Passeios químicos em Ovar


[Estive várias vezes em Ovar. A última, foi nas II Jornadas Dinisinas, para cujo convite pela Câmara Municipal de Ovar foi central uma visita que fiz ao Museu Júlio Dinis - Uma Casa Ovarense organizada pela Liga dos Amigos da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra.]

Ovar é uma cidade cheia de atrativos e curiosidades, de que referirei aqui alguns, nos quais reparei e que têm a ver com a Química. Há com certeza outros a descobrir.  

Júlio Dinis (1839-1871) é o pseudónimo de Joaquim Guilherme Gomes Coelho, formado em Medicina e professor na Escola Médico-Cirúrgica. Não exerceu a profissão de médico, devido, em parte, à tuberculose de que sofria, mas segundo o professor Levi Guerra, ainda chegou a ter um consultório. O escritor esteve na casa, que é agora o Museu Júlio Dinis, a qual era de sua tia, cerca de quatro meses a repousar e a procurar melhorar da tuberculose, tendo escrito uma parte do seus romances "As Pupilas do Senhor Reitor" e “A Morgadinha dos Canaviais”, assim como outros trabalhos de que se destaca “O Canto da Sereia”. 

Eu escrevi um artigo para a Revista Dunas deste ano sobre Júlio Dinis e a Ciência do seu tempo, sendo que esta revista será apresentada em 8 de dezembro de 2025. Embora não seja só de Júlio Dinis de que quero falar, não posso deixar de referir o que escrevi no artigo: “num país essencialmente analfabeto, Júlio Dinis procurou educar a população, de uma forma bastante avançada para a época, através dos seus livros. De facto, ao longo de todo o século XIX, e mais tarde, iremos encontrar pessoas genuinamente preocupadas com a Educação em Portugal, mas não consideraram a atitude popular e pragmática que Júlio Dinis desenvolveu” e mais adiante “Júlio Dinis procurou estimular a Educação e o Desenvolvimento num país atrasado e não glorificar a vida campestre, como por vezes se pensa.”

Uma das coisas que me chamou a atenção na Casa-Museu foram os talheres que pareciam entre prateado e acobreado (aliás eram muito semelhantes aos que estão em exposição na cozinha da Casa-Museu Egas Moniz). Poderão ser de um material denominado “prata alemã.” Ora o que é essa prata alemã? Uma coisa é certa não tem na sua composição o metal prata. É cobre recoberto de zinco e níquel. Provavelmente ao longo o tempo, o zinco e o níquel foram-se misturando com o cobre ou oxidando (o zinco pois o níquel já tem uma camada de óxido estável na sua superfície), ou sendo removidos pelo uso, ficando os talheres mais amarelos. É preciso notar que século XIX e primeira metade do século XX, o aço inoxidável não existia. Na Casa-Museu Egas Moniz, há talheres de prata que deveriam ser usados na refeições dos patrões, mas nos dez ou onze meses em que os criados estavam sozinhos, deveriam usar os outros. 

Nesta casa da tia de Júlio Dinis cozinhava-se provavelmente usando panelas de ferro fundido de três pés na lareira e na casa de Egas Moniz há um fogão a lenha. O gás só se tornou preponderante depois da Segunda Guerra Mundial. Antes eram mais comuns o uso da lenha, diretamente ou em fogões, ou os fogões de petróleo. Nos jornais dos anos 1940 são costume os anúncios a estes fogões a petróleo nos quais a combustão é feita com o vapor combustível do composto e se aumenta a pressão com um pistão parecido com os bombas de ar das bicicletas. Hoje é comum o gás de botija que, embora seja designado "butano", tem cerca de um terço de propano, o gás natural que é essencialmente gás metano, e os discos elétricos e de indução eletromagnética.
Nos dois últimos casos o fogão funciona com eletricidade, sendo no primeiro uma resistência que aquece com a passagem de corrente elétrica e no segundo com a indução obtida com a passagem de uma corrente elétrica numa bobine abaixo do vidro de cobertura do fogão e uma panela de material ferromagnético, em geral aço. Deve notar-se que nem todo o aço é feromagnético e as composições usuais com 18% de crómio e 10% de níquel (corrijo) podem ou não ser (poderá testar-se com um íman). Depende da quantidade de ferrita que temos nos 72% de ferro. Uma das formas de aumentar a eficiência deste tipo de fogão é ter panelas mais magnéticas, mas mesmo assim a eficiência desta forma de aquecimento é relativamente alta, sendo de 80-90% comparada com os 60-70% do aquecimento elétrico normal e 40% do gás. Pode pensar-se que o gás é menos eficiente mas deve ter-se em conta como é obtida a energia elétrica (se for em turbinas de co-geração a gás natural, esta é de cerca de 60%). Poderia parecer também que nada disto tem a ver com Química, mas pense-se nas composições das panelas e dos bobines, a composição do gás e a sua combustão, entre muitas outras coisas.       

Ainda no Museu Júlio Dinis, podemos reparar nos vidros antigos das janelas. Como já referi várias vezes, ate cerca de 1950 os processos de produção de vidros planos faziam com que os vidros ficassem com imperfeições que são são bem visíveis. Depois desta data, os vidros planos comecaram a ser fabricados num processo que envolve estes solidificarem (o que acontece no intervalo entre 700 e 900ºC, dependente do tipo de vidro) em estanho líquido (ponto de fusão 232ºC) e assim ficarem com a superfície muito lisa e plana. 

Na casa pode também reparar-se que não havia água canalizada, sendo que a água tinha de se ir buscar a uma fonte. Mas, mais do que a comodidade, existiam outros problemas. De facto, nesta altura a água não era tratada nem analisada em relação a contaminações microbianas ou outras. Embora fossem usados alguns processos de filtração com areia e as águas correntes fossem melhor oxigenadas, havia uma elevada probabilidade de contaminações. Não esqueçamos que a água não tratada matou um rei português (D. Pedro V) e na primeira metade do século XX ainda eram comuns as epidemias de febre tifóide, cólera e outras. 

Até à segunda metade do século XIX, ainda não eram bem conhecidos os processos de contaminação biológica. A teoria dos germens desenvolvida por Pasteur estava a dar os seus primeiros passos no final da vida de Júlio Dinis. E no início do século XX ainda não tinham sido bem optimizadas as redes de abastecimento de água. 

Uma fonte do centro da cidade, e que era usada para abastecimento de água, é a Fonte de Neptuno. Nesta elegante fonte podem observar-se os canos de saída de água. Uma fonte mais moderna em que reparei estava situada junto ao Museu Júlio Dinis. Ao longo de toda a cidade à fontes que são agora essencialmente decorativas, mas no tempo de Júlio Dinis era nestas que a população se abastecia de água. Quando estive em Ovar a última vez, estava a chover muito e as fontes que se situavam abaixo do nível do solo estavam inundadas. 

Em Ovar há muita água quando chove. Pude observar, quando lá estive, o parque da cidade onde passa o Rio Cáster parcialmente inundado. Mas esse efeito foi previsto no desenho do parque para absorver a água do rio e não causar inundações na cidade. Muitas vezes não percebemos essas coisas, mas isso foi-me muito bem explicado pelo diretor do Museu Júlio Dinis, dr. António França.   

Ali perto, no Parque Cáster, estão as engraçadas e conhecidas estátuas alusivas ao Carnaval de Ovar da autoria de José Guimarães, em bronze e aço inoxidável. O bronze como já referi várias vezes é uma liga com cerca de 70% de cobre e 30% de estanho que é muito usado nestas estruturas públicas devido à sua resistência e bom envelhecimento durante o qual se forma na superfície uma camada cabonato básico de cobre que é verde escuro. O uso de aco inoxidável é interessante pois dá um aspeto espelhado, onde nos podemos ver. 
O Carnaval de Ovar é considerado o mais típico e o maior do país com milhares de foliões e participantes. Curiosamente, as cerimónias da posterior Semana Santa são também muito importantes, havendo na cidade várias capelas para isso. O Presidente da Câmara, dr. Domingos Silva, disse-me que a cidade fazia parte de uma rede ibérica de comemorações da semana santa. Não sendo um assunto de Química diretamente, vê-se facilmente que os dois aspetos estão relacionados entre si e com a religiosidade e extroversão das populações, assim com as suas relações antigas com o mar.  

Voltando ao Museu Júlio Dinis, outro aspeto a considerar é a iluminação. Esta era feita na casa essencialmente através de velas e candeeiros. Nas grandes cidades, como o Porto, já existiam estruturas de abastecimento de gás para iluminação na rua e nas casas ricas, mas não em cidades pequenas como Ovar. As velas poderiam ser de sebo que era de gordura animal, ou de estearina que implicava serem feitas retirando os componentes da gordura que são líquidos ficando a estearina. Eram velas mais claras e não tinham cheiro, mas mesmo assim eram muito pouco eficientes.
Uma vela típica tem uma potência total de cerca de 50 watts, o que seria razoável, mas o problema é que quase toda a potência e usada para aquecimento. Temos cerca de 0.05% de eficiência luminosa, sendo os restantes 99.95% perdidos como calor. Ao longo do século XX melhorou a eficiência luminosa, sendo que uma lâmpara incandescente têm cerca de 2%, uma lâmpada fluorescente cerca de 15% e uma lâmpada LED tem um máximo teórico de eficiência de 40%. Vê-se assim que ainda há espaço para melhorar a eficiência. Também em termos de sustentabilidade, há muito para dizer. Uma lâmpada LED pode durar 50 mil horas e uma vela típica cerca de seis horas. Assim, precisariamos de cerca de 8 mil velas ou cerca de 350 quilogramas de velas para ter o mesmo resultado que uma lâmpada LED, sendo que a luz gerada por uma vela será cerca de mil vezes inferior. No tempo de Júlio Dinis, o uso de petróleo  (querosene) em candeeiros estava a popularizar-se mas nos seus livros este só refere candeeiros de azeite que provavemente eram menos cheirosos e fumarentos.

Finalmente, gostaria de referir os esgotos. Não existiam em geral. Os dejetos juntavam-se provavelmente com os dos animais e eram curtidos (processo em que o estrume é fermentado com palha ou outros restos vegetais dando-se o seu aquecimento o que  leva à morte de muitos microorganismos). As pessoas tinham nos quartos uma “peniqueira” e um penico onde faziam as suas necessidades (agradeço a um participante do colóquio referir isso a partir de uma fotografia que apresentei). Esse costume (de ter penicos nos quartos) continuou mesmo muito depois de se generalizarem os esgotos e casas de banho, mas hoje é só uma memória. Antes do advento dos plásticos, esses penicos eram de faiança, porcelana ou esmaltados.  

Uma antiga fábrica de papel junto ao rio Cáster depois de ser requalificado o edifício é agora a Escola de Artes e Ofícios. O fabrico artesanal de papel é bastante antigo, mas na Europa tornou-se significativo quando foram trazidas da China o conhecimento do uso de fibras vegetais para fazer papel. Logo na entrada da Escola ainda se pode ver o moinho onde eram trituradas as fibras vegetais e obtida a pasta de celulose através de um moinho de galgas (com uma espécie de mós rotativas e fixas no meio, segundo percebi e se pode intuir pela fotografia que fiz). 

Junto à escola reparei num grampo de ferro segurando duas pedras que é chumbado, ou seja tem chumbo à sua volta no encaixe do ferro com a pedra. Como já referi várias vezes, o chumbo tem um ponto de fusão relativamente baixo (327.5ºC) e é muito maleável, sendo por isso ideial para esta função antiga.  

Na Escola de Artes e Ofícios foram feitas várias esposições sobre as artes tradicionais do concelho. A primeira foi sobre a cordoaria e abarcou desde os tempos antigos e a utilização de materiais naturais (o sisal, e o cânhamo) até à atualidade com a utilização de materiais artificiais (polipropileno, polietileno, poliéster e a poliamida mais conhecida – o nylon). Em relação à atualidade há que realçar que a maior empresa portuguesa de produção de cordas, a Cordex, está localizada no concelho.  

No que concerne à roupas tradicionais, no século XIX e inicio do século XX, como se pode constatar num catálogo editado pela Câmara Municipal de Ovar, não existiam polímeros artificiais como o poliéster e as poliamidas, tendo os tecidos basicamente duas origens: vegetal ou animal. No caso das origens vegetais eram comuns o algodão e o linho, cujo material básico é a celulose, e no caso de origem animal, a seda e a lâ, cujos materiais básicos são proteínias, em particular queratina na última.   

A cerâmica de consumo tem uma tradição antiga em Ovar, como se pode verificar no muito bom catálogo da exposição relativa à olaria no concelho. E no século vinte, teve algum impacto nacional o fabrico de vasos, na fábrica Regalado e de telhas noutras fábricas. Tanto os vasos como as telhas são objetos de barro vermelho cozido, mas há também referências ao fabrico de loiça negra, as quais são cozidas como as de barro vermelho, mas em condições de pouco oxigénio para que ocorra essa incorporação de matéria negra carbonácea. Já referi várias vezes nestes passeios químicos, mas a produção de loiça de barro (aliás como as de grés e de porcelana) envolve um processo irreversível de cozedura, no qual se liberta água e se formam ligações química que asseguram a rigidez do material. Este, finamente moído, pode ser reciclado e incorporado nas pastas de cozedura, mas não volta a ser o barro que foi. Também interessante é a porosidade, tanto dos vasos e bilhas, como telhas, que acaba por ser útil de várias formas. No caso das bilhas para guardar água, essa porosidade é muito útil pois permite a lenta evaporação da água, o que, sendo um processo endotérmico (com libertação de energia), faz com que baixe a temperatura e assim mantendo a aǵua “sempre fresca”.      

O azulejo tem também bastante tradição em Ovar, que foi classificada como Cidade-Museu do Azulejo, existindo uma publicação pela Câmara Municipal de um guia com um percurso recomendado. A Câmara de Ovar assume de tal forma essa classificação que usa no seu símbolo um motivo típico de azulejos locais. Tratam-se de azulejos semi-industriais datados do século XIX e início do século XX usando três técnicas essencialmente: estampilhagem, estampagem e relevo. Na primeira aplicava-se a estampilha já depois do vidrado, na segunda antes do vidrado transparente e a última pode ser obtida usando moldes de madeira. As três técnicas envolvem cm certeza mais problemas específicos, mas consigo pensar em dois bastante óbvios: na primeira técnica tinham de ser usadas tintas que aderissem bem ao vidrado e resistissem ao tempo e no segundo caso as tintas teriam de resistir ao aquecimento, tendo se ser de compostos inorgânicos, sendo o mais comum os sais de cobalto que originam os coloridos azuis dos azulejos. Eu não tive oportunidade de visitar a capela da Válega, mas do que vi em fotos são fascinantes os seus azulejos com muitas cores que tiveram origem na Fábrica Aleluia.

Outra arte tradicinal de Ovar, era (e ainda é, mas com outros sentidos de utilidade) a tanoaria. Nesta, que chegou a ser muito mais importante que a cordoaria, como me referiu o diretor do Museu Júlio Dinis, eram produzidas barricas que serviam inicialmente para guardar peixe salgado e só depois encontraram caminho para guardar vinho. Não vou falar muito tempo desta arte, mas há muito ciência nas escolhas das madeiras, no fabrico das aduaelas e depois no uso dos barris. É o líquido interior que ajuda a impermeabilizar o conjunto e no caso do vinho e aguardentes, há uma parte que se perde absorvida e evaporando-se pelas madeiras que ao mesmo tempo transmitem sabores complexos ao líquidos. Também seria assim, penso eu, no armazenamento do peixe salgado, em que a madeira acabava por poder contribuir para os compostos que davam o sabor. 

O pão-de-ló de Ovar é muito famoso. A descrição que dele é feita no livro de Luiz Dias é a seguinte: feito de ovos (especialmente gemas), açúcar e farinha, a sua estrutura é gradualmente composta, no seu todo, por uma massa muito fofa e leve, tendo na parte superior uma finíssima côdea, húmida e de cor levemente acastanhada, circundada por uma orla de massa cremosa de tom amarelo-ovo, toda ela com um magnífico e exótico aroma. Tanto os ovos, como a farinha são misturas muito complexas de materiais, mas curiosamente o açúcar, é essencialmente sacarose.
Lendo esta descrição que parece não ter nada a ver com Química, podemos facilmente referir os materiais, cores e estrururas (sacarose, côdeas, amarelo, misturas, e outras) e os processos. Quando as pessoas dizem (quase sem pensar) que "não tem químicos" referem-se às ideias de que "não tem químicos artificiais" ou "não tem químicos adiciinados", mas mesmo nesses caso há ambiguidades pois por exemplo o acúcar, sendo de origem natural, é obtido de "forma artificial" se consideramos o processamento. Na verdade, não há pão-de-ló sem processamento (os ovos têm de se misturar com a farinha e o açucar e têm de se levar ao formo, por exemplo). Mas que processamento bom! Tem boa Química, diriamos! 

O artista Emereciano, natural de Ovar, desenvolveu um estilo único e facilmente identificável. Queria referir dois aspetos em que a sua técnica e percurso se relacionam com a Química. Um mais direto que tem que ver com a tinta acrílica e outro, muito mais indireto e longínquo, mas que teve impacto, segundo o que este refere no catálogo, relevante na sua vida: a guerra de áfrica. Este texto já vai longo e não vou referir a química das tintas acrílicas nem a "má química" da guerra. Neste último caso, é bastante óbvio referir que são as más ações das pessoas e dos governantes que são responsáveis pela "maldade" e não os materiais ou os processos. 

Quando visitei a Museu Júlio Dinis com a Liga dos Amigos da Biblioteca Geral, estava lá uma exposição de Rosa Bela Cruz que usa uma técnica mista, mas tendo uma referência importante à pintura a óleo clássica. Também não vou referir a química envolvida na pintura a óleo, mas podemos ter a certeza que tem muita. Vou apenas referir que se a Ciência ajuda a explicar e criar a Arte, a Arte ajuda a gostar de Ciência, sendo ambas importantes para a nossa vida material e espiritual, dando a união harmoniosa das duas, a Cultura e a Alegria de Viver. 

Já depois de publicar a crónica acima, fiz alguma pesquisa sobre empresas relacionadas com a Química em Ovar. Temos bastante tendência para não pensar nas empresas que estão à nossa volta, também por estas não serem atualmente fumegantes, ruidosas e mal-cheirosas, e por cada vez mais usarem a linguagem das soluções em vez da linguagem dos produtos ou das matérias-primas, mas na verdade são estas empresas que desenvolvem muitos dos utensílios que usamos e que geram os empregos que as pessoas têm. 

Eu e uma das minhas cunhadas, Engenheira Química, numa fábrica perto de Ovar, por vezes filosofamos sobre a beleza quase escondida das instalações industriais que é infelizmente pouco conhecida. Eu tinha referido a Cordex acima, mas faz sentido referir, por exemplo, a Multicol que faz cordas finas usando polipropileno, assim como outras. Muitas das empresas desta região (mas de outras também) organizam-se em sistemas ecológicos que em vez de competirem. colaboram e diversificam. 
Não deixa de ser interessante que as empresas ligadas a produtos semelhantes ou complementares estejam muitas vezes localizadas perto. E, como referi acima, quase todas usarem a linguagem das soluções em vez da linguagem dos produtos. A Flex2000, por exemplo fabrica colções usando espumas de poliuretano, mas o que oferece são soluções de conforto, a Flexpur fabrica poliuretano, mas oferece conhecimento e soluções, EAB, fabrica espumas e solas de sapatos de látex, mas o que oferece é, mais uma vez, conforto, a Trimteck oferece soluções de fibras muito finas para o conforto e durabilidade na puericultura e na medicina e poderiamos referir outros exemplos. Estas empresas fabricas e usam poliureatano, polipropileno, polietileno, poliestireno, mas embora isso apareça na conversa o mais importante são as soluções e serviços que oferecem. As empresas ligadas ao papel, desde a pasta à embalagem, parecem também complentares e localizadas perto. Em Cortegaça encontramos a DS Smith, a PPS, Palm Packaging, entre outras. E mais uma vez o que oferecem são soluções. Na minha opinião, isto não é hipocrisia ou calculismo, mas uma verdadeira mudança de paradigma. A vantagem é óbvia, as desvantagens são a cada vez maior distância entre os consumidores e os produtores o que pode fazer com que se perca a noção das origens, dificuldades, necessidade e processos. Como eu já anteriormente referi a propósito do famoso poema de Sophia, O Rei de Ítaca

A civilização em que estamos é tão errada que, 
Nela o pensamento se desligou da mão

Ulisses rei de Ítaca carpinteirou seu barco
E gabava-se também de saber conduzir
Num campo a direito o sulco do arado

O “erro” da civilização não é tanto Ulisses já não saber fazer ou usar um arado, mas já não ter nenhuma ideia de onde vem, para que serve e como é feito um arado.

Referências

António Manuel França de Jesus. Ovar: memórias industriais de uma urbe. Tese de Mestrado, Universidade do Minho, 2011.

Atelier d’arquitetura J. A. Lopes da Costa. Casa-Museu Júlio Dinis. Caleidoscópio, 2015.

Câmara Municipal de Ovar. 1.7 Olaria de Ovar – Catálogo da Exposição, 2016.

Câmara Municipal de Ovar. 3.7 Olaria de Ovar – Catálogo da Exposição, 2018.

Câmara Municipal de Ovar. Vai Passear. Ovar, cidade-museu do azulejo. s.d.

Câmara Municipal de Ovar. O trajo popular no concelho de Ovar 1850-1910, 2024.

Emerenciano Rodrigues. Querer dizer: Emerenciano, 50 anos entre a pintura e a escrita – Catálogo da Exposição. Câmara Municipal de Ovar, 2024.

Fernando Andrezo, Pedro Brás Marques, João Carlos Pinto, Luis Rodrigues, José Santa Clara. Na Fábrica. Edição de Autor, 2019.

Júlio Dinis. O Canto da Sereia (ilustração de Pedro Podre e estudo de Ana Soares Ferreira). Caleidoscópio, 2021.

Luiz Duarte de Oliveira Dias. Pão de ló de Ovar: o mais antigo e acreditado. Edição de Autor, 2010.

Maria Isabel Moura Ferreira. Azulejos tradicionais de fachada em Ovar. Câmara Municipal de Ovar, 2018.

Região de Aveiro. Barco Moliceiro – uma herança da Ria de Aveiro (2ª edição), 2025.

Revista Dunas, anos 2018-2024

Rosa Bela Cruz. Um rosto nunca é apenas um rosto – Catálogo da Exposição. Câmara Municipal de Ovar, 2025.

Sérgio P. J. Rodrigues. Química e Saúde Pública: Elementos da História de uma relação fundamental. Revista Multidisciplinar 4(2), 57-74, (2022), https://doi.org/10.23882/rmd.22087