do que nos rodeia, vive da imagem, mas ver não chega. É preciso confirmar os números e verificar os dados. Em portugal, fruto de tempos em que nos enganavam de muitas maneiras, somos muitos desconfiados. Ora, ser demasiado desconfiado não é bom, pois procura-se relaxar a tensão com os nos prometem o queremos ouvir e, de novo, somos facilmente enganados.A neuroquímica, embora tenha as costas largas e seja evocada muitas vezes indevidamente, pode bem explicar este fenómeno. 

Fomos em seguida a Azeitão, junção de várias freguesias, que sempre se quis separar de Sesimbra. Conseguiu-o por pouco tempo, mas quando perdeu autonomia de novo juntou-se a Setúbal. Já acima referi as rivalidades. Nem sempre são más, muitas geram cultura, alternativas e competição saudável. Azeitão é uma terra bastante pitoresca onde podem ser visitadas as caves da José Maria da Fonseca (JMS) e da Quinta da Bacalhôa. É muito forte o negócio da vinho aqui, mas há muitos outros pontos de interesse, nomeadamente os seus doces. Achei muito interessante encontrar um bar num antigo lavadoiro público e a forma como o chafariz tinha as torneiras (água potável e não potável). Hoje em dia já não se lava água na rua, nem se vai buscar água ao chafariz, mas estes lugares podem manter a sua magia, perdendo a sua função.    

Bibliografia

António Reis Marques, Coisas de Sesimbra, CMS, 2015.

[versão preliminar de 9 de janeiro de 2022]

Passeio químico em Portimão

Em Portimão havia muitas fábricas de conservas e uma delas foi transformada no museu da cidade. Estas indústrias foram iniciadas por estrangeiros, no final do século XIX, as de sardinhas por franceses, na sequência de diminuição  da quantidade de sardinha na Bretanha, e as de atum por italianos. 

Chegaram a existir muitas fábricas de conservas em Portimão, as quais tiveram grande procura na primeira guerra mundial. Mas durante a segunda guerra mundial, o embargo à importação da folha-de-flandres de França e Inglaterra, a qual era usada para fazer as latas de conserva causou alguns constrangimentos. A  folha-de-flandres é basicamente uma chapa fina de ferro coberto com uma camada de estanho e era usada para fazer conservas. Numa primeira fase, estas latas tinham de ser feitas e soldadas por trabalhadores especializados. Penso que essa solda não deveria ter chumbo, ou que tivesse muito pouco, tendo apenas estanho, para evitar o envenenamento com este metal, mas não tenho a certeza. A chamada "solda" é uma mistura de 30% de chumbo com 70% de estanho (valores que baixam o  ponto de fusão da liga) e era usada para regadores, bacias, etc. Atualmente, nas fábricas que ainda restam, as latas  começaram a ser de alumínio, mas voltaram ao ferro (podemos ver isso com um íman - dos cinco tipos de lata de conserva que tinha em casa, só um era de ferro), mas têm agora outros revestimentos, nomeadamente vernizes, e já não se usa solda, sendo a abertura fácil feita criando uma zona que se quebra facilmente. No museu de Portimão podemos acompanhar os processos que eram utilizados para fazer conservas.

O lugar onde foi instalado o centro comercial Aqua, era uma antiga fábrica de conservas da qual se conservam as chaminés num jardim próximo. Não verifiquei se foram preservados os baixo relevos a entrada fábrica, como era referido no relatório de conformidade ambiental, mas imagino que sim.

Numa rua, perto do centro comercial, encontrei um curioso anúncio à utilização de lasers de picosegundo para tatuagens. Antes de mais o que é um picosegundo? É um sobre um milhão de milhões de segundos. Nesse tempo curtíssimo ocorrem alguma vibrações moleculares e podem-se estudar moléculas e radicais que existam durante tempos muito curtos. É muito usado em investigação, nomeadamente fotoquímica. Se quisermos usar tempos ainda mais curtos, temos de ter equipamentos mais complexos, mas já se consegue chegar ao fentosegundo (mil vezes mais rápido que o anterior) e apanhar as moléculas numa vibração e podemos ir a tempos ainda mais curtos, ao nível do attosegundo (mil vezes mais rápido que o anterior, ou um mihão de vezes mais rápido do que o laser de picosegundo), em casos muito particulares.    

E o que é um laser? Se há abreviatura mais conhecida é esta. Laser é a abreviatura de light amplification by stimulated emission of radiation. Neste, a luz tem um comprimento de onda bem definido (é normal haver lasers vermelhos ou verdes), mas essa luz, além de ter um comprimento de onda bem definido, está em fase (todos as ondas se somam em vez de se perturbarem) e é colimada (todos os raios de luz são paralelos). Isso faz com que o lasers sejam bastante perigosos pois a radiação tem grande intensidade e enorme focagem. Curiosamente, a ideia do laser começou por parecer não ser possível por, aparentemente, poder violar o princípio da indeterminação. Mas afinal era possível e não violava de maneira nenhuma esse princípio. Os lasers são muito usados em química. Alguns exemplos são o fornecimento de energia às moléculas de forma muito precisa ou a deteção da energia e tempos de vida que têm com grande precisão (que já referi), entre muitos outros. Como isto se obtém é razoavelmente complexo, mas a ideia é mais ou menos simples. Levados a estados de maior energia os fotões (as partículas de luz) voltam ao estado fundamental, mas neste caso há um contínuo forçar a ir para estados excitados e na volta aos estado fundamental os fotões  estimulam outros fotões a irem também para o estado fundamental, resultando na amplificação estimulada que o nome indica.    

Num caminho para a Praia dos Três Irmãos encontrei sumagre. Aqui, há alguns séculos, reduziam as flores deste arbusto a pó e exportavam o produto. Este, era usado para curtir as peles pois tem muito tanino. Atualmente, há outros processos, mas Portugal já foi um grande exportador deste produto obtido desta planta que existe do Algarve até Trás-os-Montes.

Até ao século XVII era também colhido coral na costa, mas devido à pirataria e outros problemas que não identifiquei, esta atividade caiu em desuso. Os corais são animais que parecem plantas, muito coloridos, sendo os seus esqueletos de carbonato de cálcio como seria de esperar, mas as cores vivas vêm de caroteno e outras moléculas. Se forem apanhados ainda novos é possível preservar essas cores. Por exemplo, do tesouro da Rainha Santa, consta uma joia de cor muito vermelha que ainda hoje é impressionante.

Havia também muitas salinas e moinhos de maré em Portimão, que são hoje essencialmente memória. Nos anos 1960 com a explosão do turismo de massas as Praia da Rocha, que já se chamou de Santa Catarina, e que era das mais belas (ainda é) teve muitas procura. Os elegantes chalés nas falésias deram lugar a uma grande pressão urbana para alimentar um turismo de massas que se desenvolve até aos dias de hoje. Atualmente, há muito mais atrações. O Algarve não é só praias. Nos percursos naturais, bem marcados, é possível observar muitas plantas e formações geológicas. Em destaque os algares, fossos verticias que resultam da ação das águas mais ácidas com a formação de buracos nos arenitos moles. São formações muito belas, nos quais as cores dos arenitos amareloss e castanhos quase vermelhos são devidos a sais de ferro.

São também interessantes as memórias dos fumeiros, armazéns onde se secavam os figos e frutos secos. Manuel Teixeira Gomes, que dá nome a uma escola, natural de Portimão, foi o último presidente da república, antes do estado novo. Poeta, escritor e viajante, durante poucos meses tratava dos negócios e o resto do tempo viajava e escrevia. Todos esses frutos secos deram origem a doces regionais bem conhecidos como os Dom Rodrigos, os morgados e os queijos de figo, por exemplo.

No Alvor, na Estada do Vale da Lama, estão instaladas aquiculturas e produções de ostras. Na verdade, a produção de ostras e outros bivalves sempre foi uma tradição nesta região, segundo li.

 

Bibligrafia

Maria da Graça Mateus Ventura, Maria da Graça Maia Marques, Portimão, Editorial Presença, 1993.

Fernando Santos Graça, Alvor com História, Junta de Freguesia de Alvor, 2020.


[versão preliminar de 8 de janeiro de 2022]