Na região da Arrábida é preciso planear bem a ida à praia nos fins de semana de Verão. O acesso à maioria das praias é condicionado e há muitos carros e pessoas, mas vale bem a pena. A beleza das paisagens é impressionante. Do lado onde estive vê-se a península de Tróia e as suas praias. Sempre achei curioso esse nome que evocava o lugar mítico dos poemas de Homero. Ninguém sabe onde era a mítica Tróia. Podia bem ser aqui. Efabular e imaginar também tem muita química.
Fomos em seguida a Sesimbra, lugar antigo de pescadores, onde há imensos pontos de interesse, químicos também. As gaiolas para apanhar polvos, por exemplo, agora incorporam redes de plástico. Aparentemente, fazia-se também por aqui criação de bichos da seda para obter o fio que origina este tecido, mas se tal houve, quase não há memória, e essa indústria perdeu-se no tempo. Integrado no museu fica o Parque Marinho Luis Saldanha, o professor que nos deixou imensas e bonitas imagens submarinas.
Antes de chegar à Praia do Creiro, há um sítio arqueológico romano visitável e bem assinalado. Além dos locais para tomar banho, tem os tanques de salga do peixe e armazenamento de ânforas (que não estão lá, claro). O sal absorve a água e impede os micro-organismos de ter acesso aos materiais comestíveis. O molho que escorria do peixe salgado era o famoso “garum”, usado como tempero. Diz lá que os tanques eram revestidos de opus signinum (materiais cêramicos reduzidos a pequenos pedaços ou a pó e misturados com cal) para impermeabilizar, os quais tinham arestas arredondadas (isso nota-se bem) por razões de higiene. Nesta praia encontram-se alguns seixos avermelhados que me fizeram lembrar jaspe (na Arrábida há uma pedreira, Pedreira do Jaspe, denominada assim que foi encerrada nos anos 1970), mas julgo que não são. O que sabemos é que há uma rocha sedimentar única e muito conhecida chamada brecha da Arábida.
Na Arrábida fica também o conhecido convento dos capuchos que pertence à fundação do Oriente. Não o pudemos visitar quando escrevemos a versão inicial do passeio químico, mas nas atividades do III Encontro da Associação de Professores de Física e Química a realizar em Setúbal 5 e 6 de setembro de 2025, iremos ao seu interior. O que escrevi a seguir neste parágrafo foi baseado nas minhas memórias, mas irei acrescentar um anexo logo que possa. As instalações e celas do convento são impressionantes e podem ver-se várias lugares da serra onde se movimentavam os monges. Numa sua parede, a estátua de um monge capucho com a boca cosida, ouvidos e olhos tapados, pregado na cruz, sobre o mundo e com o coração destacado, sempre me impressionou. Este convento foi o cenário de um filme de Manuel de Oliveira, de 1995, com Catherine Deneuve, John Malkovich, Luís Miguel Cintra e Leonor Silveira, “O convento”. Ainda a Arrábida evoca o poeta Sebastião da Gama, o “poeta da Arrábida” que morreu novo de tuberculose, mas o “Diário” tem tido um impacto muito interessante no ensino. É um bom exemplo de um professor entusiasta e pró-activo, num país que ainda sobrevivem, por vezes, algumas ideias castigadoras do tempo da inquisição.
Fica também na Arrábida a cimenteira do Outão, Não é um espetáculo interessante, infelizmente. Há demasiadas coisas sujas e materiais enferrujadas. E as propostas de viveiros e cimento zero-emissões acabam por não ser muito convincentes. Mas talvez o sejam, apesar de tudo. Muito do que nos rodeia, vive da imagem, mas ver não chega. É preciso confirmar os números e verificar os dados. Em Portugal, fruto de tempos em que nos enganavam de muitas maneiras, somos muitos desconfiados. Ora, ser demasiado desconfiado não é bom, pois procura-se relaxar a tensão com os nos prometem o queremos ouvir e, de novo, somos facilmente enganados.A neuroquímica, embora tenha as costas largas e seja evocada muitas vezes indevidamente, pode bem explicar este fenómeno.
Fomos em seguida a Azeitão, junção de várias freguesias, que sempre se quis separar de Sesimbra. Conseguiu-o por pouco tempo, mas quando perdeu autonomia de novo juntou-se a Setúbal. Já acima referi as rivalidades. Nem sempre são más, muitas geram cultura, alternativas e competição saudável. Azeitão é uma terra bastante pitoresca onde podem ser visitadas as caves da José Maria da Fonseca (JMS) e da Quinta da Bacalhôa. É muito forte o negócio da vinho aqui, mas há muitos outros pontos de interesse, nomeadamente os seus doces. Achei muito interessante encontrar um bar num antigo lavadoiro público e a forma como o chafariz tinha as torneiras (água potável e não potável). Hoje em dia já não se lava água na rua, nem se vai buscar água ao chafariz, mas estes lugares podem manter a sua magia, perdendo a sua função.
Bibliografia
António Reis Marques, Coisas de Sesimbra, CMS, 2015.
[versão preliminar de 9 de janeiro de 2022; pequenas atualizações em 13 de março de 2025]
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