Passeio na Suécia, terra de químicos, minas e natureza exuberante

Inicio este passeio químico pela Suécia, referindo que esta tem muitos químicos famosos. Começando por Alfred Nobel (1833-1899), que todos conhecem do prémio Nobel, mas Torbern Bergman (1735-1785), Carl Wilhelm Scheele (1742-1786), Jacob Berzelius (1779-1848) e Svante Arrhenius (1859-1927), por exemplo, têm os seus nomes justamente na história da química. Como não estava neste país para especificamente ir aos lugares químicos, acabei por falhar muitos deles, mas estive perto de muitos. Por exemplo, perto de Estocolmo, mais especificamente em Vaxholm (onde passámos), em Ytterby (onde não fomos), havia uma mina onde foram descobertos os metais conhecidos como terras raras.

A química era muito importante para as minas, o que fez com que esta ciência fosse sempre considerada importante neste país pelo menos desde o século XVII. Era nesse caso uma química utilitária, que valorizava a análise, pouco teórica, e que facilmente mudava de teorias se estas servissem melhor e não perdia muito tempo com teorias que pareciam não servir para grande coisa. A química que vem da classificação, inspirada pelo médico e professor em Uppsala, Carl von Linée (1707-1774, conhecido em Portugal como Lineu),  é também muito importante Na verdade, há uma certa divisão em grupos mais ligados às minas e à mineralogia e à classificação. Bergman foi muito influente na altura e elaborou tabelas exaustivas de afinidades. Scheele tinha como profissão a farmácia mas identificou corretamente o oxigénio e uma quantidade enorme de elementos e compostos. Berzelius é uma figura centrar na química tendo estudado milhares de compostos e identificada quase uma dezena de elementos. Simplificou a notação química, Introduziu vários nomes e teorias.
Junto com Lavoisier é considerado um dos introdutores da química moderna. Arrhenius é bem conhecido dos estudantes de química e ganhou o prémio Nobel em 1903. O seu nome está ligado às teorias dos ácidos e bases e a uma fórmula ainda hoje usada para representar a variação das constantes de equilíbrio com a temperatura. Terá sido um dos primeiros cientistas a prever o aquecimento global. Isso leva-nos a outro aspeto da Suécia que é muito visível. A grande preocupação com o ambiente. Julgo que não é por acaso que Gretha thumberg nascida em 2003 em Estocolmo é uma ativista climática. Desde há muitas décadas que esse aspeto é cultivado de forma quase obsessiva no sistema de ensino e na sociedade.
Foi lá que ouvi falar pela primeira vez de possíveis problemas com os sais de prata, quando em Portugal ainda agora quase banimos os sais de chumbo e olhamos com preocupação para os de cobre. Outro aspeto muito interessante na Suécia é a referência aos impostos. Muitas coisas são grátis (as que não são grátis são muito caras), como alguns ferries e várias vezes me disseram, com algum orgulho, que eram os impostos deles que pagavam. Outro aspeto, mais negativo, é o das bebidas alcoólicas. Só muito mais tarde notei que o vinho era vendido em lojas especiais do governo quando num supermercado tentei comprar uma garrafa de vinho e só havia sem álcool! Mas voltarei a este assunto mais adiante.    

Demos um grande passeio a pé em Estocolmo. Começámos na praça Sergels, dominada pela obra de  Edvin Öhrström, mas nota-se uma boa quantidade de outras obras de arte, além de que a atividade humana era impressionante (eram tempos pré-pandémicos). Reparámos logo na venda de cogumelos na rua (depois notei que eram falsos cantarela). Várias das coisas que nos chamaram a atenção foram os sapatos, a natureza e a água. À entrada de cada casa é normal deixarem-se os sapatos (isso faz sentido, pois no inverno a neve e a lama são muito comuns) e a natureza exuberante e a água estão por todo lado. É normal encontrarem-se coelhos e outros animais perto das casas. E nestas é costume ter luzes nas janelas e haver saunas comunitárias. Bem, e os os estacionamentos serem muito bem definidos. Cada casa tem os seus números de estacionamento e isso acontece também noutros países escandinavos.    

Conduzidos por um amigo de Estocolmo, passámos na praça que se situa entre as alamedas com os nomes de dois cantores de ópera Jussi Bjorling e Birgit Nielsson, bastante perto da praça Berzelius (onde infelizmente não fui). E de novo havia muita gente na rua. Fomos a bairros típicos e passámos por lugares emblemáticos. O nosso amigo que já tinha mais de setenta anos, mostrou-nos os lugares onde viveu, onde tinha sido a sua escola, e lembrava-se ainda dos tempos mais difíceis. De facto, olhamos para a Suécia como um país rico, mas não foi sempre assim. Ao final do dia, fomos ao bairro de Johanneshov, onde passámos junto ao globo gigante junto ao estádio que já teve nome da Ericsson, da Tele2 e agora tem o de Avicii, o artista sueco que morreu com 28 anos. Fomos a um antigo matadouro assistir a um espetáculo. É curioso o que aconteceu a estas estruturas nas cidades. Por um lado não tinham capacidade logística para abastecer as pessoas da cidade e por outro os cheiros deixaram de ser tolerados. Na cidade do Porto conheço dois matadouros que foram abandonados, sendo para o mais recentes, que ainda existe, mas em ruínas, está planeada a reconversão em espaço cultural. Acontece algo assim ao matadouro de Madrid. O de Berlim (que não visitei), ainda está em boa parte abandonado e os de Nova Iorque, ao que li e do que vi, sofreram bastantes alterações, mas são ainda memórias.    

No dia seguinte, formos visitar o museu do Vasa, um barco muito grande que naufragou em 1628 perto de Estocolmo, pouco depois de ter iniciado a sua viagem inaugural. Podemos ver como foi retirado das águas em 1961, após 333 anos sob as águas, como era composta a sua tripulação, como era a vida a bordo, quem foram os seus fabricantes e qual a razão apontada para o naufrágio. É muito curiosa e educativa a referência que dão ao papel das mulheres. A madeira veio de uma proprietária e há vários papéis desempenhados por mulheres no barco.  

Já tinhamos falado disso no passeio do dia anterior, mas o hábito de pintar a madeira das casas tradicionais de vermelho escuro, surgiu com o valor económicos dos desperdícios de minas, nomeadamente das de Falu. Estes desperdícios fervidos com óleo de linhaça dão origem esta tinta aquosa muito característica que é usada em toda a Escandinávia para pintar casas, armazéns e sebes. A manutenção tem de ser feita regularmente, mas isso foi das coisas que mais achei impressionante. O bom gosto e o empenho na criação e adaptação dos espaços e a manutenção permanente de tudo, devem ser excelentes exemplos a seguir. Há ainda outra coisa que me chamou a atenção e já se começa a verificar aqui. Haver uma clara separação entre roupa e equipamento de trabalho e a outra.
Numa casa de campo, no meio de nada, reparei num provável agricultor a mudar de roupa e sapatos que estavam no porta bagagem do seu Volvo, não antes de ter lavado as mãos e botas cuidadosamente. Mas nem tudo o que parece é. A reciclagem é feita muito à custa dos depósitos pagos pelos consumidores que nalguns casos têm valores bastante altos. Assim, é normal ver jovens com grandes sacos de garrafas e latas. Aquilo vale dinheiro! E só aqui é que percebi porque pessoas aparentemente sem necessidade poderiam apanhar latas do caixote do lixo em Nova Iorque. Aquilo valia dinheiro! Seja lá como for, essa forma de organização cria sustentabilidade no sistema e incentivos que não são de desprezar. Por acaso, eu tentei colocar uma garrafa normal de plástico que não tinha esse custo numa máquina e ela “cuspiu-a”. Só me restava encontrar o equivalente de um ecoponto ou colocar no lixo normal.

Em Gotemburgo fomos ao conhecido jardim botânico que tem uma estátua de Lineu. Este cientista correspondeu-se com um italiano, professor em Portugal, no Colégio dos Nobres e depois na Universidade de Coimbra, cridor dos Jardins botânicos da Ajuda e da Universidade de Coimbra, Domenico Vandelli (1835-1816), tendo essas cartas sido publicadas. Este jardim é muito grande com muitos pontos de interesse. Achei muito curioso haver uma entrada para uma floresta virgem onde estava escrito (em sueco) para ter cuidado pois a natureza era imprevisível e podiam cair ramos, etc. Também achei muito interessante muitas das coisas não seguirem canteiros rígidos e serem identificadas mesmo nos passeios.
Visitámos também o jardim das rosas e várias outras coisas. Gotemburgo é também a terra da Astra, farmacêutica que se uniu com a Zeneca, inglesa, e deu origem à Astra-Zeneca. A Suécia a terra da Volvo, da Scania, da Husqvarna, da Alfa-Laval que se uniu à Tetra Pack, da IKEA, da H&M e muitas outras empresas que foram pioneiras como a Ericsson. Foi nesta cidade que reparei que a montra da Zara Home era igual à que tinha visto em  Coimbra, uns dias antes. Já antes tínhamos tido a experiência algo estranha de o IKEA ser quase igual aos que conhecíamos em Portugal. As únicas diferenças de que me lembro eram as bebidas não serem baseadas em copos que se enchiam à discrição e haver alguma dificuldade em encontrar fichas elétricas. Mas os objetos e o catálogo eram iguais, exceto a língua que era diferente.  

Algures, a meio do caminho para que estávamos a fazer para a Noruega, começou a cheira muito a café. Saímos da auto estrada e parámos a nossa viagem. Era uma torrefação onde tomámos um café excelente. Como é óbvio a Suécia não tem plantas de café, mas importa os grãos desta planta e faz a sua torrefação e embalamento. 


Como referi acima, os suecos continuam a ter restrições em relação ao álcool. Só dei conta disso quando num supermercado quis comprar uma garrafa de vinho e só havia vinho sem álcool! Retirar o álcool do vinho mantendo as suas características é ainda um processo complicado pois muitos dos compostos que dão aroma ao vinho são voláteis. Em Portugal já começam a aparecer garrafas de vinho como essas (dizendo 0%), mas ainda não tive tempo para investigar.

Fjallbacka é uma pequena e encantadora terra piscatória muito conhecida pelos livros policiais de Camilla Lackberg. Quem os ler pensará que é muito maior do que é, tal é o nível de criminalidade nesse livros! Nessa terra há também um homenagem a Ingrid Bergman. Ela passava lá muitas vezes pois o seu terceiro marido tinha uma ilha ali perto, e, quando ela morreu, as suas cinzas foram espalhadas lá. Em Fjallbacka, há um festival de pesca de sarda (por vezes confundida com a cavala) muito interessante. É uma aldeia encantadora que vive muito do turismo, mas na sua entrada tem um fábrica de transformação de peixe que não percebi se era de de conservas ou outra.

Em Jonkoping fomos visitar o museu dos fósforos. No século XIX esta indústria exportava para todo o mundo. A história destes objetos tem muitos pontos químicos que vale a pena seguir. No museu fazem encenações de várias coisas, sendo uma delas dos laboratórios. Inicialmente era usado mesmo fósforo para originar a combustão e isso tinha efeitos devastadores nos trabalhadores. Atualmente, ainda há um pouco de fósforo nas lixas, mas nas cabeça só há sulfureto de antimónio, clorato de potássio e um corante, em geral vermelho. Como têm um composto de enxofre, forma-se dióxido de enxofre que tem um cheiro característico. O clorato de potássio fornece oxigénio e facilita a combustão. Já agora, havendo potássio, a chama por ter reflexos de roxo inicialmente, mas  é em geral muito brilhante. Jonkoping é também muito conhecida pela sua “gay parade”.
Quando lá chegámos ainda havia as bandeiras características em todo o lado. Não deixa de ser interessante e uma lição a reter como um país, anteriormente tão conservador e religioso, se esforça ativamente por aceitar e integrar os direitos de todos. Só uma nota pessoal: o único momento em que foram mal-educados comigo foi em Estocolmo na entrada de um autocarro para o qual não tinha bilhete e não sabia como se comprava. A Husqvarna, que começou como uma oficina de motocicletas, é agora muito conhecida pelos seus motosserras, fica perto e tem um museu, mas não fui lá.

No penúltimo dia da viagem, seguimos ao lado do lago Vattern, fomos comer e ver como se faziam os doces de Granna. Estes são feitos, claro, de açúcar, corantes e aromatizantes, mas os espaços em que são feitos são envidraçados para o público poder ver. Neste local, visitei um museu muito pequeno  e interessante que mostrava como se vivia anteriormente. Tinha a encenação de um gabinete de um médico e referia as doenças mais comuns, baseado nas descrições clínicas que deveriam lá estar no gabinete. Estava tudo escrito em sueco, mas com a ajuda do tradutor do telemóvel percebi muitas coisas.
 

Chamou-me a atenção, além das infeções e problemas mais comuns e incomuns (alguns bastante estranhos, como um jovem que se castrou voluntariamente), a sífilis e a tuberculose. Seguimos depois para a praia de Motala. Se a beleza dos lagos já nos tinha impressionado várias vezes, ficámos rendidos à cor dourada da areia e à temperatura e limpidez das águas. A areia é como em todo o lado basicamente sílica, sendo a cor amarela devido a sais de ferro.

Seguimos ao longo do Gotta Kanal, onde a subida e descida é feita à custa de um grande número de eclusas. Foi só aqui que demos conta de seguimos uma das rotas dos gansos do famoso livro de Selma Lagerlöf “Viagem Maravilhosa de Niels através da Suécia”. Para quem não o leu, penso que há duas coisas a referir: é muito bom e interessante e começou por ser uma espécie de guia turístico. Neste podemos “ver” as maravilhas da Suécia que vão das suas paisagens naturais a produções industrias e mineiras. Mas também como vivia o povo no início do século vinte e de como a imigração para a América, devido à pobreza e fome, era importante.  Parámos junto a uma eclusa, onde vimos como funcionava. Chamou-me também a atenção, o cultivo mecanizado de linho num campo próximo (sei que era linho pois fui lá ver).

Não posso acabar esta nota sem referir Alfred Nobel e o prémio com o seu nome. A trinitroglicerina é um composto explosivo muito instável e Nobel procurou formas de a estabilizar para poder usar de forma mais segura, nomeadamente nas minas. Conseguiu-o, absorvendo-a num conjunto de materiais, ficando o resultado conhecido como “dinamite”. Com isso ficou bastante rico e quando morreu doou a sua fortuna para que se atribuísse o prémio. Trata-se de um prémio para realizações “ao serviço da humanidade” não havendo prémio para biologia ou matemática, mas apenas para Química, Física, Medicina, Literatura e Paz. Inicialmente não havia prémio de Economia, mas foi criado nos anos sessenta. 

Em Copenhaga com Ørstead, com a Carlsberg, com Legos e muito mais

Hoje vamos passear em Copenhaga, na Dinamarca. As fotografias são de 2019, mas fiz para este trabalho alguma investigação online mais recente.

Trata-se de uma cidade muito grande cheia de pontos de interesse químicos. Para começar, é de referir que a cerveja Calrsberg e o cientista dinamarquês Ørstead estão relacionados. Um dos primeiros donos da famosa destilaria foi aluno de Ørstead e criou um instituto (que ainda hoje existe) para realizar pesquisas cientificas. Ficou tão fascinado com o conhecimento científico que criou o “Instituto Carlsberg”.

 Alguns dos objetos mais emblemáticos que encontramos em Copenhaga foram oferecidos pelos donos da Carlsberg. Por exemplo, a estátua da pequena sereia ou as obras de arte do Gliptoteca Ny Carslberg. Neste museu, perto do famoso parque Tivoli, chamou-me a atenção as coleções de estátuas de mármore e as estátuas romanas. Sabe-se que essas estátuas romanas eram pintadas e neste museu fizeram uma réplica do que se esperaria, o que achei francamente bastante interessante.

Em frente à estátua da pequena sereia, veem-se as chaminés da Hofor, a empresa de energia e as instalações da Biofos, uma empresa que trata o lixo e os esgotos. As duas juntaram-se para fazerem projetos comuns que envolvem a sustentabilidade, usando lixos para produzir energia, entre muitos outros projetos que estão em desenvolvimento. Um bom exemplo na minha opinião. Não fomos a esse lado, embora tenhamos ido a lugares perto, que se podem considerar pós-industriais, para comer o que eles chamavam “street food”. Entretanto, uma rápida vista de olhos no “street view” mostra zonas mais desarrumadas, com lixo e pouco estéticas que normalmente os turistas não veem. Isso acontece em todo mundo não vale a pena endeusar uns e diabolizar os outros.

Na sede da Calrsberg, que estava em obras quando lá fui, podemos encontrar a porta dos elefantes e a chaminé torcida que um dos donos da Carlsberg achava um símbolo da beleza da ciência. Entretanto, foi no Instituto Calrsberg que criaram as principais estirpes de leveduras ainda hoje usadas. Fazer cerveja é um processo muito complexo que pode correr mal de muitas maneiras (mesmo muitas). Não é como o vinho que pode ser muito mais fácil. Também se pode fazer mau vinho, claro, mas o pior que pode acontecer é ficar um vinagre. Na cerveja, desde os maus cheiros a poder ficar completamente imprestável, quase tudo é possível. 


Em várias notas falei da produção de cerveja e não queria repetir-me. É preciso água e cevada fermentada de onde se obtém o álcool. O lúpulo é uma planta bastante comum (muitas vezes usado sob a forma de um prensado comercial) é usado para dar sabor amargo e, antigamente, para aumentar o período de conservação, origina muitos tipos de cerveja, nomeadamente as IPA. Nesse aspeto a Carlsberg tem sido muito conservadora, mudando muito pouco. Procurou inovar na utilização de corantes verdes mais sustentáveis quando passou a usar garrafas de plástico. Entretanto, generalizou-se a diabolização do plástico e parece que voltaram ao vidro e ao metal. Não investiguei ainda com mais profundidade, mas o resultado parece algo incongruente.     


Visitei Copenhaga antes da pandemia e os parques estavam cheios. Num dos parques há uma estátua de Ørstead. Este era um cientista completo. Era o que se chamava na altura um filósofo natural e encontram-se algumas semelhanças entre ele e Michael Faraday. Por razões religiosas, ou outras, era o que chamaríamos hoje em dia “boa pessoa”, mas é também um homem das “duas culturas”. Está muito ligado à Física, mas fez algumas descobertas ditas químicas. Terá sido ele o primeiro a descobrir o elemento alumínio, mas aceitou que Wholer reinvindicasse essa descoberta.

A Dinamarca é também muito conhecida pelos brinquedos conhecidos como “Lego” feitos de plástico, o ABS (acrilonitrilo-batadieno-estireno), muito resistente e com pigmentos muito coloridos. O plástico e os pigmentos continuam a ser alvo de muita investigação, nomeadamente na “Lego”.

Este país é também conhecido pela sua expansão marítima (a Gronelândia, embora tenha bastante autonomia, ainda está sob a sua jurisdição). O museu militar de Copenhaga, perto do conhecido “Diamante Negro”, que integra a antiga biblioteca nacional vale a pena ser visitado por isso. Com tempo poderemos também visitar a biblioteca antiga.

Copenhaga, e toda a Dinamarca que conheci, é o reino das bicicletas. Há também uma alegria de viver que se sente, além de um orgulho em ser dinamarquês, e isso tem muita química. Têm orgulho no seu parlamento, nas suas coligações e nos seus governos. E têm orgulho em terem parlamentares e governantes mulheres há muito tempo. O parlamento é visitável gratuitamente e eles, embora tenham algumas criticas em relação aos que os procuram para aproveitar do que têm para oferecer gratuitamente, continuam a ser relativamente abertos e confiantes. A chave do seu sucesso costuma ser apontada como sendo a confiança.

Os restaurantes da Dinamarca são famosos, havendo uma grande concentração de estrelas Michelin. E eles cultivam muito esse aspeto da sua cultura. Quando lá estive, havia grande promoção dos alimentos biológicos e sustentáveis. Fui a uma loja de café e chocolate, tudo sustentável, diziam eles. Caríssimo, claro. O que achei curioso foi a rigidez. Quando pedi açúcar para o café a empregada demorou a perceber e quando percebeu demorou muito tempo a trazer um copinho com açúcar. Talvez o café fique melhor sem açúcar, mas é uma combinação interessante de uma coisa muito amarga (o café) com uma coisa doce (o açúcar). Senti algo parecido no café do “Diamante Negro”. 

Perto de Copenhaga fica o Museu de arte moderna Louisiana, o qual deve ao seu nome à mulher do criador do Museu. Na altura que o visitei, estavam patentes além das exposições permanentes, uma de Pipilotti Rist entre muitas outras. Vivíamos tempos anteriores à pandemia e, em salas apinhadas, havia um grande número de conferências. Se não estou em erro, esteva lá nessa altura Michel Houellebecq que apresentou o seu livro “Serotonina”. É um autor amado e odiado que tem formação na área científica, na área da agricultura concretamente, e de que os personagens têm vidas em volta da ciência e da tecnologia. Do Museu de Louisiana, mostro uma instalação com próteses. Um dos flagelos de África são as guerras e os campos minados que continuam a ser perigosos depois do fim das guerras. É infelizmente demasiado comum crianças perderem pernas a ir buscar água, pois a água canalizada, e muito menos tratada, ainda não chegou a muitos pontos do globo. A qualidade de vida, assim como a escolaridade e a igualdade de género, nesses lugares, tem aumentado, mas não tanto como desejaríamos.

Viemos para Copenhaga da Suécia, pelo ferry que se liga a Elsinore e voltámos para a Suécia pelo túnel e ponte que liga os dois países. Em breve escreverei sobre a Suécia. 

Captação de água e canalização desta para consumo humano

[no âmbito da realização de um estágio Ciência Viva fui visitar a central de captação de água da Boavista]

A água consumida em Coimbra é captada na Boavista a cerca de vinte metros de profundidade. Esta água é filtrada pela areia e é já muito boa. Por isso não precisaria de correções, mas, no entanto, é aumentada a sua acidez arejando-a com dióxido de carbono. Daqui segue para vários concelhos, onde é distribuída por empresas municipais.

Perceber a acidez da água é simples. Na ausência quase total de dióxido de carbono e na presença de algum bicarbonato de sódio (nome popular do hidrogenocarbonato de sódio) temos águas básicas como a de Monchique que atinge muitas vezes 9.5 de pH. Podemos atingir valores de acidez ainda mais baixos (ou de basicidade ainda mais altos). Em Cabeço de Vide, no Alentejo, podemos encontrar águas com pH de cerca de 11.5 unidades [corrigi um lapso] 

Entretanto podemos ter bastante sílica, na verdade silicatos, nas águas. A descrição das rochas com estes iões é bastante enganadoras para um químico. Elas são ditas “rochas ácidas” em geologia, mas continuam a ser básicas, em termos químicos, são é menos básicas do que as outras [1]. Assim, uma água com muitos silicatos e praticamente nenhum bicarbonato pode ainda ser básica, mas se tiver muito dióxido de carbono dissolvido, será ácida. Quando ainda não havia esta quase loucura com as águas básicas, havia uma água que fazia questão colocar em vermelho que o seu pH era de 4.5. Agora já não fazem essa publicidade, mas vê-se no seu rótulo que o pH que lá está é 5. Eu beberia de qualquer destas águas. A única questão é algumas das águas poderem ser muito mineralizadas e isso ser prejudicial.

Há algum tempo atrás algumas águas faziam a publicidade de serem radioativas. Uma eram realmente, mas em quantidades que não seriam preocupantes, mas outras pensamos que era só para serem mais apelativas. Publicidade enganosa antiga.

O cloro, numa concentração que não conseguimos detetar, é juntado mais tarde não para corrigir a água mas para manter a proteção desta ao longo da rede. Na rede podem existir contaminações e para evitar que a água fique com bactérias usa-se esse cloro. Ainda não foi descoberta outra forma de proteger a água ao longo das redes, mas com um controlo e higiene rigorosos, essa adição pode ser muito minimizada. Neste momento, em muitos municípios, toda a rede é monitorizada regularmente assim como os contadores individuais, minimizando as perdas. Muitas vezes, um momentâneo sabor a “lixívia” é devido a uma rotura próxima que é assim tratada para evitar a contaminação. É preciso também não esquecer que os episódios da bactéria Legionela são muitas vezes devidos à falta se desinfeção de sistemas antigos.

Não falei neste pequeno apontamento do saneamento e das águas pluviais. Não falarei aqui desse aspeto, apenas lembrar que muito do que é feito é conduzir a natureza para agir de forma mais rápida, nomeadamente tratando a água que vem das nossas sanitas. E que muitas vezes nem damos valor a coisas tão simples como a água canalizada e tratada e ao saneamento básico. Mas estas duas coisas evitam muitas doenças.   

[1] W. A. Deer,  R. A. Howie, J. Zussman, Minerais constituintes das rochas. Uma introdução, 3ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.    

Ver química na costa no Caminho de Santiago [See chemistry on the coast on the Camino de Santiago]

Já há duas entradas nestes percursos com a química que se pode encontrar junto ao mar e nas praias (outra aqui). Nesta, vamos referir a química que pode pode encontrar no Caminho Português de Santiago que passa junto à costa.

Há várias razões pelas quais as pessoas fazem os caminhos de Santiago, a começar pela mais óbvia, que é a religiosa, mas também são evocadas razões turísticas. Neste percurso iremos referir apenas os aspetos químicos, tentando não repetir aqueles que já foram evocados.(Há outro percurso com base no caminho de Santiago.)

O caminho Português de Santiago tem várias variantes junto à costa, começando com a cidade de Lisboa. Mais adiante passa junto a Vila do Conde, Póvoa do Varzim, A-ver-o-mar, Apúlia, Esposende, Viana do Castelo, Vila Praia de Âncora, Moledo e Caminha. Nestas praias podemos observar as dunas, a cor da areia e do mar. Em Portugal continental as areias costumam ser douradas devido à presença de sais de ferro na areia, a qual é essencialmente sílica. Noutras paragens falámos da cor da areia molhada e da espuma do mar, mas faltou referir que nalgumas praias tropicais as areias são muito brancas devido mesmo essa falta de iões de ferro. Não referi também a cor do mar. Essa questão é muito mais complexa pois a água absorve ligeiramente no vermelho, portanto é naturalmente azul, mas acredita-se que a cor azul vem essencialmente da reflexão da cor do céu. Por isso o mar fica, em geral, cinzento quando o céu também fica. Mas há mais subtilezas. Na ausência de vegetação no fundo do mar, sendo as areias brancas, as águas parecem mais azuis. É paradoxal que a suposta beleza destas praias resulte da sua pobreza. Por outro lado, sendo as areias amarelas e havendo vegetação no fundo, as águas têm várias cores possíveis, do azul ao verde profundo.      

Em Moledo recolhem-se algas castanhas das quais se podem extrair muitos compostos químicos. Atualmente, continuam a obter-se os elementos bromo e iodo das algas. Antigamente, obtinha-se destas os brometos que foram usados como calmantes, antes dos atuais. Além de não serem muito eficazes, apresentavam vários efeitos secundários que hoje em dia não seriam aceitáveis. O mar é rico em cloretos, brometos e iodetos e, de uma forma geral, nos iões mais solúveis. A solução deve ser neutra e, por isso, tem de ter também iões positivos. No caso dos iões positivos é de destacar o sódio e o potássio. Os aerossóis marítimos são muito ricos em cloretos que aceleram as reações de oxidação pois os cloretos formam complexos muito solúveis com o ferro. Nestes aerossóis há também moléculas que promovem o cheiro a mar. Junto ao mar encontramos esse cheiro bem conhecido, mas há também plantas com odores muito característicos.

A indústria dos perfumes, obtém alguns destes odores mas cria novos usando métodos de síntese orgânica racional que procura patentar (os novos compostos) para tornar os seus odores únicos. Inspirados pela Natureza, mas inventados.   

Do lado da Galiza, o Caminho de Santiago passa por A Guarda, Portocelo, Oia, As Marinhas, Baiona e Vigo. Em Baiona podemos visitar uma réplica da caravela “Pinta”, usada por Cristóvão Colombo na descoberta do caminho marítimo para a América. Nesta caravela podemos encontrar alguns dos produtos que Colombo trouxe da América. Estes conduzem-nos a novas e velhas moléculas e novos processos. Uma das moléculas mais emblemáticas é a capsaicina que se extrai dos pimentos. Curiosamente, os pimentos de Padrón ("uns picam outros non" dizem lá) só apareceram aqui com a descoberta da América.

Daqui o caminho segue para Vigo, seguido de Redondela, onde se junta ao caminho tradicional. Em Vigo podemos visitar no Museu do Mar uma salina romana de evaporação. As salinas de evaporação ainda hoje são usadas. A água salgada fica em grandes tanques onde as concentrações são aumentadas por evaporação, originando a precipitação dos sais. Primeiro precipitam os menos solúveis, os hidróxidos de ferro, por exemplo. Em seguida, a água é conduzida por outros tanques onde por aumento da concentração precipitam os sais de cálcio, nomeadamente de carbonato e de sulfato. Finalmente, adquirem grandes concentrações os sais mais solúveis de cloreto de sódio. Estes precipitam quando a sua concentração atinge cerca de 37%. O sal comum envolve vários sais, sendo que o cloreto de sódio está em maior quantidade. Mas há também bastante água no sal comum. Para extrair essa água e obter sais mais puros faz-se a refinação deste. Pode também adicionar-se iodo pois muitas populações têm uma alimentação pobre em iodo.      

Em As Mariñas poderíamos encontrar o viveiro de Ensuiña (agora do grupo Pescanova). Depois há um farol no Monte Silleiro. Nos faróis mais antigos a presença de grandes quantidades de mercúrio é muito comum. Era sobre este que rodavam os pesadas aparelhos usados nos faróis. Como o mercúrio é considerando muito tóxico, este deve estar selado e ser monitorizada sua presença no ar.

Atualmente, os faróis ainda têm as suas funções, mas estas têm sido substituídas pelo GPS e a navegação por satélites. Os faróis têm características únicas que faz com que sejam facilmente identificados (podem ser brancos ou vermelhos, ser de ocultação ou de relâmpago, sendo estes repetidos a diferentes tempos, característicos do farol).   

Nesta paragem podemos encontrar a estação de águas residuais (EDAR) de Baiona, também conhecida por estação de filtragem. Este último nome remete-nos para uma questão importante: o tratamento de águas faz muito mais rápido o que era feito pela própria Natureza.

O pH dos oceanos tem vindo a diminuir em termos médios devido ao aumento de dióxido de carbono na atmosfera. Isso provoca um constrangimento extra nos animais marinhos que necessitam deste para obter as suas conchas, e às barreiras de coral. Também, o aumento médio da temperatura, provoca o aumento médio do nível das águas, entre outros problemas, mas qualquer uma destas questões é muito mais complexa do que parece. Muitos destes problemas estão contemplados em objetivos do desenvolvimento das Nações Unidas.

Para medir o pH da água do mar podem ser usados aparelhos ou indicadores. A fenolftaleína seria excelente por ser incolor e passar a cor-de-rosa a cerca de pH 8.0, mas apresenta alguns problemas, pois é, em geral, uma solução alcoólica, e o ião cálcio, muito presente na água do mar, é muito pouco solúvel em álcool e portanto a solução fica branca com a precipitação do carbonato de cálcio, não  se vendo bem o cor-de-rosa. Mas se se usar indicador de couve roxa, a água passa a azul, sem que ocorra precipitação.

 

[automatic transalation verified] 

See chemistry on the coast on the Camino de Santiago

There are already two entries in these routes with the chemistry that can be found at the sea and on the beaches (other here). In this one, we will refer to the chemistry that you can find on the Portuguese Way to Santiago that passes along the coast. (Other chemical trail based on Camino de Santiago).

There are several reasons why people take the Camino de Santiago, starting with the most obvious one, which is religious, but also touristic reasons are evoked. In this journey we will only refer to the chemical aspects, trying not to repeat those that have already been mentioned.

The Portuguese way to Santiago has several variants along the coast, starting with the city of Lisbon. Further along, it passes by Vila do Conde, Póvoa do Varzim, A-ver-o-sea, Apulia, Esposende, Viana do Castelo, Vila Praia de Âncora, Moledo, and Caminha. On these beaches, we can observe the dunes, the color of the sand, and the sea. In continental Portugal, the sands are usually golden due to the presence of iron salts in the sand, which is essentially silica. In other places, we talked about the color of the wet sand and the foam of the sea, but it was missing to mention that in some tropical beaches the sands are very white due to this lack of iron ions. I didn't mention the color of the sea either. This issue is much more complex as water absorbs slightly in red, so it is naturally blue, but the blue color is believed to essentially come from the reflection of the color of the sky. That's why the sea is generally gray when the sky is too. But there are more subtleties. In the absence of vegetation at the bottom of the sea, the sand being white, the waters seem bluer. Paradoxically, the supposed beauty of these beaches results from their poverty. On the other hand, as the sands are yellow and there is vegetation at the bottom, the waters have several possible colors, from blue to deep green.

In Moledo brown algae are collected from which many chemical compounds can be extracted. Currently, the elements bromine and iodine from algae continue to be used. In the past, bromides were obtained from these, which were used as tranquilizers, before the current ones. In addition to not being very effective, they had several side effects that today would not be acceptable. The sea is rich in chlorides, bromides, and iodides and generally in the most soluble ions. The solution must be neutral and therefore also have positive ions. In the case of positive ions, sodium and potassium stand out. Marine aerosols are very rich in chlorides which accelerate oxidation reactions as chlorides form very soluble complexes with iron. In these aerosols, some molecules promote the smell of the sea. By the sea, we find this characteristic smell, but there are also plants with very characteristic odors.

The perfume industry obtains some of these odors and creates new ones using rational organic synthesis methods that it seeks to patent (the new compounds) to make its odors unique. Inspired by Nature, but invented.

On the Galician side, the road to Santiago passes through A Guarda, Portocelo, Oia, As Marinhas, Baiona and Vigo. In Baiona we can visit a replica of the “Pinta” caravel, used by Christopher Columbus in the discovery of the maritime route to America. In this caravel, we can find some of the products that Columbus brought from America. These lead us to new and old molecules and new processes. One of the most emblematic molecules is capsaicin, which is extracted from peppers. Interestingly, Padrón peppers (some sting others not) only appeared here with the discovery of America.


From here the path goes to Vigo, followed by Redondela, where it joins the traditional path. In Vigo, we can visit a Roman evaporation salt at the Museum of the Sea. Evaporation salt pans are still used today. Saltwater stays in large tanks where concentrations are increased by evaporation, causing the precipitation of salts. First, the less soluble ones, iron hydroxides, for example, precipitate. Then, the water is conducted by other tanks where, by increasing the concentration, calcium salts, namely sulfate carbonate, precipitate. Finally, the more soluble salts of sodium chloride acquire large concentrations. These precipitate when their concentration reaches about 37%. Common salt involves several salts, with sodium chloride being in greater quantity. But there is also water in common salt. To extract this water and obtain purer salts, it is refined. Iodine can also be added as many populations have a poor diet in iodine.

In As Mariñas we could find the Ensuiña nursery (now of the Pescanova group). Then there is a lighthouse on Monte Silleiro. In older lighthouses, the presence of large amounts of mercury is very common. It was on this that the heavy devices used in headlights run. As mercury is considered to be very toxic, it must now be sealed and its presence in the air monitored.

Today, lighthouses still have their function, but these have been replaced by GPS and satellite navigation. The headlamps have unique characteristics that make them easily identifiable (they can be white or red, be it blinding or lightning, which is repeated at different times characteristic of the lighthouse).

At this stop, we can find the wastewater station (EDAR) of Baiona, also known as the filtration station. This last name brings us to an important question: water treatment does much faster than what was done by nature itself.

The pH of the oceans has been decreasing in average terms due to the increase of carbon dioxide in the atmosphere. This causes an extra constraint on marine animals that need it to get their shells and on coral barriers. Also, the average increase in temperature causes the average increase in water levels, among other problems, but any of these issues are much more complex than it seems. Many of these problems are addressed in United Nations development goals.

To measure the pH of seawater, devices or indicators can be used. Phenolphthalein would be excellent as it is colorless and turns pink at about pH 8.0, but it has some problems as it is generally an alcoholic solution and the calcium ion, very present in seawater, is very poorly soluble in alcohol and therefore the solution turns white with the precipitation of calcium carbonate, the pink color not being seen well. But if you use the red cabbage indicator, the water turns blue, without precipitation.

 

Passeio químico à procura das pilhas e acumuladores

Toda a gente conhece e usa pilhas e acumuladores. Estão nos antigos rádios e nos velhos e novos brinquedos, nos carros clássicos de combustão interna ou nos carros eléctricos, nos telemóveis, nos computadores e tablets, nas sondas e carros usados na exploração espacial e nos satélites. Estão num sem número de coisas, desde os nossos bolsos ao espaço. Os nomes “pilha” e “bateria” vêm da imagem de coisas, umas em cima das outras (pilhas), ou em filas e conjuntos (baterias). Estes equipamenentos transformam a energia química que está acumulada nos seus compostos em energia eléctrica. Antigamente, para aplicações caseiras, só tinhamos as pilhas de zinco que podem ser explicadas pelas reações químicas1

Zn(s) + 2Cl(aq) → ZnCl2(s)+ 2e
2MnO2(s)+ 2NH4Cl(aq) + H2O(l)+ 2e → Mn2O3(s) + 2NH4OH(aq)+ 2Cl(aq)

ficando

Zn(s) + 2NH4Cl(aq)+ H2O(l)+ 2MnO2(s) → Mn2O3(s)+ 2NH4OH(aq) + ZnCl2(aq)

As pilhas antigas quando rebentavam cheiravam a peixe devido ao ião amónio NH4+. Entretanto, se se usar como electrólito o próprio ZnCl2 teremos (e não vou colocar estados físicos)  

2MnO2 + ZnCl2 + H2O + 2e → Mn2O2 + Zn(OH)2 + 2Cl 

Assim, vemos que outras pilhas antigas quando rebentam têm resíduos brancos de hidróxido de zinco

 
Zn + H2O + 2MnO2 → Mn2O3 + Zn(OH)2
 

Por outro lado, as baterias alcalinas podem ser  

Zn + 2K(OH) → 2K+ + ZnO + H2O + 2e 2MnO2 + H2O + 2e → Mn2O3 + 2OH  

ficando  

Zn + 2MnO2 → ZnO + Mn2O3 

Tanto as pilhas ácidas como as pilhas alcalinas só descarregam a sua energia e devem ser recolhidas e recicladas. As baterias dos carros são de chumbo e são recarregáveis  

PbO2 + 4H+ +SO42− + 2e → 2H2O + PbSO4  

Pb +SO42− → 2e + PbSO4 

ficando 

PbO2 + Pb + 4H+ +2SO42− → 2H2O + 2PbSO4  

Estas pilhas descarregam em sentido directo e carregam em sentido inverso. Nos carros o dinâmo faz esse papel, mas as baterias não são eternas e tẽm de ser substituídas. A reciclagem é mesmo obrigatória pois o chumbo é um metal pesado. 

As baterias de níquel-cádmio podem também ser recarregáveis 

2NiO(OH) + 2H2O + 2e → 2OH- + 2Ni(OH)2 

Cd + 2OH → + 2e + Cd(OH)2 

ficando 

2NiO(OH) + 2H2O + Cd → Cd(OH)2 + 2Ni(OH)2  

Mais uma vez a reciclagem é obrigatória pois o níquel e o cádmio são tóxicos. 

 

As bateiria de ião de lítio usadas nos telemóveis seguem as equações 

LiC → e + Li+ + C 

CoO2 + Li+ + e → LiCoO2 

ficando LiC+ CoO2 → C+ LiCoO2 

Não sendo o cobalto e o lítio tão tóxicos poder-se-ia pensar que não era tão necessário reciclar. Sim, é preciso mesmo, não só por ser ambientalmente muito melhor, mas porque estes materiais são limitados. 

Há muitas outras pilhas. Uma curiosidade que vi recentemente são as pilhas de lítio cloreto de tionilo que não sendo recarregáveis aguentam muito tempo. Estas seguem as esquações,

Li → Li+ + e  

2SOC12 + 4e → 4Cl+ SO2 + S 

ficando 

4Li + 2SOC12 → 4LiCl+ SO2 + S

 

 1 Não faz sentido recear as equações químicas ou achar que estas não são interessantes. A representação simbólica das reações químicas é algo que se aprende (ou devia aprender) no ensino básico e tem muita informação química. Desde logo os elementos envolvidos. Temos o zinco (Zn), o lítio (Li), o cobalto (Co) entre outros.  Estes elementos estão representados na conhecida tabela periódica. Depois a representação das moleculas e das quantidades e os estados físicos. Por exemplo 2NH4Cl(aq) significa duas unidades estuturais de cloreto de amónio NH4Cl) o qual é constutuido por um nitrogénio (N), um cloro (Cl) e quatro hidrogénios (H), em meio aquoso. O lado esquerdo da seta indica os reagentes e o lado direito os produtos. Obviamente a massa e as quantidades têm de se conservar. Daí acertar-se a equação. O que é menos conhecido é que não podendo acertar uma equação estamos na presença de um processo que não existe e se houver várias maneiras de acertar uma equação (e não me refiro à simples multiplicação por um númnero), esta reação tem várias possibilidades de ocorrer. As equações químicas podem ser somas de outras equações (foi isso que fiz em alguns casos) e conservar-se não só a massa como a carga. Não receie as equações químicas. Perceba-as e use-as!     

Acção de Formação de professores dia 30 de março de 2021

Os passeios químicos em Coimbra estão também disponíveis para uma aplicação de smartphone, o Geotourist, inseridos por Mário Gomes no âmbito do seu trabalho de estágio “Da escola à universidade… um percurso químico”. Muitas outras informações podem ser obtidas em posts mais antigos.

No dia 30 de março das 15:45 até cerca das 17:15, numa Ação de Formação de professores, falámos sobre aulas de química no exterior.  Um mapa aproximado do passeio pode ser encontrado acima e aqui. Irei entretanto colocar vídeos, fotografias e textos específicos. Por agora farei uma visão geral do percurso seguido.

Estava planeado terminar na Porta Férrea, local emblemático de Coimbra, onde se pode ensinar corrosão e degradação das rochas, entre outras matérias. Nos Arcos do Jardim fizemos algo parecido e poderemos complementar e reforçar informações.

Vale a pena referir, como noutras ocasiões, que poderemos usar cadernos de micas, fazer projecções (ao cair da noite), ou usar outras aplicações de smartphone, nomeadamente para avaliação.

A cor vermelha de uma camélia fica mais ténue quando extraída em álcool (vimos isto muito rapidamente). Na presença de ácido, este caso ácido clorídico, ficará mais vermelha e fica verde na presença de uma base como o amoníaco (neste passeio não se viu bem pois as soluções estavam muito diluídas). Na presença de solução de sais de alumínio fica mais escuro com tonalidade roxa (isto viu-se bem).  Falei da água canalizada que tomamos como garantida e da água engarrafada. Mais à frente voltámos a este tema.

Falei de recilagem dos plásticos, vidros e papéis, e de novos materiais, junto a um ecoporto e das questões ambientais levantadas pelas roupas e moda, que são actualmente a segunda maior causa de poluição no planeta. Os participantes no congresso tiveram oportunidade de ver como os investigadores estão a procurar resolver as questões da sustentabilidade, poluição e materiais.

 Vimos que uma água básica na presença de fenolftaleína fica carmim. Vimos que o papel de escrita e reciclado fluorescem (emissão permitida e muito rápida) em azul com luz ultravioleta. Referi que os guadanapos de celulose quase pura não fluorescem, embora não o tenha mostrado. Vimos alguns outros exemplos de fluorescência e de fosforescência (emissão proibida, sem contar com os efeitos relativístícos) e por isso lenta. Mostrei um sinal fosforescente de saída e como este poderia ser "escrito" com UV. Mostrei vários materiaos fluorescentes com o UV.  

No Jardim da Sereia vimos muitos acantos (Acanthus mollis) ainda sem flor. Esta planta tem sido estudada aqui na Universidade de Coimbra devido aos seus usos medicinais, mas actualmente cerca de metade dos medicamentos não são bioinspiriados mas descobertos de outras formas. É muito curioso esse aspecto porque no que concerne a algumas coisas, como os medicamentos e a sustentabilidade, as pessoas que se dedicam à química são fantásticas, aumentando a natureza, mas noutras como alguns materiais a inspiração natureza é fundamental (poderíamos referir o velcro e muitos outros materiais). O mundo é muito complexo e há lugar para tudo.

Contei a história da penicilina natural e semi-sintética (com modelos moleculares), a qual ainda não foi escrita nestes passeios, mas acompanha-nos no nosso dia-dia. Poderia ter falado sobre as várias fases da descoberta dos medicamentos, onde a Quimica Computacional tem também um papel importante. Referi a questão de os medicamentos actuais serem mais de metade descobertos de forma racional sem referença biológica. Referi e mostrei o Capotril, um medicamento inspirado no veneno de uma cobra. Neste local referi as moléculas naturais que são de obtidas de forma artificial de forma mais sustentável. Uma delas é o indigo, usado na calças de ganga e do púrpura de Tiro. Mostrei (com modelos moleculares) que as diferenças entre as duas moléculas são os bromos. Mostrei o búzio de onde se extraía o purpura de Tiro, que quase se extinguiu no Mediterrâneo, mas é hoje obtido em aquicultura (os exemplares que eu tenho vieram de um supermercado). A celidónio maior é uma planta muito comum com uma seiva amarela que lhes ia mostar, mas acabei por não o fazer. Fica par outra vez.

Passámos junto a um edifício onde fazem “Perícias Forenses” e onde pensava evocar o curso de mestrado de química forense. Vimos a casa onde viveu Egas Moniz em Coimbra. Sobre ele falei bastante, mas fica para outra ocasião dar conta disso. Vimos os telhados e paredes de zinco, as águas furtadas de cobre e os isolamentos de alumínio. Vimos também as estalactites do aqueduto de São Sebastião. 

Nas Escadas Monumentais, embora tenham cortaram as ervas, mas já cresceram as cicutas (Conium maculatum), de cujo o chá mortal bebeu o filósofo Sócrates.

O tempo estava a esgotar-se. Referi ainda o ar condicionado, mas já não tive tempo para discutir as várias soluções existentes e a regulação rigorosa dos compostos químicos (o REACH é uma base de dados muito importante). Deveríamos passar pelo Museu Machado de Castro que tem várias pinturas a ver. Já antes tinha chamado a atenção para o gesso que podemos encontrar nos monumentos, devido ao dióxido de enxofre, e dos efeitos do carbono que se inscrusta nos monumentos. Vimos ainda o Laboratório Químico, lugar histórico da química em Portugal, agora Museu da Ciência da Universidade de Coimbra. Não tive tempo de falar dos brancos de chumbo e de titânio e dos vidros antigos. Fica para o próximo passeio (ou aula).

Passeio químico entre os electrodomésticos

O que queima um fogão a gás? O que é um redutor? Como funciona um frigorífico? Estas perguntas podem (e devem) ocorrer quando vamos a uma loja de electrodomésticos. Não são objectos mágicos, têm ciência envolvida, em particular de química. Hoje vou só falar dos frigoríficos.  
 
Um frigorífico é uma máquina que extrai calor de um local mais frio para um local mais quente. Para isso precisa de energia, claro. E para este processo, usa um fluido. Se repararem com atenção, além do isolamento e de outras coisas, num frigorífico temos muitos canos onde o fluido se expande, absorvendo a energia, indo em seguida para um motor onde é comprimido, gastando energia e aquecendo. Este processo repete-se até se obter a temperatura pretendida no interior. Vemos assim que há uma coisa que não devemos fazer e outra que não serve para nada em termos médios. Abrir o frigorífico muitas vezes, diminui o isolamento e obriga-o a trabalhar mais. Deixar a porta aberta pode arrefecer localmente, momentaneamente, a médio e longo prazo, não serve para nada e só contribui para maior aquecimento do local.

A popularização da refrigeração foi fundamental para a qualidade de vida e diminuição da mortalidade infantil e de outras doenças. Os mais velhos ainda se lembram das salgadeiras e dos fumeiros, que agora podem ser substituídos pelas arcas frigoríficas. Para isso concorreu a descoberta por Thomas Midgley, nos anos 1930, de que os cloflurocarbonos (CFC) eram ideias. Não eram tóxicos, nem inflamáveis, e eram baratos. Infelizmente, descobriu-se nos anos 1970 que estes reagiam com o ozono da estratosfera. E, mais tarde, descobriu-se também que os substitutos contribuíam para o aquecimento global. Isso gerou ainda mais investigação.

Os cientistas e construtores passaram a ter uma equação mais complexa. Além eficiência energética, da toxicidade, e da inflamabilidade, é necessário contar com os potenciais de depleção da camada de ozono e contribuição para o aquecimento global. Surgiram assim várias formas de classificação, além das anteriores. Os A1, A2, e A3, referem-se à inflamabilidade, enquanto os B1, B2 e B3, à toxicidade. Se for um CFC aprovado (com pouco potencial para depletar o ozono, por exemplo, o triclorofluorometano, CCl3F, ou R-11, usando a nomenclatura da ASHRAE, American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers) será A1. Se for um substituto mais tóxico, mas pouco inflamável, como o diclofluorometano (CHCl2F, ou R-21) será B1. Se for o pentano (CH3CH2CH2CH2CH3, ou R-601) será A3, e aí por diante.

Perguntam-se os alunos muitas vezes porque aprendem química na escola. Pois é, para muitas coisas, até para comprar um frigorífico e perceber o que o vendedor está a dizer e o que está escrito no manual. Mas também para contruir frigoríficos mais sustentáveis e ambientalmente mais seguros. 

A química na região de Alenquer

[Dei uma palestra online para os alunos da Escola Damião de Góis em Alenquer e há cerca de um ano estive lá e fiz algumas fotografias. Assim, aproveitei para fazer um passeio químico nesta região]

Alenquer é uma das muitas localidades presépio de Portugal. Mas é das mais antigas, se não me engano. É lá que se situa o túmulo de Damião de Góis e o museu da vítimas da inquisição entre outros pontos de interesses. Tudo tem química, claro, mas para evitar repetir-me vou falar essencialmente de centrais de combustíveis lá perto e da fábrica de têxteis.  

Na saída da autoestrada, no Carregado, a cerca de quatro quilómetros de Alenquer, fica a conhecida central termoeléctrica. Afinal são duas: a Central do Carregado e a Central do Ribatejo. A central termoeléctrica do Carregado funcionou de 1968 a 2012 e usava fuelóleo, consumindo 28 toneladas por hora todo o dia a 125 megawatts (MW) em cada um dos seus seis grupos. Passou a gás natural em 1997 e contruíram, mesmo ao lado uma nova central, a do Ribatejo, que usa também gás natural.

Trata-se de uma central de ciclo combinado (usa o gás natural e vapor de água). É mais eficiente do que a anterior, tendo taxas de rendimento da ordem dos 50% enquanto a antiga central tinha à volta dos 35%. Cada um dos três grupo da nova central produz 400MW (240MW a gás e 160MW a vapor) [1].

Poderão achar muito baixo o rendimento, mas os carros de combustão interna têm rendimentos muito inferiores, enquanto que as máquinas a vapor do século XIX tinham rendimentos ainda menores. Como é que podemos melhorar? Aumentando a eficiência (já se chegou aos 60% em turbina de ciclo combinado), usando combustíveis mais sustentáveis e, claro, mudando de métodos para converter a energia para a forma que nos interessa. Nesta central, têm ainda um projecto piloto de produção, armazenento e uso de hidrogénio com vista à descarbonização [2,3]. Neste caso, a reação fundamental é a combustão do hidrogénio,, havendo apenas produção de água.
A cerca de vinte quilómetros de Alenquer fica o parque industrial de Aveiras que tem a CLC (Companhia Logística de Combustíveis), criada para realojar as instalações petrolíferas de Cabo Ruivo, quando foi necessário movê-las devido à Expo 98. O capital da CLC é partilhado pela Petrogal (65%), Repsol (15%) e BP Portugal (15%) e a Rubis com os restantes 5% [4]. Daqui, saem mais 500 camiões por dia com combustíveis.

Lembrei do jogo dos números UN (United Nations) de produtos perigosos. Se é o número 1820, então ácido sulfúrico. Se for 1977 será nitrogénio, 3092, metoxi-2-propanol e aí por diante. Há outros símbolos nos camiões, como os de inflamável, corrosivo, oxidante e explosivo. E além dos símbolos, há números genérios que avisam dos perigos envolvidos. 
Nesta região, considerando a sua localização estratégica, situam-se várias indústrias, entrepostos e armazéns. 

No centro de Alenquer podemos encontrar uma antiga fábrica têxtil, recentemente comprada para ser um hotel [5-7]. Foi a antiga fábrica da Chemina que, fechada e abandonada, teve um incêndio e agora espera-a melhores dias [6,7]. Esta fábrica, situada na quinta com o mesmo nome, originalmente produzia lãs e usava uma máquina a vapor (podemos imaginar o emaranhado de correias de transmissão), não estando assim dependente da força motriz das águas correntes do rio. 

 

[Versão provisória de 2/12/2020]

Para saber mais
[1] EDP, Há vida na central fantasma. https://www.edp.com/pt-pt/historias/ha-vida-na-central-fantasma (acedido a 2/12/2020)
[2] O Mirante, 16/06/2020. Central Termoeléctrica do Ribatejo está mais perto da neutralidade carbónica, https://omirante.pt/sociedade/2020-06-17-Central-Termoelectrica-do-Ribatejo-esta-mais-perto-da-neutralidade-carbonica (acedido a 2/12/2020)
[3] ECO Sapo, 11/12/2019, EDP vai produzir hidrogénio na central termoelétrica do Ribatejo. https://eco.sapo.pt/2019/12/11/edp-vai-produzir-hidrogenio-na-central-termoeletrica-do-carregado/ (acedido a 2/12/2020)
[4] CLC, História. https://www.clc.pt/hist/ (acedido a 2/12/2020)
[5] CM de Alenquer, Património arquitetónico. http://www.cm-alenquer.pt/Catalogs/listentities.aspx?category=24&page=11 (acedido a 2/12/2020)
[6] Jornal O Público, 5/2/2019, Alenquer quer hotel em fábrica têxtil centenária. https://www.publico.pt/2019/02/05/local/noticia/alenquer-quer-hotel-antiga-fabrica-textil-centenaria-1860662 (acedido a 2/12/2020)
[7] Fundamental, 20/2/2020, Alenquer: Chemina vendida hoje por um milhão e cem mil euros. https://www.fundamental-diario.pt/2020/02/11/alenquer-chemina-vendida-hoje-por-um-milhao-e-cem-mil-euros/ (acedido a 2/12/2020)

À procura da química nas Caldas da Rainha

A cidade das Caldas da Rainha deve o seu nome às suas águas sulfurosas, as quais a rainha D. Leonor apadrinhou no século XV. Estas águas são muito antigas e as termas têm funcionado até recentemente. A referência mais antiga a estas águas data do século treze. Entretanto, depois do século dezoito, estas águas têm sido analisadas pelos melhores químicos portugueses, tendo estes concluído que seriam daquelas que tinham mais compostos dissolvidos.

Atribui-se desde tempos imemoriais propriedades curativas e milagrosas às águas sulfurosas, mas acredita-se hoje que esse efeito de bem-estar possa ser essencialmente psicológico ou geral o que vem vistas as coisas é muito importante. Podem não curar doenças graves, mas ajudam ao bem-estar geral, prevenindo muitas outras.

No centro das Caldas da Rainha sente-se o cheiro a enxofre. Nós humanos somos muito sensíveis aos cheiros sulfurosos. São uma forma de identificar aminoácidos decompostos e, logo, alimentos estragados e perigosos. Pode-se notar esse efeito com os ovos que, uma vez cozidos, ficam com um cheiro característico a exofre. A conversa é como as cerejas, como se costuma dizer, e, por exemplo, os veganos podem assim fazer omoletes sem ovos usando uma combinação de vegatais, corantes e odores característicos.

O sulfureto de hidrogénio, ou ácido sulfídrico, cheira a ovos podres e nós temos limites de detecção olfativa para este composto muito baixos. Na literatura científica encontramos valores entre 0.04 partes por bilião (ppb) e 1.5 partes por milhão (ppm), ou seja entre 0.04 mligramas (mg) em dez mil litros de ar e 1.5 mg em mil litros de ar. Entretanto, uma água para ser considerada sulfurosa tem de ter um miligrama por litro ou seja tem de ter odor a este composto.

Talvez não se lembrem, mas foi noticia na telvisão há uns anos que cheirava muito mal em Lisboa. Descobriu-se depois que alguém tinha despejado um frasco deste composto por acidente no lixo!

Há vários estudos recentes que fizeram revisões sistemáticas e meta-análises que concluem que o sulfureto de hidrogenio é benéfico para as doenças cardíacas e para a diabetes. Mas acima de determinados valores é um veneno. O sufureto de hidrogénio é mais um exemplo de como a concentração faz o veneno.

O elemento enxofre, além de estar no sulfureto de hidrogénio e nos compostos que dão cheiro ao gás de botija e alguns legumes e condimentos, ocorre na pólvora tradicional que contém carvão (essencialmente carbono), salitre (nitrato de potássio) e enxofre. Nesta, o enxofre ajuda à combustão, facilitando a reação com o oxigénio.

Também o cheiro dos fósforos queimados denuncia a presença de enxofre. Este entra na composição das suas cabeças, formando-se dióxido de enxofre com a combustão. Está também presente nas emissões vulcânicas. O cheiro do inferno e do interior da terra é associado ao do enxofre queimado, mas um meteorito, em que se aterrou há pouco tempo, também o tinha. Os derrames de mercúrio no laboratório podem ser eliminados com enxofre, formando-se sulfureto de mercúrio. O enxofre escurece a prata e as tintas brancas antigas de chumbo, formando-se, no segundo caso, sulfureto de chumbo, que é negro. O enxofre tem esta partícularidade de reagir com os metais e aumentar a reactividade destes com o oxigénio. Finalmente, é a presença de enxofre nos grupos terminais que se consegue que estes compostos se unam por este elemento às nanopartículas de ouro.

Em vários sítios podemos encontrar os limites no ar do sulfureto de hidrogénio. Nos EUA, estes limites são 10ppm para os trabalhadores que usam todos os dias este composto e 100ppm para as exposições esporádicas. Acima de 300 ppm esta molécula já causa efeitos graves e acima de 500 ppm, ou seja meio grama por litro, cerca de quinhentas a mil vezes o valor que se pode detectar pelo cheiro, pode causar a morte. Obviamente, hoje em dia não se confia apenas nos sentidos (até porque estes podem ser saturados e não estar disponíveis nalgumas pessoas) e há vários sensores e medições automáticas.

Os tratamentos termais entraram em declínio na segunda metade do século vinte e quase no final pareciam, aos não envolvidos, o parente pobre da medicina, uma coisa pouco racional, antiga e histórica. Miguel Torga refere-se a eles várias vezes no seu diário, mas em termos gerais. Na verdade, se até ao século vinte seriam quase o único alívio possível para muitas maleitas, vão sendo substituídos por medicamentos ou outras terapias. Para além disso, muitos tratamentos termais eram perigosos e pouco sensatos, como os das águas radioctivas. Estes, claro, foram abandonados.

Mas se a lepra, a tuberculose ou as infecções graves, por exemplo, não são curadas por tratamentos termais, há efeitos gerais no bem-estar, como já referido. No caso de supostas curas, é preciso notar que há doença parecidas com as mais graves referidas, as quais poderiam ter sido curadas com as termas.

Depois temos as faianças conhecidas como sendo de Rafael Bordalo Pinheiro. Podemos seguir o percurso destas e visitar o museu. As faianças têm uma parte de barro (um alumino-silicato) que uma vez aquecido acima de uma determinada temperatura perde água de forma irreversível e faz as ligações que lhe dão a conhecida rigidez em relação à argila que tem a conhecida plasticidade. Ao mesmo tempo o material é poroso permitindo a passagem do vapor de água, o que lhe dá característica frescura. Depois temos os corantes inorgânicos usados para dar cor os vidrados, ambos já referidos noutros passeios.  

Nas Caldas da Rainha podemos ainda visitar o parque onde fica o Museu José Malhoa. Neste parque podemos ver uma estátua do conde Ferreira, entre outras. Este museu, criado nos anos 1940, foi primeiro edifício construído de raiz em Portugal para albergar um museu, segundo o turismo local. No museu poderemos apreciar os pigmentos usados, os modelos usados para as estátuas. Nas Caldas da Rainha podermos ver ainda outros museus e a arte pública.  

Poderíamos ainda ir ao mercada fruta e apreciar as cores e cheiros dos várias materiais que podem ser encontrados. Do lado dado das naturais as frutas e legumes e do lado dos artificiais os toldos, por exemplo. Mas a química das Caldas da Rainha  não se esgota com este passeio.

Bibliografia consultada (muito parcial)

Fernando da Silva Correia, Pergaminhos das Caldas, Rio Maior: PH – Estudos e documentos, 1995.
Ramalho Ortigão, Banhos de caldas e águas minerais, Lisboa: Livraria Universal, 1875.

[versão provisória de 20 de Novembro de 2020, com algumas correcções de 24 de Novembro]