Passeios Químicos na Escócia

[O que se segue são as impressões que que ficaram, em termos químicos, de uma viagem de férias em família em agosto de 2024. Edimburgo e Glasgow e mereciam por si só entradas particulares, mas decidi escrever desta forma que que parecia fazer mais sentido.]

 
A paisagem natural da Escócia é muito bonita, mas também são muito interessantes a maioria das cidades e povoações. Não raramente, ficámos deslumbrados por locais e coisas que não estavam nas guias e listas de locais a visitar.

O guia da Lonely Planet (1) dizia que embora o campo parecesse natural, não era. Que a maior parte da floresta original tinha sido limpa para criar ovelhas. Mas que a Escócia mesmo assim, era muito bela. Sim, confirmo. Em particular porque a paisagem alterada pelo homem pode ter muito encantos.

Há vários cientistas relacionados com a Química que viveram na Escócia e que estão imortalizadas em estátuas, placas azuis e edifícios. Chamaram-me a atenção Joseph Black (1728-1799) e Thomas Graham (1805-1869) em Glasgow. O primeiro pode ser relacionado com muitas descobertas, mas é especialmente conhecido pelas do calor latente e do dióxido de carbono, tendo placas e edifícios com o seu nome (que não vi) em Edimburgo e Glasgow. O segundo, está relacionado com a descoberta das leis de difusão dos gases e está imortalizado em Glasgow com uma estátua, uma placa azul e um edifício e seu nome.   

Em Glasgow chamam-me a atenção os arenitos de várias cores, em particular os vermelhos escuros, usados na construção. Há cerca de 270 milhões de anos na Escócia havia um vasto deserto com dunas e condições áridas, semelhantes às do Saara atual, que originaram estes arenitos ricos em sais de ferro (1). Num livro que comprei em Edimburgo e que recomendo chamado "Material World" de Ed Conway é referida uma mina, que era uma antiga praia com areia muito branca, praticamente só de sílica, a qual é a base para o obter sílicio que é a base para a revolução digital.

Curiosamente, em muitas partes da Escócia podem observar-se águas bastante amarelas provavelmente devido a isso. Num ancoradouro de Loch Ness, por exemplo, podem observar-se manchas que parecem adequar-se a essa descrição. Talvez esteja a exagerar o seu efeito, mas reparei que as cascas brancas de algumas bétulas estavam mais escuras. Obviamente esse efeito não aparecia nas águas de consumo humano, pois caso estas tivesse ferro a mais esse sal seria precipitado.

Perto da Universidade de Glasgow fotografei uma chaminé que não consegui identificar. Mas a pesquisa mostrou-me que a cidade teve, entre 1859 (altura em que foi construída) e 1928 (altura em que foi demolida), a maior chaminé do mundo (mais de 138 metros). O funcionamento das chaminés é muito curioso e foi alvo de uma das demonstrações de Michael Faraday na História Química de uma Vela. Basta a existência de um tubo em altura para que a diferença de pressão entre a base o topo aspire os gases, em particular os envolvidos numa chama. Usando um tubo em forma de bengala, em que a curva estava no lado de baixo, Faraday mostrou que as chamas poderiam orientar-se para o lado e que a forma e posição da chama tinha muito que ver com a gravidades. 

A cidade de Stirling antiga é muito elegante e bonita. Passámos pelas ruas rapidamente e vimos o cemitério antigo. Não vi, mas estava num folheto, que tem uma lápide em que se referem os ladrões de tumbas, num tempo em que a dissecação de cadáveres era proibida (diz o folheto que “um cadáver em bom estado podia custar até 4 guinéus”). Já agora, pode ser interessante procurar saber o que  um “guinéu”. Segundo li, é simplesmente um libra de ouro que foi usada há alguns séculos, que, com a valorização do ouro, se tornou equivalente a uma libra e um xelim (cinco cêntimos de libra) e começou a ser designado como “dinheiro de cavalheiros”, correspondendo a uma libra e um xelim.

Aproveito, para fazer algumas reflexões sobre os museus que visitei na Escócia. Em Glasgow, na Kelvingrove Art Gallery, os aspetos pedagógicos estão muito bem conseguidos, mas todos os museus que visitei na Grã-Bretanha têm também esses aspetos (já o tinha referido a propósito do Passeio Químico em Londres). Além disso, as entrada são gratuitas. É como se os museus regressassem ao seu fim inicial: educar os visitantes, sendo que todos têm acesso. 

As legendas são chamativas e, em geral, surpreendentes. É referido que todos os quadros contam histórias, sendo que um está encerrado numa estrutura onde são apresentados balões de fala com ecrãs e onde os textos que são escritos pelos visitantes vão aparecendo (o que digo é baseado essencialmente na Kelvingrove Art Gallery de Glasgow). Noutro local do museu, uma impressão de alta resolução da cópia de um quadro com alterações, é usada para mostrar com seria se este fosse limpo. São feitas explicações das análises que se podem fazer aos quadros para revelar os aspetos invisíveis e químicos, sendo usadas imagens das telas que estão ao lado. Também a explicação dos testes que foram feitos aos quadros de Rembrandt para confirmar a sua autenticidade são mostradas ao lado destes.

As disposições das obras de arte são realizadas para criar continuidade de ideias. Por exemplo, abaixo de um quadro em que está uma pessoa com uma pistola antiga, há uma pistola real igual. Vários quadros de pintores franceses impressionistas (Courbet, Renoir, Cezanne, Matisse e outros)  estão juntos e têm como tema naturezas mortas. Acima de um quadro que representa a pesca do bacalhau é apresentado um modelo de um bacalhau. É feita a apresentação da evolução da formas de fazer café com base em recipientes históricos. Podemos ver muitos outros exemplos.

Havia um mostruário com arte feita por doentes mentais, sendo discutido o seu efeito para a recuperação destes. Há um texto com imagens e filme sobre a compra de um quadro de Salvador Dali que está em destaque. Ao lado de um quadro, é feita a explicação de como este foi salvo durante a guerra por um militar. Estão disponíveis cadeiras articuladas que se podem levar para sentar em frente aos quadros ou para pintar. Num tigre empalhado é mostrado como é feito o interior, mostrando-se na metade posterior a estrutura (sem pele).
Tanto neste, como noutros museus escoceses são misturadas coisas, criando efeitos estimulantes. No museu Nacional da Escócia, em Edimburgo, pode ver-se empalhada a ovelha Dolly que foi usada para a primeira experiência de clonagem de um mamífero ao lado de objetos artísticos e de desenvolvimento tecnológico. 

Na Galeria Nacional, em Edimburgo, muitas legendas são duplas, sendo que está a usual e a que é feita por um aluno de uma escola primária do país. Já referi isso a propósito dos museus e Londres, mas, em todos os museus que visitei há quadros inacabados, em particular de artistas famosos, que são expostos para mostrar os seus processos de produção. Em suma, os museu não têm apenas um conjunto de obras de arte ou objetos organizados, mas providenciam experiências muito ricas e interativas em termos pedagógicos.   


Claro que, sendo os museus gratuitos, há uma procura muito grande por donativos, havendo sempre em locais estratégicos caixas de acrílico para estes donativos, sendo recomendados valores específicos, em geral cinco ou dez libras. Os museus são gratuitos, mas as exposições temporárias são pagas, ficando em geral rapidamente esgotados os bilhetes.

Andámos por muitos sítios na Escócia, mas não vi instalações de aquicultura, embora o guia referisse que desde 1980 muitos “glens” foram desfiguradas devido a elas. A aquicultura é um aspeto muito importante da economia da Escócia. Existe um mapa interativo com as instalações (4), mas embora tivesse estado perto de algumas não as vi, em particular em Granton, uma zona marítima perto de Edimburgo. É importante aqui lembrar que na última década, a aquicultura ultrapassou a pesca em termos de volume de produção para consumo humano (5). Isto, podendo ser bom para o mar, acarreta problemas acrescidos em termos de sustentabilidade e saúde animal.  

Em Edimburgo estava a decorrer o Festival Fringe. Edimburgo está sempre em festivais no verão. Este estava sobreposto com o festival das artes e começaria em breve o festival literário. Isto é bom em termos de visitantes, mas provoca muita pressão na gestão da cidade, em particular na gestão do seu lixo, água para consumo humano e outros e serviços básicos. 

Naturalmente, procurei ver se no programa havia espetáculos científicos. Identifiquei alguns, essencialmente espetaculares e explosivos, mas também alguns mais reflexivos, como a palestra Professor Pankaj Pankaj, da Escola de Engenharia de Edimburgo, denominada “Physical Experiments Are So Passé” que já referi a propósito do Passeio Químico em Londres. De facto, entre o espetacular e a simulação, há espaço para várias possibilidades, como referi. Havia muitas pessoas nas ruas, e as coisas, em particular, o alojamento, eram caríssimas. 

Acabámos por ficar perto de Granton, uma zona marítima perto de Edimburgo, como já referi, a cerca de cinco milhas do centro da cidade, mas os transportes públicos eram muito bons. A meio do caminho ficava o Jardim Botânico, de que falarei mais adiante, e mesmo ao lado encontrava-se o esqueleto dem um gasómetro que estava a ser restaurado. Uma nota sobre isso: li que era muito discutido, pois durante mais de um século, esta estrutura esteve no horizonte da cidade. Da Arthur’s Seat, um monte bastante alto, pode ver-se bem Edimburgo e esta construção, em particular por estar rodeada de andaimes tapados.

Como já referi várias vezes, os gasómetros são memórias de século XIX, altura em que nas grandes cidades a iluminação pública era feita usando gás, o qual era também canalizado para as casas das pessoas mais abastadas. A partir de meados do século XIX, surgiu o uso do petróleo que passou a ser empregue nalgumas aplicações da iluminação, mas a partir do final do século XIX, a eletricidade, que era produzida com vapor, obtido queimando carvão ou petróleo. ou em barragens, substituiu tudo isso. Como era obtido este gás? Aquecendo o carvão a alta temperatura, libertava-se um gás que era armazenado à pressão atmosférica nos gasómetros, os quais eram cilíndricos.

A praia de Granton não é muito convidativa, mas é bonita, apesar de tudo. Mais longe fica a Praia de Portobello, muito mais conhecida, onde não fui, mas entre as duas há uma zona da baía que as forças locais querem revitalizar e usar para acesso balnear, li nas pequisas que fiz. Como já referi, era aqui que existiam, de acordo com o mapa (4), algumas instalações de aquicultura, mas não as vi. 

Junto a esta praia fica o Farol de Granton antigo, que li também nunca ter servido como farol mesmo, mas era antes uma escola de faroleiros. Trata-se de um farol clássico, agora num edifício fechado. No Museu Nacional da Escócia há pelo menos duas estruturas de lentes de faróis em tamanho real, onde se pode apreciar como funcionavam.

Não notei por onde andei plantas venenosas, para além de dedaleira (Digitalis purpurea, numa variedade mais clara do que as que temos aqui em Portugal), mas também no pesquisa que fiz verifiquei que há na Escócia plantas venenosas que são raras ou desconhecidas em Portugal e posso assim não as ter visto. 

Cerca 1919, uma criança de sete anos comeu bagas venenosas de beladona (Atropa belladona) no Jardim Botânico de Glasgow e morreu. A sentença, datada de 1922 (6), foi que o Jardim Botânico deveria ter sido mais cuidadoso e foi considerado culpado. Em Portugal, um rapaz da madeira morreu em 2006 por comer as bagas de uma planta semelhante (7).   

Os jardim botânicos de Edimburgo e Glasgow, que visitei, são excelentes. No de Edimburgo notei que, no bar, as mesas eram de plástico reciclado que parecia madeira. Se pensarmos bem, podemos usar esse material para postes, tábuas e outras coisas sem que seja necessário cortar árvores. Noutros locais vimos também plástico a imitar madeira. 

O “mulching” é uma prática agrícola, em que reparei no comboio de Londres para Edimburgo, e que consiste em revestir as culturas com plásticos (que parecem meios brancos e transparentes). Isso serve para reter a água e evitar danos causados pelo gelo e geada. Esta prática tem sido muito discutida devido aos resíduos, havendo vários aspetos relacionados com a reciclagem e uso de plásticos biodegradáveis. Este último aspeto é muito relevante, pois a ideia de “biodegradável” tem muitas nuances. A norma Europeia EN13432 implica que os materiais são de origem biológica e que a sua degradação acontece de forma biológica, mas não especifica o tempo em que isso acontece. 

O nosso guia respondia (com alguma piada) à pergunta de qual seria o melhor local para comprar uísque como sendo um supermercado fora da Escócia, pois que os impostos faziam com que a Escócia fosse um dos piores locais para comprar a sua bebida tradicional. Julgo que não seja bem assim, em particular porque em muitas destilarias se podem comprar produtos únicos que não estão no comércio internacional. Não fizemos nenhuma visita guiada a destilarias, mas bebemos uísque em destilarias e vimos por fora os canos e instalações e, sobretudo, sentimos o cheiro, claro.

O uísque é feito pela fermentação da cevada maltada (ou seja humedecida para começar a fermentar) mas há uísque de outros cereais e de cevada não maltada. Depois de se promover a fermentação dos cereais para produzir etanol, destila-se a mistura para concentrar o etanol e compostos voláteis e separá-los das impurezas sólidas. Faz-se ainda uma nova destilação do líquido obtido, o qual fica a repousar em barris durante pelo menos três anos. Se for feito a partir de uma única porção de cevada maltada é designado como “single malt”, se for uma mistura de diferentes lote e mesmo anos é um “blend”.

Há uma grande combinação destas possibilidades, sendo atualmente o “single malt” o mais considerado, mas podemos imaginar que um “blend” que usa os melhores lotes e anos tem muito mais possibilidades.

A questão do cubo de gelo ou água no uísque tem sido muito debatida, mas lembro-me de ter visto um artigo científico que mostrava por simulação molecular que a presença de água em pequena quantidade melhorava a experiência sensorial. 

Há caixas (agora de plástico) com saibro e sal (grit and salt) ao longo das estadas das terras altas. O sal ao ser misturado com o gelo (ou a neve) baixa o ponto de fusão da mistura, melhorando as possibilidades de circulação rodoviária. 

Há muita água na Escócia e demos conta quase por acaso, a caminho de Glasgow, de uma central hidroelétrica bastante interessante que aproveita o desnível do Loch Sloy para o Loch Dosmond, percorrendo a água três quilómetros de túneis até às turbinas. 

Antes, tinha visto uma barragem, Dalwhinnie Dam, que me pareceu muito baixa. Como se sabe, são as diferenças na altura que fazem com que a água possa ser usada para acionar turbinas. Vi depois, com alguma pesquisa, que esta fazia parte de um sistema de barragens e centrais hidroelétricas cuja água desaguava no Rio Tummel e servia para se obter eletricidade no Norte da Escócia. 

Reparei também em vários locais, no que pareciam ser pequenas Estações de Tratamento de Águas (ETA). De facto, dado as distâncias entre localidades e as pequena densidade populacional nas Terras Altas, faz todo o sentido ter estas pequenas estações.    

O viaduto de Glenfinnan é bonito por si próprio, mas tornou-se uma grande atração depois dos filmes de Harry Potter (se quiser ver isso planeie bem a ida, chegue com antecedência e prepare-se para ter um dia de nevoeiro ou chuva em que quase não se vê nada, além de ter de andar bastante pois os sítios para estacionar podem ser longe).

A famosa imagem do comboio a vapor, deitando fumo branco (vista de cima), não é a mesma que se tem no local onde se pára (vista de baixo). Desaconselho de todo – é melhor ficar com a ideia. E os comboio a vapor? A imagem é romântica, mas há várias coisas que originaram o seu desaparecimento. Eram muito ineficientes e poluentes. O fumo branco é do vapor de água, mas faz esquecer o fumo negro da queima do carvão que era usado para aquecer a água que para maior eficiência poderia ser levada a uma temperatura acima da ebulição (isso implicava ter maior pressão) e o vapor era usado para fazer funcionar o aparelho.    

Não visitei em Edimburgo, o Surgeons Hall, um museu de medicina para adultos. Mas o meu filho, que é estudante de medicina, foi e achou muito interessante. Não vi também a placa comemorativa de James Lind (1716-1794) na escola de medicina. Na ponte (que dizem os locais que está em obras há anos) há uma placa indicativa de uma velha farmácia onde foi obtido o clorofórmio para anestesia desenvolvida por Sir James Young Simpson (1827-1912), o qual descobriu as propriedades anestésicas deste composto. Além da anestesia, muitos procedimentos médicos de natureza química começaram com médicos cientistas escoceses. Além dos já referidos Lind e Simpson, podemos referir Joseph Lister (1827-1912), que desenvolveu a assépecia,e Sir Alexander Fleming (1881-1955) que descobriu a peniclina.

James Clerk Maxwell (1831-1879), muito conhecido pelas suas leis do eletromagnetismo, era natural da Escócia (nasceu em Edimburgo). Na cidade há um pequeno museu dedicado a ele a que não fui. Outros cientistas escoceses que ainda não foram referidos e que fizeram contribuições para a Química, podendo não ser Químicos, nas suas atividades principais. São eles, entre outros, William Thompson, Lord Kelvin (1824-1907),  Charles Macintosh (1706-1843) inventor da gabardina e materiais à prova de água, James Young (1811-1883), que realizou a primeira extração de petróleo e Sir William Ramsay (1852-1916).

Um prato nacional da Escócia são os haggis, nos quais, pedaços muito pequenos de vísceras de carneiro são ligados por farinha e colocados no buxo deste animal. Em Portugal temos algo parecido, mas não igual, que são os maranhos. Contrariamente à ideia popular, o sabor não e o cheiro não são assim tão fortes e as pessoas que são carnívoras e que comem os lombos e as costeletas podem também comer as vísceras pois assim é mais sustentável!  

Como já referi noutros passeios, tradicionalmente ligava-se o ferro à pedra usando chumbo pois este metal é facilmente fundido e maleável. Chama-se ao processo “chumbar”. Mas cada vez encontro menos esse processo tradicional, sendo agora substituído pela ligação usando argamassas. Por acaso reparei num que achei muito curioso para segurar uma espécie de picos para evitar que as pessoas se sentassem. 

A Ilha de Skye é muito bonita. Visitámos as Fairie Pools, onde reparei de novo que a água aqui é muitas vezes amarelada. Em Portree ninguém se lembrou de fotografar as casas coloridas que aparecem em todas as fotografias dos guias. Ao vivo é simultaneamente menos colorido, mas mais vivo (no sentido de real). Estava maré-baixa e obtive boas fotografias do outro lado do monte com as redes tradicionais (sintéticas em curso de transição para materiais mais sustentáveis) e enferrujamento caraterístico das zonas marítimas (acelerado pela presença dos iões cloreto).

Referências

(1) Wilson, Neil, Cornwallis, Graeme, Smallman, Tom. Scotland. Lonely Planet Publications, 2002.

(2) Strathclyde Geoconservation Group. Glasgow Rocks. What stones were used to build Glasgow? 2014. https://geologyglasgow.org.uk/docs/017_070__glasgowrocks_1466894586.pdf (acedido 1 de setembro de 2024).

(3) Glasgow Live. The incredible Glasgow mega-chimney that was the tallest in the world. https://www.glasgowlive.co.uk/news/history/incredible-glasgow-mega-chimney-tallest-23386331 (acedido 2 de setembro de 2024).

(4) Scotland’s Environment. Scotland’s Aquiculture. https://aquaculture.scotland.gov.uk/ (acedido 1 de setembro de 2024).

(5) Jornal Público. Aquacultura ultrapassa pesca e torna-se a principal fonte mundial de peixe, diz ONU. https://www.publico.pt/2024/06/07/azul/noticia/aquacultura-ultrapassa-pesca-tornase-principal-fonte-mundial-peixe-onu-2093372 (acedido 3 de setembro de 2024).

(6) LawTeacher. Glasgow Corporation v Taylor – 1922. https://www.lawteacher.net/cases/glasgow-corporation-v-taylor.php (acedido 1 de setembro de 2024).

(7) Jornal Público. Beladona mas perigosa. https://www.publico.pt/2006/08/18/jornal/beladona-mas-perigosa-93981 (acedido 1 de setembro de 2024).

Passeios Químicos em Londres

[Estive várias vezes em Londres, mas nunca mais do que um dia. Nesta férias surgiu a oportunidade de passar mais uns dias na cidade, mas, mesmo assim, senti que era pouco tempo para tantas coisas que queria ver e fazer.]

A ideia original de “Chemical Trair” foi concretizada por Peter Borrows, em Londres, em 1984, em Pimlico (1). Desde esse trabalho, este autor realizou vários “Chemical Trail” (2). Como já referi várias vezes, inspirado por esse conceito eu comecei, em 2009, a realizar e escrever “Passeios Químicos” que, embora continuem a ser semelhantes à ideia original, se têm, muitas vezes, afastado da concretização posterior dos “Chem Trails”(2). Atualmente, em vez de serem trilhos temáticos e bastante técnicos, são essencialmente baseados nos aspetos químicos que podemos encontrar ou que inspira a visita a um determinado local e qualquer pessoa com uma cultura média pode ler. 

Sendo assim, foi, para mim, bastante interessante visitar a Pimlico Road. Trata-se de uma rua de antiquários e, se algumas coisas são semelhantes à versão original (1), como as referências aos materiais de construção (tijolos, gradeamentos, vidros, tintas, etc.), ou de organização da rua (sinalização, pavimentos, etc.), há outros aspetos que tenho referido em alguns passeios que eu realizei e que aqui podem também ser evocados (os vidros planos, os espelhos, etc.)

Desde 1984, a Estrada de Pimlico, mudou com certeza, mas os materiais de que são feitas e casas e gradeamentos, assim como os materiais de que são feitos os sinais de trânsito e outros não deve ter mudando muito. As casas e edificações têm um aspeto essencialmente vermelho. São feitas com tijolos de barro que é um material que tem bastantes óxidos de ferro, responsável pela cor vermelha, e que, ao ser cozido, liberta moléculas de água, ficando rígido. Borrows referiu isso, assim como as reações químicas responsáveis por esse efeito (1). Referiu também os gradeamentos de ferro e a oxidação que podem ter. Nesta rua, eu vi tudo impecavelmente pintado, essencialmente com tinta preta. Uma forma de evitar a oxidação do ferro é recobri-lo com um material que não deixe entrar o oxigénio, por exemplo tinta polimérica. Vi aqui, mas também noutros lugares da Grã-Bretanha, como essas pinturas eram realizadas com frequência, não tendo dado conta de sítios com ferrugem. Havia também algumas casas pintadas de vermelho escuro, por de cima dos tijolos e nos rés-do chão usavam por vezes tintas escuras e tintas brancas. O resultado era que estava tudo muito cuidado e limpo Havia muitas plantas e uma placa a indicar que estas eram boas para as abelhas. Algures no início da rua, havia uma urbanização com um árvore de ferro pintada de preto. Quando lá estive, havia também um pequeno mercado. O material de que era pavimentada a rua era alcatrão, que é a parte com maior peso molar do petróleo, que é em parte insolúvel mesmo em solventes orgânicos vulgares. As marcas na estrada eram brancas, mas não vi com atenção a sua espessura. A maioria das marcas da estrada duradouras atuais envolvem uma combinação de materiais como sílica, calcite, pigmento branco, e outros materiais, ligados por óleos minerais naturais ou sintéticos de elevada massa molecular que solidificam à temperatura ambiente, mas a mistura é líquida à temperatura de aplicação. Os passeios eram largos e pareceram-me ser de cimento. Tudo estava muito cuidado e limpo, como já referi. Nem vi as clássicas pastilhas elásticas negras no pavimento. Também não vi que ainda restasse chumbo que tenha sido usado para “chumbar” as grades às paredes. Peter Borrows refere isso, mas passados quarenta anos reparei em toda a Grã-Bretanha que restavam poucos exemplos dessa forma de ligar o ferro às paredes.     

Outro local que queria visitar em Londres, era a Royal Institution e, em particular, o Museu Faraday, pois além de ter traduzido e anotado a "História Química de uma Vela" de Michael Faraday com Isabel Prata (3), fiz uma recriação das suas demonstrações com Filipa Pereira (4). Como era fim de semana quando lá estive, estava fechada, mas tirei algumas fotografias do seu exterior. Curiosamente, fui depois para Edimburgo onde estava a decorrer o Festival Fringe. no qual, entre muitas coisas sobre as quais escreverei mais tarde, havia uma palestra do Professor Pankaj Pankaj, da Escola de Engenharia de Edimburgo, denominada “Physical Experiments Are So Passé”. Não tendo assistido à palestra, posso concordar, mas apenas em parte. De facto, não faz sentido realizar experiências caras que podem ser simuladas nem demonstrações perigosas, ou pouco sustentáveis, quando podemos realizar vários tipos de simulações, inclusive utilizando realidade virtual e aumentada. Mas ainda continua a haver espaço para as experiências cujo resultado por simulação seja incerto e para as demonstrações não perigosas e sustentáveis, que podem ao mesmo tempo ser simples, eficazes e que provoquem abertura da mente, como as que fez Michael Faraday. Ou ainda as que estão na origem de trabalhos de “mão na massa” realizados pelos estudantes.   

O edifício do parlamento, Portcullis House, em Westminster, que serve para gabinetes e serviços, contém 450 toneladas de bronze de níquel e alumínio nas ombreiras das janelas, revestimentos e telhado (escurecido de forma artificial), e foi construido para resistir ao rebentamento de bombas (5). Este tipo de bronze, baseado no cobre, tem 9-12% de alumínio e cerca de 5% de ferro ou níquel. Perto, a cerca de 600 metros, situou-se a primeira fábrica de gás para iluminação do mundo (6), oficialmente inaugurada em 1812 (está assinalado por uma placa na Rua Great Peter que não fotografei).

Como em todas as fábricas deste tipo, o carvão era aquecido a altas temperaturas, libertando-se um gás combustível que era armazenado em gasómetros caraterísticos (de que ainda restam as enormes estruturas em Lisboa e Edimburgo, por exemplo, mas também vi uma perto de uma margem do Rio Tamisa) a pressão ambiente, sendo depois canalizado e as iluminação realizada pela queima desse gás nos bicos de saída. O livro “Os Maias” de Eça de Queirós há bastantes referências a este tipo de iluminação. Curiosamente, só a ver a fotografia com mais cuidado, reparei que tinha fotografado o gasómetro (já a tinha apagado do telemóvel, mas por acaso tinha-a guardado noutro lado). E só o procurei depois de ver um programa que tinha gravado sobre Londres, e reparei na sua presença no rio. A moral da história é óbvia: muitas descobertas são realizadas por acaso, mas só se tornam evidentes se estivermos atentos e trabalharmos muito e de forma resiliente. 

O Rio Tamisa é muito turvo e escuro, devido a uma enorme quantidade de matéria orgânica em suspensão (parece que sempre foi assim – o nome do rio deriva de "escuro" numa língua antiga). Ao longo do rio podemos encontrar centrais flutuantes de limpeza do rio, em particular do seu lixo macroscópico, mas não parecem ser suficientes para a matéria orgânica em suspensão. No século XIX foi famosa uma ação de Michael Faraday para chamar a atenção para a poluição do rio em que este usou quadradinhos de papel branco que mal se afundavam deixavam de ser visíveis. Na altura as pessoas queixavam-se do cheiro nauseabundo e os esgotos dos edifícios despejavam diretamente no rio.

O rio era conhecido como “Great Stink”, houve várias epidemias de cólera e pensa-se que o príncipe Alberto morreu de febre tifóide (aliás como rei português D. Pedro V) por viver perto do rio. Paradoxalmente, ou não, a situação parece ter ficado bem pior com a a invenção do autoclismo cerca de 1850. Hoje, todos os esgotos são recolhidos e enviados para centrais de tratamento, mas restam muitas outras aplicações humanas do rio. Na altura em que fiz um passeio de barco no Tamisa era maré baixa e havia muitas pessoas nas partes secas do rio. Chamo também a atenção para os canais. Todas as grandes cidades (e Londres não é exceção) tinham muitos canais que serviam para transporte mais fácil de mercadorias. 

No passeio que fiz no Tamisa passei por debaixo de várias pontes e em particular na Ponte de Southwark reparei nos pontos de ferrugem e nas estalactites. Também já referi várias vezes, que não precisamos de ir a grutas ver estas formações geológicas. Estas formações de carbonato de cálcio ocorrem nas escorrências do cimento muito rapidamente ou podem formar-se mais lentamente na parte de baixo de, por exemplo, uma ponte de ferro em sítios onde a água vai pingando e evaporando lentamente.    

O Museu do Design fica num extremo do Parque de Holland (7). Acabei por não ir lá, mas do que vi e li sobre este museu, a exposição permanente visa chamar a atenção para objetos do nosso quotidiano de forma ativa e provocadora. Nesse ponto, entra a Química, pois além do desenho, são relevantes os materiais de que  esses objetos são feitos e as soluções técnicas e estéticas que permitem a sua produção em massa de forma mais sustentável, as cores que envolvem pigmentos, muitos deles sintéticos e artificiais, etc. São também relevantes as soluções para o fim de vida dos objetos e a economia circular. Os museus na Grã-Bretanha são em geral gratuitos e este não é exceção. São pagas as exposições temporárias e mesmo as palestras, ao contrário dos museus em Portugal. Há também uma grande preocupação em envolver e serem pedagógicos. 

Perto do Museu do Design, tomamos café e comemos alguns bolos. Em termos estéticos e gastronómicos foi uma óptima experiência. Entretanto, eu não pude deixar de reparar nos materias de que eram feitas as mesas, tabuleiros e pratos no café onde estávamos. As mesas eram de chapa zincada, mas o zinco já começava a desaparecer e o ferro a enferrujar. Também poderia ser do excesso de uso de lixívia que acelera muito a oxidação do ferro, claro. O efeito era, apesar de tudo, interessante . Os tabuleiros eram de alumínio, mas era aquele alumínio baço das panelas velhas devido às camadas de óxido exteriores. E finalmente, os pratos eram brilhantes, do vidrado, e brancos, devido ao óxido de estanho. E claro, havia as coisas que estávamos a comer e beber. Quanta Química e Beleza! Já referi várias vezes, mas podemos maravilhar-nos com estas pequenas coisas que, apresar de tudo, acabam por ser bastante importantes.   

O Museu de História Natural  é impressionante pelo próprio edifício (8, 9). Nas colunas, paredes e vitrais tem imagens da natureza, em vez de motivos religiosos ou políticos. É como que uma "catedral da Natureza." No Hall de entrada central está pendurado o famoso esqueleto de uma baleia azul com mais 25 metros, mas há também uma zona nova (o Centro Darwin) muito arrojada ao lado. Em geral, todas as exposições e objetos que são mostrados são muito interessantes e e pedagógicos. Aprende-se sempre alguma coisa com o que está em exposição. Não vou referir muito mais, mas há algumas coisas que se revelaram surpreendentes. Não vou falar das coisas que se encontram no museu, mas antes da sua organização. A visita é gratuita e são multidões que se passeiam por ali de forma harmoniosa, havendo coisas para todos e para todos os níveis! Isto custa dinheiro, claro, e em todos o lugares pedem donativos, mas a organização é excelente. 

O Museu Victoria & Albert, que fica ao lado, é também muito interessante (10, 11). Já disse acima que Albert morreu de febre tifóide, como D. Pedro V. Já, aliás, referi isso várias vezes, mas nunca é de mais relembrar. Na altura, a ausência do tratamento da água e de esgotos, assim como de antibióticos podia matar reis e principes (12)! Chamou-me a atenção a forma pedagógica como era explicado como eram feitas determinadas peças, em particular as de metal e as estátuas. No caso das peças de metal, banhadas com outros metais, era explicado como faziam os banhos eletroquímicos, mostrado exemplos para vários metais e cores. Para além disto, havia réplicas que podiam ser tocadas. Tal já começa a ser comum em vários museus, mas é sempre interessante e motivador. 

Havia também perguntas sobre os tipos de materiais usados nas peças, sendo dados exemplos. O museu é enorme, e só pude ver uma parte muito pequena (felizmente, posso ver no guia o resto). Na ala correspondente ao Oriente, havia muitos detalhes sobre o chá, sobre o incenso, pinturas e cosméticos. Foi muito curioso ver estas últimas, pois em Coimbra havia uma exposição sobre a ópera chinesa e tinha ficado curioso sobre os materiais usados nas tintas dos rostos. Procurei artigos científicos, mas não encontrei muitas coisas e sobretudo encontrei algumas coisas duvidosas mesmo em artigos de natureza científica. 

Obviamente, não era usado cinábrio (composto de mercúrio e enxofre) como vi num deles, pois o cinábrio é muito tóxico. Vi também vários artigos sobre metais pesados nos cosméticos tradicionais, mas estes são em geral fruto de contaminações ou impurezas devidas ao uso de sais de metais menos tóxicos. É referido, no entanto, o açafrão-bastardo (Carthamus tinctorius), cujo uso era ilustrado no museu V & A. A cor é dada por um flavonóide que quando seco tem um aspeto avermelhado e tinge e pinta de cor laranja-amarelado, sendo usado em cosméticos e tingimento de roupas.  

Achei curioso encontrar um edifício que estava decorado com azulejos e dizeres antigos (eu diria de Arte Nova) da Michelin. O edifício Michelin, como é conhecido, tem agora um restaurante, lojas e escritórios, mas foi desenhado em 1911 para a loja dos famosos pneus. Foi um dos primeiros edifícios de Londres a ser construído com concreto e ferro e tem um conjunto de azulejos notáveis. Como é bem conhecido a Michelin diversificou os seus negócios e atividades, sendo também identificada pelas suas estrelas para os restaurantes. A borracha dos pneus é branca, como aliás o famoso “homem Michelin” (o Bibendum), sendo o negro de fumo o que dá a cor negra. Acontece que esse material dá também maior resistência aos pneus, sendo usado nestes cerca de 22%. Ora, se um pneu de um carro pesa cerca de sete a nove quilogramas e cada pneu tem cerca de 1,5 a 2 quilogramas de negro de fumo, podemos estimar quanto negro de fumo está em circulação no mundo nos pneus dos automóveis (considerando 1.5 mil milhões de carros no mundo e que cada carro tem quatro pneus): cerca de 9 a 12 milhões de toneladas (deve ser um número maior pois não estou a contar com os pneus sobresselentes nem com os camiões). No entanto, na minha opinião, não devemos ficar assustados com estes números enormes mas procurar entendê-los.   

Na National Gallery (13, 14), pode ver-se uma grande quantidade de obras primas, muitas bem conhecidas, e de várias épocas, desde o século XIV ao inicio do século XX. Estão presentes autores como Jan van Eyck (1422-1441), Piero della Francesca (1415/20-1492), Botticelli (1445-1510), Crivelli (1430/5-1494), Bellini (1435-1516), Raphael (1483-1520), Leonardo da Vinci (1452-1519),Ticiano (1506-1576), Caravaggio (1571-1610), Artemisia Gentileschi (1593-1654), Rubens (1574-1640), Rembrandt (1606-1669), Velásquez (1599-1660), Vermeer (1632-1675), Ingres (1780-1867), Turner (1775-1851), Manet (1832-1883), Monet (1840-1926), Renoir (1841-1919), Degas (1834-1917), Cezanne (1839-1906), Renoir (1841-1919), Seurat (1859-1891), Van Gogh (1853-1890), entre outros.

Porque refiro todos estes nomes? Para filosofar brevemente sobre a razão de não termos em Portugal quase nenhuns ícones da arte internacional. É fácil dizermos que éramos e somos um país pobre e periférico, mas isso não permite entender toda a história. Durante os descobrimentos e quase até ao século XVIII éramos um país rico e central. O português chegou a ser língua franca. Mas mesmo desse tempo temos poucas obras primas internacionais. Uma parte da questão pode ser respondida pela sorte e por pouco se valorizar a cultura e arte desde sempre. A ideia do mecenas é estranha e a do colecionador que que dá ou vende a sua coleção ao estado é rara e nem sequer é muito vem vista. Mais tarde, acumularam-se as dívidas e surgiu o declínio, mais por má gestão e corrupção do que por não haver recursos. Havia recursos, como há hoje, assim como existiam ricos. Mas, beneméritos, quase só nos lembramos dos novos ricos como o Conde Ferreira (1782-1866), que enriqueceu com o tráfico de escravos, e de Calouste Gulbenkian (1869-1955), que escolheu o nosso país para se exilar. Éramos pobres e periféricos porque as nossa elites assim o pensavam. E tanto o pensaram que começaram a acreditar nisso, ou a fazer crer que acreditavam. Há uma inveja quase só portuguesa que é querer que os outros tenham menos coisas (e não querer ter mais coisas do que eles). Curiosamente, são os Ingleses que têm um palavra para referir a satisfação perante a desgraça dos outros (“gloat”), algo que nós não temos. Também curioso foi Henry Tate (1819-1899) ter enriquecido com algo relacionado com o tráfico de escravos: produzir açúcar e dar-lhe mais valor através da comercialização de cubos de açúcar. Mas enquanto as escolas já estavam garantidas no Império Britânico, nem isso tínhamos em Portugal. Agora estamos a descobrir uma das nossas maiores riquezas: o conhecimento e a cultura. Mas, ainda há muito atavismo, infelizmente.      

Relacionado com a ciência, um quadro que está em exposição é de Joseph Wright de Derby (1734-1797) e retrata uma demonstração cientifica em que com uma ave é colocada numa campânula ligada a uma bomba de vácuo (pode imaginar-se o que irá acontecer). Uma rapariga tapa os olhos para não ver, mas dois namorados não ligam nada (14). O quadro representa uma cena noturna iluminada com uma vela e é um dos ícones da ciência romântica.

Aqui, pode também ver-se um quadro inacabado de Miguelangelo (1475-1564), o qual permitir ver como em determinada altura eram pintadas as figuras humanas. Era usado verde como base para a pele, o que em alguns quadros fez com que os rostos fossem “ficando verdes”, pois esse verde tornou-se mais visível. Essa base do quadro era de verdigris, em geral sais básicos de carbonato de cobre (II), como os que recobrem as estátuas de bronze. Na galeria, esse efeito pode ser visto num quadro como a Anunciação de Duccio (ativo 1270-1319).

Estavam lá também vários quadros de Vincent Van Gogh (1853-1890), em particular estava em exposição uma das versão mais famosas do tema dos girassóis, que este usou em vários quadros. Este, em particular, tornou-se ainda mais famoso recentemente por duas ativistas lhe terem atirado molho de tomate. Felizmente, o quadro estava dentro de uma caixa protetora de vidro que é quase invisível para quem observa (referi mais longamente esta questão no Passeio Químico em Paris). Van Gogh usou tintas espessas, disponíveis na altura recentemente, para criar efeitos de textura (14). Infelizmente, usou alguns pigmentos amarelos que envelhecem mal, como o cromato de chumbo (II), que vai escurecendo com o contacto com a luz.

Chamaram-me a atenção, também os extintores de incêndios (depois verifiquei que eram iguais em todos nos museus que visitei na Grã-Bretanha). Estes são apenas de água para evitar mais danos caso venham a ser usados. É muito óbvio, mas podemos perguntar por que é que a água apaga o fogo. Saber que tal acontece não é uma explicação, obviamente. Vamos então procurar saber. Primeiro a água é um produto da combustão. Ora, adicionar um produto desloca a reação no sentido dos reagentes. Mas será que isso é importante aqui? Talvez não, pois o equilíbrio está muito deslocado no sentido dos reagentes, no entanto ao colocar muita água, que ainda por cima tem um coeficiente térmico grande (absorve muito calor para uma dada massa massa), baixa-se a temperatura muito e assim diminui-se muito a constante de equilíbrio, pois a reação é exotérmica e reação fica muito lenta. Na verdade, há reações, que são formalmente equivalentes à combustão, como a oxidação dos metais que são muito lentas. Ou seja, para crianças e adultos que não precisem de explicações elaboradas podemos simplesmente referir o arrefecimento que em termos práticos pára a reação. Para alunos mais avançados e adultos mais conhecedores, podemos falar de que o arrefecimento baixa muito a constante de equilíbrio (o mais importante) e que ao adicionamos um produto (que é necessário aquecer) a reação é deslocada no sentido dos reagentes.      

A Tate Britain (15, 16) tem um conjunto muito heterogéneo de obras de que se destacam William Blake (1757-1827), os pré-Rafaelitas (estando presente o famoso quadro de Ofélia a boiar nas águas), Francis Bacon (1909-1992), Henry Moore (1898-1986), Lucien Freud (1922-2011), David Hockney (n. 1937), entre outros artistas consagrados da Grã-Bretanha ou ligados à sua cultura. Curiosamente, na sala dos pré-Rafaelitas havia também um quadro inacabado, o que é, como já referi, a propósito da Nacional Gallery, muito pedagógico. 

A Tate Britain, alberga a maior coleção de quadros de Joseph William Turner (1775-1851), que teve desde a sua estreia, detratores, mas que é, em geral, muito amado. No museu, isto é abordado, sendo analisada a sua vontade de experimentar novos materiais e técnicas. Turner é muitas vezes associado a temas científicos de uma forma indireta pela forma como tratou determinados assuntos, em particular a luz e o fogo. 

A Tate Modern (17) fica num edifício que foi uma antiga central térmica ao lado do rio Tamisa, a central de Bankside, que tem uma varanda para a catedral de São Paulo, a qual fica do outro lado do rio. Em meados do século XX esta central foi remodelada como uma “catedral da energia” e foi  adaptado para museu em 1994 de forma a manter muitas das caraterísticas anteriores (17). De um dos lados existe um enorme hangar onde havia uma turbina gigantesca e foi mantida a chaminé onde eram expelidos os gases. Até a meados do séculos XX funcionava a carvão e havia muitas queixas de poluição. De meados dos século XX até cerca de 1981, funcionou usando petróleo, tornou-se obsoleta. Como funcionam estas centrais de energia? O combustível é usado para aquecer o vapor que faz funcionar as turbinas que por seu lado produzem eletricidade por indução. Todos as centrais térmicas funcionam assim: por colocação em movimento das turbinas, sendo que nas centrais hidroelétricas as turbinas são acionadas pela queda da água.  

As obras de arte na Tate Modern são mais experimentais de que as da Tate Britain, havendo muito mais espaço para inovação e experimentação. Em qualquer dos casos, a exposição permanente e as temáticas destas estão organizadas de forma a ajudar os visitantes a perceber melhor a arte moderna. Em particular, lembro-me de uma parte dedicada à cor e como esta era usada por diferentes artistas. Há um razoável espaço dedicado a Joseph Beuys (1921-1986) e achei muito interessantes várias coisas, em particular uma paródia sobre o uso de uma batata para produzir energia, não fixei de que artista. 

Embora os Imperial War Museums (18, 19) tenham um nome que de alguma forma faça pensar que iremos encontrar a glorificação do Império Britânico, a minha experiência em Londres não foi bem isso. Tinha uma grande exposição sobre a primeira mundial, muito centrada nas pessoas que sofreram com ela e papel das mulheres e crianças e por todo o lado se questionava a guerra e o imperialismo. Entre as muitas coisas que observei, chamou-me a atenção veículo blindado em que seguia um jornalista que foi emboscado. Os vidros à prova de bala atingidos estavam marcados pelo impacto das balas. Os vidros à prova de balas tradicionais são constituídos por várias camadas de vidro laminado, coladas por polímeros, podendo esses vidros serem reforçados de forma química (20). Os vários vidros de carro à prova de bala de carros que vi, eram transparentes, mas tinham um aspeto verde amarelado que pode ser devido às várias camadas de vidro, sendo que cada uma poderia parecer transparente, mas a colagem de várias torna mais visível a presença de ferro (II), ou também do efeito do escurecimento das camadas de polímeros que as colam.

Passei perto do palácio de Buckingham e estava lá uma grande multidão para ver o render da guarda. Eu nem estava muito interessado nessa cerimonia, mas acabei por a ver e ouvir (acho que não vale a pena passar lá muito tempo para conseguir "o melhor lugar"). Mas a parte mais interessante, foi reparar que a estátua em frente parecia de ouro mas não era, claro: está coberta com folha de ouro. E que nos gradeamentos com apliques também é usada folha de ouro ou pintura a ouro. Já referi isso várias vezes: as folhas de ouro são muito finas (cerca de 0.0001 metros). Ora a superfície de um corpo humano é cerca de dois metros e a densidade do ouro é cerca de 19.4 quilogramas por litro. Então uma estátua em tamanho natural coberta de folha de ouro terá cerca de 0.388 gramas de ouro! Daqui se percebe que não valeria a pena “roubar” uma estátua pelo ouro. Mas há muitas vantagens nisto, além das estéticas. Pode ser usado um metal mais económico e leve por debaixo. Se a estátua fosse de bronze (tipicamente 88% de cobre e 12% de estanho), mesmo oca, com digamos, cinco centímetros de espessura, teria quase 90 quilogramas (2x5x8.7), a que correspondiam cerca de 80 quilogramas de cobre, mas a estátua poderá ser de alumínio e ser assim mais leve. Uma estátua em tamanho natural de alumínio, também com espessura de cinco centímetros pesaria cerca de 27 quilogramas (2x5x2.7). Há várias outras estátuas na cidade cobertas de folha de ouro e são impressionantes. Comentei isso a propósito das estátuas em Paris, mas não tinha chegado a esta conclusão sobre poder usar-se por debaixo metais mais baratos e leves. 

Um espaço que queria visitar em Londres era o da Fundação Wellcome (21). Esta foi fundada em 1936 e teve associada uma grande empresa farmacêutica, a que pertenceu por exemplo Gertrude Elion (1918-1999), que teve um papel importante no desenvolvimento do primeiro imunossupressor, do AZT e do aciclovir, entre outros medicamentos e recebeu o Prémio Nobel em 1988. Perto de final do século XX, a fundação decidiu vender a empresa, que agora faz parte da GlaxoSmithKline, com quem não está associada, fazem questão de referir (21). Achei o museu pequeno e algo confuso, mas a loja e a biblioteca (e sala de leitura) eram óptimos espaços. Havia também uma exposição muito bonita e interativa sobre as memórias de um artista, Jason Wilsher-Mills, que dos 11 aos 16 anos ficou imobilizado numa cama de hospital devido a complicações da varicela (a exposição chamava-se "Jason and the adventure of 254" e foi ao revisitar o catálogo que percebi que tratava de um assunto bastante diferente do que pensei na altura). Curiosamente (ou não), um dos medicamentos de sucesso da Wellcome foi o aciclovir (Zovirax) que servia precisamente para tratar também estas complicações devidas ao vírus Herpes Zoster. Cá fora havia vários néons sobre a importância da investigação sobre antibióticos.

Fiquei instalado em Fulham e, bem cedo, fiz o caminho a pé até Pimlico Road. Logo no início, reparei num “anúncio fantasma” dos fósforos Bryant & May que abriu a fábrica em 1861 e mudou para Liverpool em 1979 (22). Chamei-lhe "anúncio fantasma" pois aparecia como sendo parte de uma espécie de caça a esses anúncios. Os fósforos tiveram nessa altura muita importância, em especial os de segurança. Falei disso ao referir o Museu dos Fósforos em Jonkoping na Suécia. É interessante, referir que a fábrica foi alvo da grande greve das "1400 raparigas dos fósforos" em 1888 que teve grande impacto nas condições de trabalho (23). Como funcionam os fósforos de segurança? Basicamente, a pouca quantidade do elemento fósforo (que é venenoso) que estes contêm está na lixa, estando na sua cabeça sulfureto de antimónio (o enxofre dá o cheiro caraterístico quando o fósforo arde), clorato de potássio (este último elemento dá alguma cor lilás quando o fósforo queima) e um corante, em geral vermelho.     

Pouco depois, deparei-me com o Cemitério de Brompton, onde entrei, o qual é bonito e muito grande. Não sabia na altura que este albergava a tumba do médico John Snow (1813-1858), pioneiro do uso da anestesia e que teve um papel muito importante no entendimento das epidemias de cólera causadas pelas águas do rio Tamisa. É por isso considerando o pai da Epidemiologia e recordado pela investigação que ligou a cólera às águas contaminadas, havendo uma placa azul comemorativa no local do seu nascimento, em York, da responsabilidade da Royal Society of Chemistry (24). 

Fui passando por vários locais e vendo sebes de diferentes plantas. Em Londres são muito usadas o louro-cerejo e o teixo, ambas plantas venenosas. A primeira tem amigdalina, molécula que contém um grupo cianeto e a segunda tem vários compostos aparentados ao taxol, o qual é usado para o tratamento de alguns cancros.

Passei junto a um bar chamado "Terra da Dopamina" e não resisti a tirar uma fotografia a uma pessoa a abir a porta. Como sabemos, a dopamina é um neurotransmisor relacionado com as sensações de prazer e o vício. Há inúmeros artigos, programas populares e livros que referem o seu papel, tanto fundamental como trágico, na sociedade moderna, nas redes socias. Esta visão é bastante simplista mas pode ter alguma razão.  

Encontrei também uma bomba de gasolina no caminho. Mais importante do que os preços e outros aspetos, achei muito interessante ver que os códigos para a inclusão de biodiesel no gasóleo e o etanol na gasolina eram semelhantes aos de Portugal (os retângulos brancos com as letras "B" e "E" e números correspondentes a percentagens). A gasolina tem um mínimo de 5% de etanol (E 5) para e o gasóleo tem um mínimo de 7% de biodiesel (B 7). Como já referi, continuamos ávidos de energia. Há uma grande procura por óleos alimentares usados para produzir biodiesel. Na verdade, várias indústrias querem óleos alimentares usados (pelo menos as dos combustíveis e as dos detergentes), mas nós cada vez menos os usamos nas nossas casas. 

Já vão longos estes passeios Químicos em Londres e, mesmo assim, muito mais haveria para dizer. Vou ficar por aqui e espero voltar em breve a Londres.   

Referências

(1) Peter Borrows, The Pimlico chemistry trail, School Science Review 66, 221 (1984)

(2) Peter Borrows, Chemistry outdoors, School Science Review 87, 23 (2006).

(3) Faraday, Michael; Formosinho, S., Prata, M. I. M., Rodrigues, S. P. J. A história química de uma vela: curso de seis lições. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. 2011. DOI: 10.14195/978-989-26-0211-0

(4) Rodrigues, S.P.J., Oliveira, F. A História Química de uma Vela de Michael Faraday dez anos depois. 1º Encontro Nacional de História da Química da SPQ, 2021.

(5) Copper Alliance. Guide to Nickel Aluminium Bronze for Engineers. https://www.inoxyda.fr/0-assets/pdf/guide-cupro-alu.pdf (acedido 15 de agosto de 2024).

(6) WCCLibraries. The Gas Light and Coke Company in Westminster. https://wcclibraries.wordpress.com/2015/08/31/the-gas-light-and-coke-company-in-westminster/ (acedido 15 de agosto de 2024)

(7) Design Museum. https://designmuseum.org/ (acedido 31 de agosto de 2024).

(8) Natural History Museum. https://www.nhm.ac.uk/ (acedido 31 de agosto de 2024).

(9) Natural History Museum. Souvenir Guide. Natural History Museum, 2024. Sempre que posso, e quando os guias não são muito caros, compro-os. É uma forma de continuar a visita, ou voltar, depois de ter ido embora, de ver peças que poderia ter visto, ou rever outras, tirar dúvidas sobre o museu que possam não estar na Internet, etc. Além disso, os guias dos museus, são objetos muito locais e acho que não faz sentido em termos económicos gastar centenas de euros a fazer uma viagem e depois não gastar alguns euros num guia. Entre um guia de um museu e um café para turistas, prefiro sempre o primeiro.

(10) Vitoria & Albert Museum. https://www.vam.ac.uk/ (acedido 31 de agosto de 2024).

(11) V & A South Kensington. Guidebook. V & A Publishing, 2024.

(12) Rodrigues, S. P. J. Química e Saúde Pública: Elementos da História de uma relação fundamental. Revista Multidisciplinar, 4(2), 57–74, (2022). https://doi.org/10.23882/rmd.22087.

(13) The National Gallery. https://www.nationalgallery.org.uk/ (acedido 31 de agosto de 2024).

(14) The National Gallery. Highlights. The National Gallery, 2023.

(15) Tate Britain. https://www.tate.org.uk/ (acedido 31 de agosto de 2024).

(16)  Tate Britain. Highlights. Tate Interprises, 2018.

(17) Tate Modern. https://www.tate.org.uk/visit/tate-modern (acedido 31 de agosto de 2024).

(18)  Inperial War Museum, London. https://www.iwm.org.uk/visits/iwm-london (acedido 31 de agosto de 2024).

(19) Imperial War Museum, London. Guidebook. IWM Publishing, 2024.  

(20) FG. Understanding Ballistic Glass: Its Composition and Functionality. https://fgglass.com/blogs-details/understanding-ballistic-glass:-its-composition-and-functionality  (acedido 31 de agosto de 2024).

(21) Wellcome Trust. https://wellcome.org/ (acedido 31 de agosto de 2024).

(22) Historic England. Bryant and May Match Factory, Bow, Greater London. https://historicengland.org.uk/services-skills/education/educational-images/bryant-and-may-match-factory-bow-10984 (acedido 31 de agosto de 2024).

(23) Historic UK. The Match Girls Strike. https://www.historic-uk.com/HistoryUK/HistoryofBritain/Match-Girls-Strike/ (acedido 31 de agosto de 2024).

(24) Royal Society of Chemistry. Health Secretary will honour tenacity of cholera pioneer. https://www.rsc.org/news-events/articles/2008/06-june/john-snow/ (acedido 31 de agosto de 2024).