(PQ-UC) Estalactites nos Arcos do Jardim

Os Arcos do Jardim, parte do Aqueduto de S. Sebastião, são uma construção muito elegante que foi recentemente restaurada e que merece ser olhada com atenção. O templete com S. Sebastião que deu origem à famosa história coimbrã das setas de prata roubadas e da placa com os dizeres basta de tanto sofer tem uma geometria que proporciona a ilusão de estar sempre virado para o observador.

E tentar saber para que lado descia a água leva-nos a pensar em ilusões de óptica e no efeito que as imagens (veja-se a fotografia de cima) podem causar na nossa percepção da realidade.

Para além da história e da estética, os Arcos do Jardim restaurados têm aspectos químicos muito interessantes. Um destes é a formação de estalactites, fenómeno que também encontramos na zona da cantina das Químicas. Trata-se de um processo químico muito comum envolvendo betão, cimento, ou cal e reações ácido-base.

Os Arcos aparentam ter sido restaurados de forma tradicional, usando argamassas à base de cal (cujo importante constituinte é o hidróxido de cálcio), por isso a formação de manchas brancas e estalactites de carbonato de cálcio de acordo com a reacção

Ca(OH)2(aq) + CO2(aq) → CaCO3(s) + H2O(l)

parece estar a ser especialmente rápida (veja-se a fotografia de baixo). De facto, estas estalactites crescem muito mais depressa que as estalactites que surgem de forma natural, por exemplo em grutas. Nesse caso, a rocha calcária dissolve-se em água com dióxido de carbono formando bicarbonato de cálcio a partir do qual vai lentamente formando de novo carbonato de cálcio de acordo com o equilíbrio

CaCO3(s) + CO2(aq) + H2O(l) ↔ Ca(HCO3)2(aq)

No caso do betão, que é constituido por cimento, areia, água e pequenas pedras, o processo de formação de estalactictes é precedido pela reacção do óxido de cálcio presente no cimento com a água,

CaO(s) + H2O(l) → Ca(OH)2(aq)

O cimento é obtido aquecendo a 1450oC rochas carbonatadas ricas em silicatos de alumínio. Este processo é bastante complexo, mas pode, de modo simplificado, ser representado pela reacção,

7CaCO3(s) + Al2Si2O5(OH)4(s) → Ca3SiO5(s) + Ca2SiO4(s) + Ca3Al2O6(s) + 7CO2(g) + 2H2O(g)

que, usando a notação da literatura especializada, pode ser escrita na forma,

7CaCO3(s) + Al2O3⋅2SiO2⋅2H2O(s) → 3CaO⋅SiO2(s) + 2CaO⋅SiO2(s) + 3CaO⋅Al2O3 + 7CO2(g) + 2H2O(g)

De facto, os constituientes do cimento são muitas vezes indicados como: 3CaO⋅SiO2(s) ou (de forma simplificada) C3S; 3CaO⋅Al2O3 ou C3A, etc. Durante o processo, algum carbonato de cálcio decompõe-se em óxido de cálcio (notar que este é o processo de produção da cal, referida acima),

CaCO3(s) → CaO(s) + CO2(g)

sem que seja neutralizado. E uma vez incorporado no betão vai-se lentamente dissolvendo em água para formar hidróxido de cálcio que, como vimos acima, dá origem às estalactites rápidas.

Finalmente refira-se que os químicos têm desenvolvido, ao longo dos tempos, produtos e métodos de tratamento e estabilização de betões e outros materiais de construção.

Bibliografia:
Peter Borrows, Education in Chemistry, January 1994, p. 7.
E. Stocchi, Industrial Chemistry (1990, Ellis Horwood, New York).

[Versão de 9 de Julho de 2009. Última alteração 12 de Março de 2010]

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