[Vou fazer uma palestra online dia 5 de abril de 2022 para a Escola Augusto César Silva Ferreira em Rio Maior e aproveito para partilhar os passeios químicos que fiz nesta cidade há uns anos]
A cidade de Rio Maior tem vários pontos de interesse, mas há alguns que são quase únicos. As salinas, a fábrica de briquetes de carvão e o poeta Ruy Belo.
As salinas resultam do afloramento da água salgada que tem permitido obter sal de cozinha desde o século XII. As técnicas e química das salinas são muito semelhantes às das marinas de mar, com a exceção de que, estando no interior, há coisas que não existem como a areia do mar e as plantas marítimas. Fora algumas especificidades que têm sido exploradas ao longo do tempo é bastante semelhante. A água salgada, ou salmoura, vai sofrendo evaporação (os meses de exploração são em geral de maio a setembro) e ficando cada vez mais concentrada nos seus sais, os quais vão precipitando ao longo dos vários tanques. Primeiro precipitam os sais de ferro, nomeadamente os hidróxidos, depois os carbonatos e os sulfatos. No final ficam os cloretos e, em muito menores quantidades, os brometos, os iodetos e outros iões negativos, por um lado, e o sódio e o potássio e outros iões positivos, por outros. Quando se atinge cerca de 37% em massa de cloreto de sódio este começa a precipitar, formando o chamado chamado sal de cozinha. Mas é preciso lembrar que o "sal" não é só cloreto de sódio e que o sistema é eletricamente neutro, ou seja a soma dos números de iões (multiplicada pelas suas cargas) tem de ser zero.
Acontece que os cloretos formam iões e complexos muito solúveis com todos os metais, e em particular com o ferro, sendo muito reativos. Portanto, nas salinas o problema da corrosão é muito grande, sendo tradição usar objetos de madeira em vez de ferro. Desde rodos e ancinhos a fechaduras, tudo é de madeira. Este efeito é especialmente espetacular nas reações entre sulfato de cobre (muito lentas) e folhas de alumínio e cloreto de cobre (muito rápidas) com folhas de alumínio. E mostra claramente que os iões que não participam diretamente nestas reações não são simples “espetadores”.
Ao longo dos tempos os salineiros foram aperfeiçoando as suas técnicas e formas de organização. Hoje o espaço é também turístico com os seus restaurantes e pratos característicos.
Há uma chaminé de betão muito alta, que se vê de quase toda a cidade, de uma fábrica de briquetes de carvão que laborou até quase até ao início dos anos 1970. Em 2019, a Assembleia da República recomendou ao Governo classificar esse espaço e uma associação de Rio Maior propôs usar esse espaço como centro interpretativo das minas de carvão do Espadanal. Esta funcionaram de 1916 a 1969 e o que se fazia na fábrica era produzir briquetes do carvão obtido nessas minas.
Em termos abstratos a ideia até seria razoavelmente boa na altura. Aproveitar as potencialidades do carvão, um combustível bastante sujo e pouco eficiente. Acontece que, para piorar as coisas, o carvão português não é muito bom, estando em geral muito contaminado, em particular com sulfuretos. Para além disso, os motores a carvão eram pouco eficientes, embora tenham ao longo dos tempos melhorado muito. Mas o principal problema atual é que a queima de carvão, além de poluente, origina dióxido de carbono. Se na altura o empreendimento poderia ser já problemático, hoje não seria aceitável. Mas a ideia de um centro interpretativo das minas é muito interessante.
Já o escrevi noutro lado, é bem conhecido e dito por especialistas, que a riqueza mineral de um país não significa automaticamente riqueza deste e dos seus habitantes. Antes pelo contrário, em geral. Para gerar riqueza é preciso muito mais do que exportar. É preciso um política concertada de uso e de enriquecimento científico e cultural. Um exemplo dramático e paradigmático é a Suécia, um país com muitas minas de ferro e de outros minerais, onde se desenvolveu muito o estudo da química e a ciência em geral. Mas era pobre quase até meados do século XX, com fomes periódicas e emigrações massivas para a América que foram bem descritas nas entrelinhas de um livro que ate tinha alguns objetivos turísticos de Selma Lagerlof, “A viagem maravilhosa de Nils”. O que o tornou esse país rico? Congregar esses recursos ao serviço das pessoas e fazer uma grande aposta na segurança social e continuar a desenvolver o conhecimento e muitas outras atividades alternativas. Por exemplo, em Portugal havendo tanto cloreto de sódio podiam ainda ser exploradas mais essas vias.
Finalmente, de Rio Maior é também originário o poeta Ruy Belo. É muito interessante a forma como a cidade se lembra dele. Este tem muitos poemas ligados ao vento e ao ar. Tinha asma e aparentemente acabou por morrer de uma insuficiência cardíaca devida isso. Mas era também um nadador incansável e muitos dos seus poemas são sobre o mar. Vale a pena lê-los. Não precisam de ser diretamente científicos, mas podem ajudar a perceber e apreciar o mundo que nos rodeia.
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