Observando os velhos e novos materiais de cortiça

Há uns dias tive de ir à baixa de Coimbra e, quase por acaso, passei na Loja dos Telhados. Não era o meu objetivo, mas como estava à espera que eles me fizessem uma obra, e porque achei a montra convidativa, entrei. Desde logo achei muito interessante a decoração e as várias coisas que estavam expostas: antigas e novas técnicas, assim como materiais, essencialmente produtos naturais e sustentáveis. E achei muito relevante o entusiasmo posto nas soluções. Explicaram-me o que estava exposto, falaram-me de outros materiais que estavam a ser avaliados, mostraram-me a sala de conferências da cave e deram-me alguns dos objetos que fotografei agora. Eu estava com pouca bateria no telemóvel e só tirei um fotografia. A outra fotografia é de alguns dos objetos que me foram dados e de outras coisas que me enviaram por e-mail ao final do dia.

Muitas das soluções desta loja são baseadas na cortiça, um material do qual Portugal é o principal produtor. Achei muito interessante a forma como eram agregados os restos de cortiça para fazer placas de isolamento e revestimento. A suberina, que é um polímero complexo presente em todas as plantas, mas de que é feito, em boa parte, a cortiça, com aquecimento, em água a mais de 300ºC e a 4 atm, parece ficar mais maleável e acaba por servir de “cola” à união de todos aqueles pedaços das placas. Consultados vários trabalhos, ainda estou na dúvida se a união é feita por os pedaços ficarem juntos e unirem-se por ligações intermoleculares ou se há mesmo uma ligação química entre as fibras dos vários pedaços. Inclino-me mais para o anterior.

No caso das rolhas de aglomerado é usado um ligante externo apropriado para alimentos (isso significa em termos gerais que passou por muitos testes, seguramente muito restritivos). Em 1909, Charles McManus começou a usar colas naturais para ligar grânulos de cortiça. Foi usada a dextrina, a caseína e a gelatina, e, depois de 1968, vai ser usado o polímero poliuretano (não sei se são usados outros). Este aproveitamento dos restos da cortiça é muito importante pois desperdiça-se cerca de 75% deste material a fazer rolhas maciças naturais. Curiosamente, para se obterem estas rolhas ainda se usam produtos químicos. São residuais é claro, mas é interessante, quais são e quais são as razões para a sua utilização. Por cada milhão de rolhas, usa-se cerca de cem litros de peróxido de hidrogénio concentrado para fazer a desinfeção e esterilização. Penso que ninguém quer sofrer as consequências se isso não for bem feito. Usa-se também cerca de 0.1% de parafina e silicone na parte exterior para tornar as rolhas mais estanques e duráveis (imagino que seja para isso).    

Outro material que achei muito interessante e que me mostraram ali é a mistura de argamassas e cortiça. Do que percebi, as várias possibilidades estão a ser estudadas num grande centro de investigação na Universidade de Coimbra. Também me mostraram (e enviaram-me um catálogo depois) as placas antifogo de óxido de magnésio. É preciso notar que o magnésio é um metal que não é assim tão raro. Por exemplo, nas rochas dolomíticas (alguns calcários mais amarelos) de cidades como Coimbra há carbonatos de cálcio e magnésio. 

As pessoas muitas vezes não têm consciência de como há uma miríada de novos materiais, muitos deles baseados em produtos naturais, ou juntando o melhor dos dois mundos (natural e sintético), mais sustentáveis e duráveis que estão à sua disposição. De que há uma intensa investigação e desenvolvimento sobre isso, muitas vezes otimizando e estudando soluções ancestrais, outras desenvolvendo novos materiais. E que, sendo Portugal, um país com muita tradição no uso da cortiça faz todo o sentido que se use e desenvolva esse material nobre. Que sejam aproveitados todos os restos e desperdícios deste, que sejam reciclados todos os materiais relacionados com o seu uso. Que a sustentabilidade e a economia circular podem não ser “chavões” e que todos estes desenvolvimentos podem, além de gerar riqueza, contribuir para um mundo melhor. 

[Versão preliminar de 28 de fevereiro de 2022, com pequenas atualizações de 4 de maio de 2022]

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