[Foi há quase dois anos que estiva a visitar a Adega da Cooperativa de Figueira de Castelo Rodrigo. Uma terra fantástica que tem além da adega da cooperativa também, a alguns quilómetros, as adegas do Beyra e da Quinta do Cardo, assim como muitas outras coisas. Tudo tem muito que se lhe diga, claro, como o azeite, a cerveja ou os doces. Mas isso fica para outra altura]
Estava a chegar um carregamento de uvas da casta trincadeira, usadas para fazer um vinho monovarietal. O grau estimado com base no sumo era, salvo erro, de 13,4 graus. Entretanto, no pequeno laboratório, media-se o pH de outros vinhos, assim como o nitrogénio disponível. Esses parâmetros são necessários para se poder conduzir o processo natural para o resultado esperado: um vinho de boa qualidade e sem defeitos. A maioria das pessoas, quando ouve a palavra "laboratório", penso logo em coisas adicionadas. Não é verdade. Laboratório pode ser sinónimo de análise e controlo. Quando as uvas eram tratadas de qualquer maneira com pesticidas sem controlo nenhum, com ácidos tartárico e outros e caldas bordalesas de qualquer maneira e mesmo assim eram maus, muito maus, pareciam ser naturais, mas nunca o foram. A natureza abandonada a si própria faz o que lhe apetece e nem sempre, quase nunca, o que nós queremos.
Numa outra parte é feita a flotação com nitrogénio para separar a matéria particulada e ficar o vinho clarificado. O nitrogénio existe naturalmente, ocupando 78% da nossa atmosfera. É um gás inerte à temperatura ambiente, ao contrário do oxigénio que reagiria com o mosto. Este processo pode ser complementado com a utilização de enzimas clarificadoras. Estas enzimas são o equivalente actual e mais racional, seguro e higiénico do uso ancestral de carcaças de animais, cuja matéria azotada contribuía para essa clarificação.
A produção de vinho é um processo natural milenar que se baseia, como é bem conhecido, na fermentação das uvas. Na ausência de oxigénio, um conjunto de bactérias, que existem naturalmente nas uvas, oxida o açúcar destas, originando etanol. Ao longo dos séculos este processo tem sido melhorado e é hoje muito bem conhecido, sendo possível conduzi-lo para o resultado que gostamos em vez de seguir um dos muitos outros processos, também naturais, que podem conduzir a rsultados que não queremos como sejam os maus vinhos e a formação de vinagre. Hoje em dia, por exemplo, como a selecção de enzimas e da temparatura adequadas obter vinhos naturais de 17%. A produção de vinho é um processo concebido pela natureza mas que é conduzido e controlado pela ciência.
Um exemplo muito interessante da transformação de uma desvantagem numa oportunidade é contado a seguir. As uvas brancas da casta síria em Outubro tinham a tendência natural, devido ao terroir particular de Figueira de Castelo Rodrigo, para originar um vinho com uma cor salmão. Isso era considerado um problema pois tratava-se de um vnho branco e não de um vinho rosé. Estudando o processo, a enóloga Jenny Silva e outros investigadores verificaram que a cor era devida à produção natural pelas uvas das antocianinas, delfinidina, petunidina, cianidina, peonidina, e malvidina, ligadas, cada uma, a uma molécula de glicose, com concentrações entre 0.1 e 75 mg/L, e que era possível controlar e estabilizar o processo por forma a que o vinho sofresse alterações de cor durante o processo. Dessa investigação, que teve bastante impacto nos meios de comunicação nacionais, resultou uma patente internacional e um vinho único que é comercializado com a marca “Pinking”. De salientar que o processo envolve também algumas simplificações com vista à maior sustentabilidade do processo. Desta forma, uma desvantagem tornou-se uma oportunidade.
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