Passeio químico nas minas da Urgeiriça

Há anos que queria parar na Urgeiriça e visitar as minas de urânio, mas não tenho podido por uma razão ou outra. Este verão consegui, finalmente, parar e tirei algumas fotografias.
Neste momento a mina está desativada, mas as minas de urânio (todas as minas, claro, mas as de materiais radioactivos ainda mais) devem ter cuidados especiais após o seu fecho, estando uma boa parte desta mina em processos de recuperação ambiental.
Desde o final do século XVIII que os sais de urânio foram usados para colorir vidro. O urânio no UO22+ emite luminescência e é fluorescente em verde com luz ultravioleta. Como há sempre alguma radiação ultravioleta natural do sol, este vidro é um pouco fluorescente, mesmo com radiação usual. Um vidro de urânio tem normalmente 2% deste metal, mas há exemplares com 25%. Assim, por segurança pode usar-se um contador Geiger para saber se está “quente”. Mas é importante lembrar que no mineral, a maior parte do urânio não é radioativo (o U-238 tem 99.3% enquanto o U-235 tem cerca de 0,7%). Os maiores perigos são devidos ao urânio enriquecido, e, que o urânio é um elemento retativamente abundante. No mineral há 40 vezes mais do que prata e 500 vezes mais do que ouro. O mineral UO2 é conhecido como picheblenda por ser negro, mas há também U2O8 (número de oxidação +6) e  UO3. Com a descoberta do elemento rádio, este metal passou a ser uma escória. Entretanto, com a descoberta de que o urânio podia ser usado para fins militares, e depois para fins civis, voltou a ser procurado. Até aos anos sessenta a exploração deste elemento era controlada pelos estados, mas depois tornou-se aberta a gestão da exploração por privados. 
Embora o urânio continue a ser procurado, atualmente apenas as minas com custos de operação muito baixos continuam a funcionar. Há essencialmente três tipos de minas de urânio: as de céu aberto, as subterrâneas e as de lixiviação local. Segundo percebi, a mina da Urgeiriça era subterrânea, pois começou a ser explorada mais cedo, mas quando começaram a extrair urânio usaram o o processo de lixiviação. Este pode ser ácido ou básico, tendo na Urgeiriça sido usado o processo ácido. Inicialmente foram às escombreiras (locais dos materiais rejeitados das minas) e derem conta de que o urânio tinha sido arrastado pela água (lixiviado) das chuvas. Isso deu origem a um processo de lixiviação a céu aberto que mais tarde foi substituído pelo processo de lixiviação local. Num local são injetados as soluções e no outro são recolhidos os produtos. Isso implica um controlo muito grande pois tem de se conhecer bem os caminhos seguidos pelos líquidos, os quais podem dar origem a contaminações como é óbvio. Quando a mina é desativada tem de se monitorizar os aquíferos entre outras estruturas geológicas. O ião uranilo dissolve-se muito bem em ácidos formando o sais respetivos. Por exemplo, em ácido sulfúrico, forma-se sulfato de uranilo

UO22+ + SO42- → UO2 SO4

Na lixiviação ácida ocorrem alguns dos seguintes processos, 

UO3(s) + H2SO4 → UO2SO4 +  H2O (dissolução)

UO2(s) + 1/2O2 + H2SO4 → UO2SO4 +  H2O (oxidação)

UO2(s) + 2H2SO4 → U(SO4)2 +  2H2O (dissolução)

As minas da Urgeiriça foram concessionadas primeiro aos britânicos e, depois de caducado o acordo, foram exploradas pelo governo português. Até 1944 a exploração foi dedicada exclusivamente ao elemento rádio. De 1951 até 2000 realizou-se a produção de concentrados de óxido de urânio. 
Hoje em dia, nas minas de urânio, os cuidados ambientais são muito grandes e vigora, por princípio, o ALARA (As Low As Reasonably Achiable). Infelizmente, quando a mina na Urgeiriça começou a laborar, e também fruto de ignorância, não se tomava cuidado. Como referi, os minerais de urânio não são muito radioativos, mas nas galerias havia muito radão, por exemplo. 
A questão do urânio e outros minerais que foram (e alguns deles ainda são) explorados em Portugal leva naturalmente à questão do lítio. Portugal é rico nesse mineral, mas em fontes secundárias, mais custosas que as fontes primárias. Eu não sou contra o lítio, mas sou contra a estupidez e a precipitação. Portugal é também riquíssimo noutro metal, o sódio, obtido das suas salinas. O cloro, do cloreto de sódio, principal sal obtido do mar e das salinas,  tem imensas aplicações tanto em polímeros, como no tratamento de águas. Faz muito sentido haver mais investigação no sódio, também para baterias. Haver mais investigação sobre a exploração económica do mar e das salinas em vez de se abandonar isso e dizer “agora é que vamos ficar ricos, pois temos lítio”. Não ficámos ricos com o rádio nem com o urânio nem com nenhum dos recursos minerais. A história da ciência mostra-nos que só constumamos ficar mais ricos com mais conhecimento e capacidade de gerir os recursos. 

Bibliografia 

Carlos Jorge Mota Veiga, A vida dos trabalhadores do urânio “trabalho ruim”, Associação dos ex-trabalhadores das minas de urânio, 2014.

National Uranium Tailing Program, Canadian Uranium Mill Waste Disposal Technology, 1987. 

Tom Zoellner, Uranium: war, energy, and the rock that shaped the world. Viking, 2009. 

[versão preliminar de 1 de Fevereiro de 2022]

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