Passeio químico na Arrábida

Na região da Arrábida é preciso planear bem a ida à praia nos fins de semana de Verão. O acesso à maioria das praias é condicionado e há muitos carros e pessoas, mas vale bem a pena. A beleza das paisagens é impressionante. Do lado onde estive vê-se a península de Tróia e as suas praias. Sempre achei curioso esse nome que evocava o lugar mítico dos poemas de Homero. Ninguém sabe onde era a mítica Tróia. Podia bem ser aqui. Efabular e imaginar também tem muita química.

No Cabo Espichel,lugar de grande beleza e silêncio (muito cedo), há imensos carrascos (Quercus coccifera) também conhecidos como carvalhos-quermes. É pouco conhecido, e extingui-se há bastante tempo, mas nestas paragens, foi um negócio antigo o do corante carmim. Da fêmea de um parasita do carrasco, a cochonilha, também conhecida como quermes (ou grã, em textos mais antigos, notavelmente de Domenico Vandelli, primeiro professor de História Natural e Química na Universidade de Coimbra, após a reforma pombalina), extraía-se um vermelho que ainda hoje se usa (este vermelho está também classificado como E-120), mas é agora obtido, ainda do mesmo parasita, mas atualmente de um cato da América do Sul. 

Neste cabo, fica também um santuário, em vias de recuperação (diz a câmara de Sesimbra numa sua publicação), que tem um terreiro impressionante. Neste, há um conjunto de casas, onde pernoitavam os “círios” dos peregrinos que vinham de vários locais do país, havendo casas correspondentes a cada um desses “círios”. Pelo caminho, passamos por uma estrada para Santa Maria de Azóia, onde há ainda (mas não fui lá) indústrias de extração e refinação de óleos alimentares. Por acaso tinha ideia de marcas diferentes, mas as que lá estão são também muito conhecidas. 

Fomos em seguida a Sesimbra, lugar antigo de pescadores, onde há imensos pontos de interesse, químicos também. As gaiolas para apanhar polvos, por exemplo, agora incorporam redes de plástico. Aparentemente, fazia-se também por aqui criação de bichos da seda para obter o fio que origina este tecido, mas se tal houve, quase não há memória, e essa indústria perdeu-se no tempo. Integrado no museu fica o Parque Marinho Luis Saldanha, o professor que nos deixou imensas e bonitas imagens submarinas.

Antes de chegar à Praia do Creiro, há um sítio arqueológico romano visitável e bem assinalado. Além dos locais para tomar banho, tem os tanques de salga do peixe e armazenamento de ânforas (que não estão lá, claro). O sal absorve a água e impede os micro-organismos de ter acesso aos materiais comestíveis. O molho que escorria do peixe salgado era o famoso “garum”, usado como tempero. Diz lá que os tanques eram revestidos de opus signinum (materiais cêramicos reduzidos a pequenos pedaços ou a pó e misturados com cal) para impermeabilizar, os quais tinham arestas arredondadas (isso nota-se bem) por razões de higiene. Nesta praia encontram-se alguns seixos avermelhados que me fizeram lembrar jaspe (na Arrábida há uma pedreira, Pedreira do Jaspe, denominada assim que foi encerrada nos anos 1970), mas julgo que não são. O que sabemos é que há uma rocha sedimentar única e muito conhecida chamada brecha da Arábida.

Desta praia, avista-se o Museu Oceanográfico, no Portinho da Arrábida, situado na  Fortaleza de Santa Maria da Arrábida, que não pudemos visitar por estar fechado. Entretanto, uma monografia de Sesimbra que consultei referia que na Fortaleza de Santiago, onde se situa o Museu Marítimo (que também não visitei, por ainda não estar aberto), assim como o turismo de Sesimbra, se alojavam os “meninos de Palhavã” durante o verão. É curioso haver dois museus idênticos tão perto um do outro. Acontece que o primeiro pertence ao concelho de Setúbal e o outro ao concelho de Sesimbra.

Na Arrábida fica também o conhecido convento dos capuchos que não podemos visitar por ser por marcação. Julgo que pertence à fundação do Oriente. As suas instalações e celas são impressionantes e podem ver-se várias lugares da serra onde se movimentavam os monges. Numa sua parede, a estátua de um monge capucho com a boca cosida, ouvidos e olhos tapados, pregado na cruz, sobre o mundo e com o coração destacado, sempre me impressionou. Este convento foi o cenário de um filme de Manuel de Oliveira, de 1995, com Catherine Deneuve, John Malkovich, Luís Miguel Cintra e Leonor Silveira, “O convento”. Ainda a Arrábida evoca o poeta Sebastião da Gama, o “poeta da Arrábida” que morreu novo de tuberculose, mas o “Diário” tem tido um impacto muito interessante no ensino. É um bom exemplo de um professor entusiasta e pró-activo, num país que ainda vive algumas ideias castigadoras do tempo da inquisição.        

Fica também na Arrábida a cimenteira do Outão, Não é um espetáculo interessante, infelizmente. Há demasiadas coisas sujas e materiais enferrujadas. E as propostas de viveiros e cimento zero-emissões acabam por não ser muito convincentes. Mas talvez o sejam, apesar de tudo. Muito do que nos rodeia, vive da imagem, mas ver não chega. É preciso confirmar os números e verificar os dados. Em portugal, fruto de tempos em que nos enganavam de muitas maneiras, somos muitos desconfiados. Ora, ser demasiado desconfiado não é bom, pois procura-se relaxar a tensão com os nos prometem o queremos ouvir e, de novo, somos facilmente enganados.A neuroquímica, embora tenha as costas largas e seja evocada muitas vezes indevidamente, pode bem explicar este fenómeno. 

Fomos em seguida a Azeitão, junção de várias freguesias, que sempre se quis separar de Sesimbra. Conseguiu-o por pouco tempo, mas quando perdeu autonomia de novo juntou-se a Setúbal. Já acima referi as rivalidades. Nem sempre são más, muitas geram cultura, alternativas e competição saudável. Azeitão é uma terra bastante pitoresca onde podem ser visitadas as caves da José Maria da Fonseca (JMS) e da Quinta da Bacalhôa. É muito forte o negócio da vinho aqui, mas há muitos outros pontos de interesse, nomeadamente os seus doces. Achei muito interessante encontrar um bar num antigo lavadoiro público e a forma como o chafariz tinha as torneiras (água potável e não potável). Hoje em dia já não se lava água na rua, nem se vai buscar água ao chafariz, mas estes lugares podem manter a sua magia, perdendo a sua função.    

Bibliografia

António Reis Marques, Coisas de Sesimbra, CMS, 2015.

[versão preliminar de 9 de janeiro de 2022]

Sem comentários:

Enviar um comentário