Fui lá no verão e aproveitei e visitei também o museu do traje. Neste pequeno museu podemos ver a evolução das modas, mas também das técnicas e tecidos. Estava, na altura, especialmente interessando nos materiais usados nas roupas interiores. Até aos anos 1930, não havia fios elásticos para tecer e as roupas, tanto interiores como exteriores, eram bastante rígidas. Os polímeros sintéticos, em e particular os plásticos, vieram revolucionar isto, dando origem a roupas interiores (e exteriores) mais leves e funcionais. Hoje em dia, graças a várias evoluções científicas já começa a ser possível ter roupas interiores confortáveis baseadas em polímeros naturais, mas os polímeros sintéticos continuam, e continuarão, a ser fundamentais. O que é preciso é, comprar menos, usar mais tempo, reciclar e reinventar cada vez mais as fibras usadas. É preciso que se perceba que, hoje em dia, as roupas que temos são muito mais sustentáveis e confortáveis que as antigas, devido a essa revolução. E que seria insustentável vestir as pessoas do mundo apenas com tecidos naturais. Não haveria terras de cultivo nem água suficientes para isso. Quando muito, as melhores coisas podem coexistir.
Embora a natureza seja muito extensa e imaginativa, as plantas não estão preocupadas com as nossas doenças. Abundam nestas os antioxidantes, mas não é por nós gostarmos deles, é por as plantas terem de se proteger do sol. Há também medicamentos e inseticidas naturais, entre outros compostos, mas não será por as plantas nos querem dá-los. É por elas se querem proteger das doenças e insetos. Poderíamos dar muito mais exemplos, mas algo diferente disto seria pensamento religioso. Legítimo e relevante, mas não uma explicação cientifica.
Pode acontecer, claro, que encontremos plantas com compostos que nos servem para um determinado cancro, por exemplo, tanto usando conhecimentos de etnobotânica e etnofarmácia, como por estudos sistemáticos (foi dessa forma que foi descoberto o taxol (paclitaxel) numa variedade de teixo nos anos 1970), mas se virmos as composições típicas das plantas, estas são muito semelhantes. E também pode acontecer que se encontre a molécula para resolver o nosso problema no outro lado do mundo, mas também pode ser que ela esteja no nosso jardim.
Num estudo recente, que procurava evidenciar as plantas como fonte de novos medicamentos, só cerca de 50% vieram de plantas (de 1652 novos compostos desenvolvidos de 1981 a 2014). E, atualmente, a percentagem pode ser muito menor. Mas então de onde vêm estes compostos? De onde vêm os novos medicamentos? De estudos sistemáticos, tanto experimentais como teóricos (que não precisam de ser bioinspirados), de análises computacionais, tanto procurando em bases de dados de moléculas as características do fármaco, como fazendo o acoplamento das moléculas candidatas a moléculas ou estruturas ligadas à doença (proteínas, membranas, etc).
Além disso, há também a questão da produção em grande quantidade e da forma de entrega do fármaco. Um exemplo clássico é o do taxol (de novo). O composto foi encontrado na casca de uma espécie em perigo e para obter um grama tinham de se cortar centenas de troncos. A solução encontrada foi através de um composto parecido e renovável, obtido das folhas do teixo comum, e modificar esse composto para obter o composto ativo. Por outro lado, muitas vezes são precisas grandes quantidades e é mais sustentável obter a moléculas no laboratório em vez de ir à natureza ou às culturas obter a planta. E, finalmente, a forma de administração. A molécula natural pode ser promissora, mas ser pouco solúvel, por exemplo. Então, nesse caso, introduzem-se modificações para esta ser mais facilmente absorvida. Tudo, isto implica que todas moléculas candidatas são muito estudadas. Estima-se que para uma molécula típica passem quase dez anos a chegada o mercado, e mesmo uma aprovação mais rápida e de emergência é feita em vários anos.
Das muitas plantas, presentes no jardim, chamou-nos a atenção uma pitolaca (Phytolacca dioica). Trata-se de uma invasora que já está entre nós há muitos anos. Podemos encontrar aqui também um dragoeiro (Vandelli gostava muito deles), ginkgos, jacaradás, árvores-do-fogo, pinheiros, sobreiros, ciprestes, e, claro, a araucária, entre muitas outras plantas. Quando sentirmos a beleza da natureza, não pensemos que ela é bela por poder ser útil, mas também por nós e próprios e as nossas ações fazerem parte dela.
Bibliografia
Clara Vaz Pinto (coord.) Guia do Parque Botânico do Monteiro-Mor. Museu Nacional do traje. By the Book, 2018.
[versão preliminar de 15 de janeiro de 2022]
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