[Em setembro, fiz parte de um congresso na Universidade de Algarve, em Faro, que organizou uma visita que nos levou até Sagres. Com base nas notas que tomei e nas fotografias que fiz, elaborei estas notas para um passeio químico. O texto ficou quase pronto na altura, mas só agora, lhe fiz uma revisão e o o torno público. Já tinha vários Passeios Químicos aqui no Algarve: Lagos, Portimão e Faro.]O cabo de Sagres fica mais a sul em Portugal continental. Estava um pouco de nevoeiro, quando lá estivemos. O que é o nevoeiro? Gotas de água que estão juntas e fazem nuvens. Como o cabo é razoavelmente alto, a água evapora e condensa criando este nevoeiro. Ao mesmo tempo, estamos perto do mar e há muitos aerossóis com iões cloreto, que junto com a humidade, provoca a corrosão acelerada dos metais. Podemos observar as tampas de saneamento, os sinais de trânsito e muito outras coisas corroídas. Nestes locais, o zinco que protege o ferro, é oxidado rapidamente e desaparece, ficando o ferro oxidado.
No caminho passámos por uma empresa uma cimenteira. A produção de cimento e a a construção são atividades que envolvem muita energia e a produção de dióxido de carbono (estima-se que 25% da produção mundial deste gás provenha destas atividades). No caso do cimento, a pedra é moída e aquecida a altas temperaturas ficando desidratada. Já referi o cimento várias vezes, em particular
aqui.
O pó resultante da rocha, na presença de água volta a endurecer, mas há um aspeto único e que poderemos considerar fantástico. O endurecimento, “a presa”, acontece mesmo na presença de água. Por isso, podem ser feitas pontes e barragens com mais facilidade. Mas a longo prazo aparecem os problemas.
O betão (cimento armado com pedras e estruturas de ferro no interior) começa a degradar-se e o ar e a água conseguem chegar ao ferro, oxidando-o. Por isso, neste momento pensa-se que as grandes estruturas de betão têm tempos de vida muito mais curtos do que se pensava. Por outro lado, a cal apagada (hidróxido de cálcio) embora demore muito tempo a endurecer e não o faça na presença de água, lentamente vai reagindo com o dióxido de carbono do ar e tornando-se carbonato de cálcio, a base das rochas calcárias. Para além disso, a cal permite a passagem de vapor de água e gases nas paredes, algo que o cimento não permite, e por isso é muito mais adequado para revestimentos de casas antigas. Em suma, a evolução do conhecimento tem permitido obter melhores materiais, otimizar e recuperar o uso de materiais antigos e perceber melhor as alterações de todos.No meio do nevoeiro, vê-se a torre do farol de São Vicente que fica no antigo convento, o qual estava fechado quando lá fomos. Não é o farol que fica mais a sul de Portugal continental, cabendo ao farol da Ponta de Sagres, essa distinção, mas é, parece-me, o mais visível. Antigamente, as lâmpadas dos faróis eram muito pesadas e estes tinham de estar assentes em materiais que pudessem rodar facilmente. Usava-se mercúrio metálico que por ser líquido e mais denso do que o ferro facilitava essa rotação. Com as lâmpadas modernas mais leves e os motores, deixou de ser necessário o mercúrio, mas era uma parte integrante dos faróis no século XIX e início do século XX. Também hoje em dia, com os sistemas de geo-localização os faróis são menos importantes, mas continuam a ser relevantes. Não tem muito a ver com a química, mas é interessante saber como os faróis eram e são identificados. Cada um tem a sua “característica” que no caso deste farol é um relâmpago branco a cada cinco segundos. E este em particular tem um alcance de mais ou menos 59 quilómetros, o que faz deste farol um dos que em Portugal podem ser avistados a maior distância.
Além dos metais das placas e vedações e metais que possam ter existido nos faróis, podemos encontrar muito metais nos bolsos das pessoas (nas moedas e nos telemóveis por exemplo): ouro, prata, cobre, tântalo, e muitos outros. Vim aqui, a um sítio tão belo, e falo dos bolsos das pessoas! Isso também é de maravilhar e tem pequenas surpresas. Por exemplo, as moedas de um a cinco cêntimos parecem de cobre, mas têm comportamento magnético. Porquê? Por que são de ferro recoberto com cobre. Se fossem todas de cobre, o valor facial, pelo menos as de um cêntimo, era inferior ao valor do metal e isso poderia fazer com as moedas fossem fundidas pelo cobre. E além dos bolsos, podemos reparar nas roupas. Quase todas têm algum tratamento químico, mesmo as de tecidos naturais. São os corantes, os detergentes, os branqueadores e muitas outras coisas. E os óculos, que são agora de plástico, os sapatos com solas sintéticas. É um nunca mais acabar de coisas que têm a ver com Química.
As rochas é a vegetação são muito caraterísticas. É preciso cuidado onde se colocam os pés. As rochas calcárias estão todas rendilhadas devido à ação do dióxido de carbono ao longo dos anos, penso eu. Consultei várias páginas da Internet discutindo a flora presente no Cabo de Sagres, com muitas espécies (à primeira vista parece muito pobre em termos vegetais, mas não é). Não reparei em nenhuma que fosse mais relevante em termos químicos. De certeza que deve haver, mas eu não encontrei.
Ainda na zona do cabo de Sagres, fomos a um café que tinha uma espécie de museu com animais empalhados. O
kitsh era muito evidente, mas não vou falar disso. Vou falar dos animais empalhados em si. Basicamente, estes são mesmo “empalhados,” pois as vísceras e a maioria do esqueleto é retirado ficando só a pele que é tratada, para se conservar, sendo o interior enchido em geral com… palha. No caso das cabeças, mandíbulas e outras partes mais complexas e detalhadas é mantido o esqueleto e para os olhos há muito tempo que se usa vidro pintado. Parecerem vivos e só uma ilusão, claro, e como os micro-organismos atacam as suas peles têm grandes quantidades de pesticidas, em particular arsénico, os mais antigos, sendo portanto desaconselhado tocar-lhes. E qual era o seu papel? Antes da generalização da fotografia a cores e dos filmes com altas resoluções, serviam para concentrar nos museus espécies que poderiam ser observados e estudadas. Hoje, isso já não é necessário. Estes animais empalhados são a memórias de um tempo em que eram fundamentais para o ensino e a investigação. Devido a essa memória devem ser preservados e até ter novas funções, mas não precisamos de ter novos. Como não faz sentido termos novas esculturas de marfim dos dentes e ossos de baleia, mas faz sentido manter a memória do tempo em que foram usadas para isso, mesmo criando polémica sobre esse uso ancestral.
Gostei imenso de bolos e outras receitas usando alfarroba (
Ceratonia siliqua). No Algarve, em alguns sítios chamam-lhe “ouro negro”. Gosto desse nome que deriva do facto de a farinha ter muitas aplicações e ser escura, e assim os bolos e todos os produtos de panificação que a usam ficarem escuros. Muitas das receitas envolvendo chocolate ficam muito bem com farinha de alfarroba. Esta tem além disso um uso mais generalizado na indústria alimentar onde dá origem ao espessante E410, mas é muito mais do que isso. Na Wikipedia é referido que a “dieta” de gafanhotos e mel de João Batista seria afinal de vagens de alfarroba e mel, mas as referências são algo frágeis, por isso continuo com dúvidas. Embora, como é uma planta bastante resistente à seca faça sentido.
A guia turística tinha bastante sensibilidade e levou vagens de alfarrobeira e casca de sobreiro (cortiça não tratada), além de que referiu plantas e rochas comuns. Como falei com ela, e era esta a sua ideia, tem de haver uma oferta turística diferenciada para as pessoas interessadas em ciência e tecnologia. Mais ainda, essa oferta tem de ser criada, sem que seja procurada, pois as pessoas só procuram o que conhecem. Referiu-me as saídas de campo que organizam envolvendo a observação de pássaros ou as exploração das zonas entre-marés. Pois, também poderá ser muito interessante, observar a química que pode ver nas ruas. Tenho aqui exemplos suficientes, acho eu, mas podemos sempre encontrar novos.