Passeio químico em Aveiro [Chemical trail in Aveiro]

[Uma parte deste passeio foi realizada fisicamente no dia 30 de março de 2019 pelas 15 horas. Foi apoiado pelo Centro de Ciência Viva Fábrica, publicitado e noticiado em páginas e jornais locais e foi referido nas actividades no Ano Internacional da Tabela Peródica da revista da Sociedade Portuguesa de Química (SPQ). A revised machine translation will be included in the writings. 

Começámos no parque de Santo António, em frente ao Centro de Ciência Viva Fábrica (o percurso está disponível com o Google Maps).

Já várias vezes falámos neste blogue do cheiro da relva cortada, que é muito característico. Tem que ver com moléculas, claro, mas também com o nosso sistema olfativo e com concentrações. Provavelmente não foi referido aqui, mas a relva é uma planta especial que suporta o corte e volta a crescer. Precisa, no entanto, de muita água. Por isso, se for cortada e regada, acaba por voltar a crescer.

Há um aspecto que tem que ver com o cheiro da relva cortada que é o das patentes! Como? - dirão. De facto, as patentes são importantes em química pois asseguram que um determinado produtor pode usar exclusivamente, durante um tempo limitado (normalmente 20 anos), aquela molécula ou processo. Há coisas que não podem ser patentadas como aquelas que já eram conhecidas ou aquelas que já estão publicadas. Por isso, as pessoas interessadas em patentear não publicam. As patentes envolvem advogados especializados e moléculas que ainda não existem (nomeadamente as chamadas moléculas “proféticas”) para evitar que as patentes possam ser contornadas. É de notar que o desenvolvimento é muito caro, especialmente o farmacêutico, e por isso pensa-se tem de ser protegido de alguma forma. Nos EUA existia até 2012 a primazia da descoberta, por isso os cadernos de laboratório eram tão importantes, mas temos situações cinzentas (e neste caso de transição). Por isso, só há pouco tempo foi resolvida a disputa que durava há vários anos sobre o CRISP-9. Poderíamos falar interminavelmente sobre as patentes, mas há uma pergunta que vos pode ter intrigado. Que é que isso tem que ver com o cheiro a relva? Tem muita coisa! Um produtor queria vender bolas de golfe com cheiro a relva e queria proteger o seu negócio. Assim, o primeiro passo foi patentear a ideia, mas isso não bastava. Esta teria de ser exequível e patentável. Logo, foi também patenteado um cheiro artificial de relva, completamente definido em termos de moléculas e quantidades, para colocar nas bolas! Sabem o que aconteceu? Adivinham? Quase ninguém teve interesse nessas bolas de golfe e a patente (que custa muito dinheiro anualmente) foi abandonada! E é isto que acontece com as patentes: muitas não têm retorno financeiro.      

De onde estávamos viam-se alguns painéis solares. Já falei deste tipo de painéis noutro passeio. As pessoas pensam nestes como sendo uma coisa física mas tem muita química, como já expliquei. Desde logo a separação entre os painéis que só aquecem a água das células que poduzem electricidade. O normal é últimos serem baseados em silício monocristalino dopado, como já referi, mas as células de corantes têm muito interesse pois são de baixo custo e podem ser transparentes, aproveitando a radiação ultravioleta. O armazemamento da energia é outro problema a ser resolvido, pelos químicos, claro.

Neste parque há também uma amoreira branca. Esta árvore está supostamente na origem do papel, inventado pelos chineses. A química o papel têm também muito que se diga. Desde o fabrico das pastas até aos aditivos e branqueadores, passando pelo controlo de qualidade, os efluentes e o seu tratamento, assim como os odores. Mais coisas de que poderíamos falar interminavelmente. Neste parque podemos encontrar, obviamente, muitas outras plantas. Além das referidas é digno de nota o Allium triterpium, rico em saponinas, um tipo de moléculas que tem um parte apolar e outra polar, muitas com trinta carbonos, triperpenos, da família dos isoprenos, que usam como base o isopreno C5H8. Estas moléculas por dissoverem as gorduras na parte apolar e serem solúveis em água pela parte apolar têm a particularidade de fazerem bastante espuma e poderem ser usados como sabões naturais.

No Parque Infante D. Pedro podemos encontrar um teixo e referir a origem e desenvolvimento do taxol (paclitaxel). De facto, este composto usado contra o cancro foi descoberto no tronco de um teixo mais raro numa pesquisa sistemática dos anos setenta. Actualmente, faz-se um transformação química num composto mais comum e sustentável presente nas folhas do teixo comum e obtem-se o paclitaxel de forma indirecta. Evita-se assim a tragédia ecológica que seria a procura dos troncos de uma árvore muito rara.

Neste parque podemos também observar uma gruta artificial com as suas estalactites, um consultório dentário, uma loja de colchões, azulejos, entre muitas outras coisas. Como referi, podemos encontrar química em todos os objectos. E não é suficiente para os perceber saber de que são feitos. A maior parte dos objectos que nos rodeiam foi alvo de transformações químicas.

O monumento ao Egas Moniz está no hospital de Aveiro e não o encontrámos neste passeio. O Egas Moniz é o nosso único prémio Nobel científico. Claro que podemos discutir as circunstâncias que rodearam estes trabalhos, mas não podemos olhar para o passado com os olhos de hoje. A clorpromazina para as psicoses só surgiu nos anos 1950, por exemplo. Outro aspecto é a descoberta da angiografia que seria muito mais interessante em termos de prémio, mas mesmo essa não será isenta de problemas, como os dos materias opacos usados para visualizar as veias. Destes tem especial interesse o uso de moléculas contendo o elemento tório que, sendo radioativo, poderia provocar danos mais tarde, por exemplo.    
No Museu de Santa Joana são também vários os aspectos que podem ser referidos.Os pigmentos das obras de arte, o restauro destas, entre outros. O armário da botica do convento onde se instalou o museu fica na entrada e é uma interessante peça a explorar. As pedras da calçada que representam o "grafeno" são também uma visão surpreendente. Finalmente, o jardim de ervas aromáticas é outro ponto de interesse.

 As lojas de ovos moles e conservas apareceram a seguir no nosso

percurso. Aqui poderemos falar da química dos ovos moles e das conservas, por exemplo. No caso dos ovos moles, vale a pena referir que estes são feitos com gemas de ovos crus e de açúcar (sacarose) que faz a sua conservação. A composição das gemas de ovos é muito complexa, mas a sacarose é uma molécula quase pura. A produção de açúcar a partir de cana ou beterrabas sacarinas seria outro ponto de intresse deste passeio. Os ovos moles de Aveiro foram certificados e continuam a ser estudados.

Na ponte sobre a ria podemos ver estátuas de bronze, em particular a do fogueteiro e a do molicieiro. No caso do fogueteiro pode ser interessante referir a química dos foguetes e das suas cores. O “fogo” era uma coisa muito comum e todas as ocasiões serviam para o usar, diz quem sabe. Hoje não é assim. Por um lado evitamos usar o “fogo” no verão que pode provocar incêndios e por outro procuramos versões mais ecológicas e sustentáveis desta actividade humana milenar. Actividade humana muito antigo é também a do uso dos moliços para adubar os terrenos. Mas nem os moliços nem os excrementos, tratados ou naturalmente curtidos, são suficientes para a agrucultura actual. Os adubos naturais versus fertilizantes artificiais é um tema interessante e na ordem do dia. Os adubos artificiais foram descobertos no início do século vinte e foram a maior revolução em termos de vidas salvas da fome. Curiosamente, os vendedores de adubos naturais já nessa altura realçavam esse aspecto (serem “melhores” por serem naturais). Nesse ponto do passeio poderemos também referir a química da água e da sua composição, análise e controlo, entre outras coisas.

Na avenida Lourenço Peixinho encontramos o monumento aos combatentes da grande guerra que é uma oportunidade para falar da química ligada à guerra e à paz. Também poderemos referir o bronze e outros ligas metálicas presentes neste monumento.

Mais à frente temos uma vista sobre os canais da ria e das salinas. É mais uma oportunidade para referir várias coisas, nomeadamente a forma como a solubilidade permite que precipite o sal da forma que o conhecemos. No átrio do hotel do Hotel As Américas encontrei algumas encenações e explicações das salinas e do sal. Cá fora, no jardim, existe um arbusto Callistemon spp. que insprou um herbicida como já referi. Junto à estação de caminho de ferro encontramos vestígios de painéis antigos da CUF. Aqui poderemos referir a evolução da industria química, entre outras coisas.

Ainda na avenida Lourenço Peixinho encontramos casas com vidros e azulejos antigos. No caso dos vidros, só recentemente estes são planos e muito grandes e sem imperfeições, pois foram implementados novos processos. Aqui, podemos também ver os  efeitos do tempo nos materiais.

A Casa Municipal da Cidadania funciona no antigo dispensário antituberculoso. Aqui poderemos falar da evolução do tratamento da tuberculose e dos antibióticos usados para esta micobactérica. Ao lado da Casa Municipal da Cidadania encontrámos durante o passeio uma loja com um solário que nos levou aos efeitos da fotoquímica.

No canal podemos ainda ver uma antiga fábrica de cerâmica. Aveiro é bastante conhecida pelo fabrico de cerâmicas, desde as faianças aos azulejos. Seguimos daqui para uma ponte com cadeados e  fitas e chegámos a um centro comercial. 

Acabámos por aqui, mas a química e os seus efeitos vêm connosco.

[Actualizei a parte das patentes a 18 de setembro de 2020]

[translation]

Chemical trail in Aveiro

We started in Parque Santo António, in front of the Ciência Viva Fábrica Center that supported this trail (the route is available with Google Maps).

We have already spoken in this blog several times about the smell of cutted grass, which is very characteristic. It has to do with molecules, of course, but also with our olfactory system and concentrations. It was not mentioned here, but the grass is a special plant that supports cutting and growing again, but it needs a lot of water. So if it is cut and watered, it ends up growing again.

There is an aspect that has to do with the smell of cutted grass which is that of patents! How is this possible? - you say. In fact, patents are important in chemistry as they ensure that a given producer can use that molecule or process exclusively, for a limited time (usually 20 years). There are things that cannot be patented like those that were already known or those that are already published. Therefore, people interested in patenting someting do not publish it. Patents involve specialized lawyers and sometimes molecules that do not yet exist (the so-called "prophetic" molecules) to avoid as much as possible that patents can be circumvented. It is to be noted that the development is very expensive, especially the pharmaceutical one, and therefore it has to be protected somehow. In the USA we have till 2012 the primacy of discovery (now changed to primacy of file), which is why laboratory notebooks are so important, but we have dubious situations (in this case we had a mix transition situation). The dispute that lasted for several years over CRISP-9 was only recently resolved, for example. We could talk endlessly about patents, but is there a question that has puzzled you? What does patents have to do with the smell of grass? It has something, of course! A producer wanted to sell grass-smelling golf balls and wanted to protect his business. So, the first step was to patent the idea, but that was not enough. That must be feasible and patentable. So, a completely defined artificial grass smell was also patented (to put on the balls)! Do you know what happened? Guess what? Almost nobody was interested in these golf balls and the patent (which costs a lot of money annually) has been abandoned! And this is what happens with some patents: Many have no financial return.

From where we were, there were some solar panels. I already mentioned these devices on another tour. People think of these as being a physical thing but it has a lot of chemistry, as I explained.  Starting form the separation form heating to producing electricity ones. The normal electricity producion ones are based on doped monocrystalline silicon, as I mentioned, but the dye cells are very interesting because they are low cost and can be transparent, taking advantage of ultraviolet radiation. Storage is another problem to be solved by chemists, of course.

In this park there is also a white mulberry tree. This tree is supposedly at the origin of the paper, invented by the Chinese. Chemistry and paper also have a lot to say. From the manufacture of pastes to additives and bleaches, through quality control, effluents and their treatment, as well as odors. We could talk  about this things endlessly. In this park we can obviously find many other plants. In addition to those mentioned, it is worth noting the Allium triterpium, rich in saponins, a type of molecules that has a nonpolar and a polar part, many with thirty carbons, triperpenes, from the isoprene family, which use C5H8 isoprene as a base. These molecules by dissolving fats in the nonpolar part and being soluble in water by the nonpolar part have the particularity of making a lot of foam and can be used as natural soaps.

At Parque Infante D. Pedro we can find a yew tree and refer to the origin and development of taxol (paclitaxel). In fact, this compound used against cancer was discovered in the trunk of a rarer yew in systematic research from the seventies. Currently, a chemical transformation is made into a more common and sustainable compound present in the leaves of the common yew tree and paclitaxel is obtained indirectly. This avoids the ecological tragedy that would be the search for the trunks of a very rare tree.

In this park, we can see also an artificial cave with its stalactites, a dental office, a mattress store, tiles, among many other things. As I mentioned, we can find chemistry in all objects. But this is not enough to understand them. Most of them have undergone chemical transformations.

The monument to Egas Moniz is in the hospital and we did not find it in this tour. Egas Moniz is our (Portuguese) only scientific Nobel Prize. Of course we can discuss the circumstances but we cannot look at the past with today's eyes. Chlorpromazine for psychoses only appeared in the 1950s, for example. Another aspect is his discovery of angiography, which would be much more interesting I think, but even this will not be free from problems like the opaque materials used to visualize the veins. Of these, the use of thorium which is radioactive could cause damage later, for example.

At the Santa Joana Museum there are also several aspects that can be mentioned. Pigments, restoration, among others. The convent's pharmacy cabinet is at the entrance and is an interesting piece to explore. The cobblestones that represent "graphene" are an amazing sight. The aromatic herb garden is also another point of interest.

The stores of “ovos moles” and “conservas” appeared next on our route. Here we can talk about the chemistry of “ovos moles” and “conservas”, for example. In the case of “ovos moles”, it is worth mentioning that they are made with raw egg yolks and sugar that preserves them. The composition of egg yolks is very complex, but sucrose (sugar) is almost pure. Aveiro's “ovos moles” have been certified and are still being studied.

On the bridge over the estuary we can see bronze statues, in particular the rocket man and the molicieiro. In the case of rockets, it may be interesting to mention the chemistry of rockets and their colors. The "fogo" (fire) was a very common thing and every occasion served to use it, says who knows. Today it is not so. First, we avoid using “fire” in the summer, which can cause fires, and we look for more ecological and sustainable versions of an ancient human activity. A very old human activity is the use of molasses to fertilize the land. But neither the molasses nor the treated or naturally tanned excrements are sufficient for today's agriculture. Natural versus artificial fertilizers are an interesting topic and on modern agenda. Artificial fertilizers were discovered at the beginning of the century and were the biggest revolution in terms of lives saved from hunger. Interestingly, the sellers of natural fertilizers already emphasized that aspect (being natural). At this point we can also refer to the chemistry of water and its composition, analysis and control, among other things.

On Rua Lourenço Peixinho we find the monument to the combatants of the great war. Another opportunity to talk about chemistry linked to war and peace. We can also refer to bronze and other metal alloys.

But at the front we have a view over the channels of the estuary and the “salinas” (salt flats). Another opportunity to mention a lot of things, namely the way in which solubility allows salt to precipitate as we know it. In the hotel lobby of the Hotel “As Américas” I found some scenarios and explanations of the salt and salt and outside, in the garden, there is a Callistemon spp shrub. who is in the origin of a herbicide. Next to the railway station we find traces of old CUF panels. Here we can mention the evolution of the chemical industry, among other things.

Still on Avenida Lourenço Peixinho we find houses with old tiles and glass windows. In the case of glass, only recently they are flat and very large. We can also see the effects of time on materials.

The Municipal House of Citizenship is in the old anti-tuberculosis dispensary. Here we can talk about the evolution of tuberculosis treatments. Next to the Municipal House of Citizenship we found a store with a solarium that takes us to the effects of photochemistry.

In the canal we can see an old ceramic factory. Aveiro is well known for the manufacture of ceramics, from dishes to tiles. We went to a bridge with padlocks, ribbons and arrived at the shopping center. The chemical trail finished here, but chemistry remained with us.

[versão de 30 de Agosto de 2020] 

[The text about patents was corrected september 18, 2020]

De novo um passeio químico em Coimbra

[No dia 24 de julho de 2020 das 11 às 12:30 orientei um passeio químico no âmbito de uma ação de formação para professores na Universidade de Coimbra. O passeio já foi realizado de várias formas e tinha como objectivo também reflectir sobre as possibilidade de usar esta material no ensino. Estes foram integrados nas actividadees de estagiários e um deles (o Mário Gomes) inseriu-os em parte numa aplicação de smarphone, o Geotourist (https://geotourist.com/), “Da escola à universidade...um percurso químico” (https://geotourist.com/tours/2729)]

Começámos na Porta Férrea, local emblemático de Coimbra, onde se pode falar sobre a corrosão dos metais e a degradação das rochas, entre outras matérias. Nos Arcos do Jardim poderíamos completar com mais informações mas acabamos por não chegar aí neste passeio.
Parte das informações e do passeio estão disponíveis aqui.

Vale a pena referir que poderemos usar cadernos de micas, fazer projecções, entre outras coisas. Ou usar outras aplicações de smartphone, nomeadamente para a avaliação.

Na Porta Férrea, além do usual, contei a história da penicilina natural e semi-sintética, que nos acompanha no nosso dia-dia. De forma resumida, diz-se que a penicilina foi descoberta em 1928, por Alexander Fleming, quando notou que uns fungos matavam bactérias. Não é bem assim. Aparemente Fleming não foi o primeiro, mas foi o primeiro sim a pensar nisso como um medicamento. Mas não consegiu isolar o produto a que chamou penicilina. Foi preciso chegar a 1940, tendo dois investigadores e a sua equipa, Flory e Chain isolado a penicilina, mas em pequena quantidade (os três ganharão o prémio Nobel em 1945). Estava-se no meio da segunda guerra mundial e essa descoberta deu origem ao “projecto penicilina” que envolveu milhares de investigadores de universidades e indústrias o qual tinha dois objectivos. Produzir penicina em grande quantidade (o que conseguiram em 1943 usando tanques de fermentação) e obter penicilina por métodos sintéticos (este falhou e só foi conseguido no final dos anos 1950 por Sheehan e a sua equipa). Notamos que para produzir penicilina por métodos sintéticos tinha de saber a sua estrutura, o que só foi consegido em 1944. Mas além disso, o anel beta-lactâmico era muito sensível. Só depois de Sheean fazer a síntese total (sem interesse esconómico), este percebeu com se poderiam produzir penicilinas semi-sintéticas. Um exemplo é a amoxililina que surgiu nos anos 1970 e tem um grupo amina e outro álcool que não existiam na versão natural. Isso tudo é acompanhado de modelos moleculares que trago comigo. Mais adiante falámos sobre as várias fases da descoberta dos medicamentos e das entidades que os regulam, assim de quem os inventa e sintetiza. Hoje em dia, mais de metade dos medicamentos aprovados não têm inspiração natural, mas mesmo os designados naturais, para serem sustentáveis, muitas vezes têm de ser produzidos em laboratório.

O passeio prosseguiu pelo lado direito da universidade onde falámos dos brancos de chumbo e de titânio e de como os podemos identificar. Os brancos de chumbo vão ficando amarelos devido à formação de sulfureto de chumbo que é negro. Uma tinta de chumbo fica negra na presença de um sulfureto, por exemplo. Por outro lado, ambos se distinguem facilmente fazendo raios-X. Falámos aqui de como o titânio era considerado seguro em contacto com o corpo humano mas há alguma discussão sobre as nanopartículas, em especial quando inaladas. Convém notar que as nanopartículas têm como característica serem de tamanho nanométrico (zero vírgula nove zeros de metro), mas terem também propriedades diferentes. Deveremos acompanhar sempre as discussões com bastante espírito crítico.

Mais adiante, falámos das plantas presentes nos muros e das plantas infestantes que poderemos ver nas cidades. Vimos exemplares de viúvas (Trachelium caeruleum) e ailantos (Ailanthus altissima, infestante que iremos ver em vários monumentos).

Referi que as plantas comunicam entre si e fazem guerra quimica umas às outras usando moléculas e, claro, química. Referi ainda os herbicidas e o seu desenvolvimento, assim como as verificações e análises por que passam (a ailantona é um candidato a pesticida, por exemplo).

Outro aspecto interessante que por vezes não é bem compreendido são os antioxidantes. De facto, as plantas estando sempre expostas ao Sol têm de se proteger...

Aqui poderemos falar de reciclagem (temos ecopontos em frente). Depende dos países mas, em Portugal, separamos os vidros (ecoponto verde), dos papéis (ecoponto azul), dos plásticos e metais (ecoponto amarelo). Discutimos a questão da limpeza e da separação. Nos ecopontos indicam que recolhem e o que não é desejado. Vidros de embalagem, papéis vulgares, não plastificados, etc. Para não dar indicações erradas, que podem ser mal-interpretadas, sugiro que deveremos seguir as indicações, mas não faz muito sentido lavar exaustivamente as embalagens antes de as colocar no ecoponto. Há razões para o fazer minimamente e há outras para não exagerar. Poderíamos falar das leis em vigor e falámos das embalagens multiplas, nomeadamente daquelas que são plástico, alumínio e papel (vulgo embalagens tetra pack) e dos artigos e relatório existentes sobre a questão. Reciclar não pode ser visto como um único objectivo. Além de recusar, reduzir, reusar e reparar poderemos repensar e reinventar. Qando as misturas de materiais são complexas ou estão contaminadas, por vezes não vale a pena reciclar. O ciclo completo dos produtos deve ser analisado. A sustentabilidade e economia circular devem ser maximizadas. Os CDR (os combustíveis derivados de resíduos) são uma alternativa à reciclagem que tem ganhos em relação ao aterro sanitário, por exemplo.

Daqui fomos ver uma canforeira e referi a molécula que todos conhecem, a cânfora. Podemos partir um ramo de cânforeira e sentir o cheiro que se vai desvanendo. Isso leva-nos à volatilidade. Só cheiramos o que é volátil, por exemplo. É muito curioso que as plantas desenvolveram estas moléculas como legos, a partir de uma base comum de isopreno (C5H8). No caso da cânfora temos a fórmula C10H16O mas esta molécula, embora partilhe a fórmula comum, é única, devido à sua estrutura tridimensional (se chegássemos ao Jardim Botânico poderíamos falar da química de outras árvores, mas temos plantas em todo o lado que contam histórias químicas interessantes.

Mais à frente falámos dos tubos de PVC (policloreto de vinilo) e de outros polímeros (alguns deles designados como plásticos) referindo de novo a questão da reciclagem. Temos muitos plásticos usados em embalagens, mas há códigos para aqueles que são recolhidos e reciclados. No caso do PVC aparece PVC, no Polipeleno PP, poliestireno PS (quando expandido conhecido como esferovite), poliéster ou PET (nas garrafas polietileno terftalato) e PEHD e PELD polietileno de alta e baixa densidade. Todos podem ser identificados e separados pelos seus espectros característicos ou outras propriedades. Voltaremos a estes aspectos noutros passeios.

Vimos também alguns fungos e fiz notar como alguns destes são parecidos com as pastilhas elásticas no chão. Vimos uma planta aromática conhecida como guarda-fatos ou santolina (Santolina chamaecyparissus), um sobreiro (poderíamos aqui falar da química da cortiça, tão importante para Portugal, mas isso fica para outro passeio).
 
Na Rua da Ilha, referi os ares condicionados e quem inventou os CFC (clorofluorocarbonos) e a gasolina com chumbo nos carros. Discutimos essas questões e outras, assim como as várias soluções existentes e a regulação. Referi também o REACH (Registration, Evaluation, Authorisation and restriction of Chemicals), uma base de dados fundamental que regista os compostos químicos usados na União Europeia.

Falámos da talidomida e de como esta molécula não chegou aos EUA devido ao FDA (Food and Drug Administration) que exigia mais testes e poderíamos discutir de como estes foram implementados depois da tragédia. Muitas pessoas ainda olham para o passado como se fosse hoje, mas não, felizmente. Uma das coisas que se aprendeu é a prever e simular, a testar de forma exaustiva antes de usar algo novo. A tragédia que aconteceu seria muito improvável hoje em dia devido aos reguladores e testes clínicos. Referi ainda como ironicamente esta molécula encontrou um novo caminho na cura da lepra e de certos cancros.

Vimos nesta rua a Imprensa da Universidade de Coimbra que funciona no antigo Instituto de  Coimbra. Referi um pouco da sua história e, entretanto, chegámos à Sé-Velha. Referi a rochas de que esta é feita e o restauro da Porta Especiosa - vimos a inscrição em árabe.


Passámos pelo Museu Machado de Castro que tem várias pinturas a ver e analisar em termos químicos. Das actividades interdisciplinares que podem ser feitas ali, entre outras.
Chamei a atenção para o gesso que podemos encontrar nos monumentos, devido ao dióxido de enxofre, e dos efeitos do carbono que se inscrusta nos monumentos e (de novo) nas pastilhas elásticas.

Concluímos o passeio na universidade. São precisos químicos para descobrir novas moléculas e analisar outras. As moléculas que são vendidas nas farmácias e são usadas para curar as pessoas foram inventadas ou descobertas por alguém – um químico ou químico ou químico medicinal e a sua equipa. Os materiais sustentáveis e circulares foram inventados por alguém - um químico e a sua equipa. Os alimentos, as obras de arte e os medicamentos foram controlados e analisados por alguém. A atmosfera de outros planetas e os segredos do universo, não aparecerem do nada. Os instrumentos e os métodos foram pensados por alguém. Alguém que sabia e praticava química!

Passeio à procura do papel térmico

[Enquanto não tenho tempo para completar os passeios químicos em Figueira de Castelo Rodrigo, Aveiro e no estrangeiro falo de uma coisa que vemos todos os dias mas quase não reparamos]

Está em todo o lado. Mas contas de supermercado, nos pagamentos, nos restaurantes e multibancos, por exemplo. Imagino que muitas contas já tenham ficado pretas quando borrifadas com álcool. Porque será? Nunca se perguntaram? Segundo averiguei o álcool não é reagente mas solvente, permitindo que os reagentes que que se juntavam com o calor se juntem também sem este.
A ideia surgiu nos anos sessenta e agora quase todos a utilizam. Há um matriz sólida de um corante que é activado por um ácido quando o papel é aquecido. Mas claro o desenvolvimento não fica por aqui. Queremos que o papel seja ainda mais seguro e foi eliminado o bisfenol A (BPA) há um ano na UE. Nunca estamos satisfeitos. Os cientistas as intutuições estudam todas as coisas e procuram alternativas. Queremos que o papel não desapareça com a luz solar e ao longo do tempo, queremos que o papel seja ainda mais seguro. Tudo isto são oportunidades. No papel, nos corantes, nos reagentes, nos protectores solares.
A próxima vez que pedir o número de contibuinte ou o talão pense nisso. Não tema a química e a ciência em geral. Pode vigiá-las, conhecê-las, discutí-las, ou admirá-las. Mas não as deve temer, não há razões para isso.      

Passeio químico em Figueira de Castelo Rodrigo (I)

[O primeiro passeio químico em Figueira de Castelo Rodrigo foi proposto à Plataforma da Ciência Aberta no âmbito do congresso SciCom 2018 e teve o apoio de várias pessoas de que destaco a Ana Faustino, assim como de vários livros e guias. Começou atrasado, porque eu vinha de Coimbra e tinha uma aula, cheguei tarde. A ideia de juntar um grupo de alunos mais velhos da Academia Senior a uma turma do nono ano era arriscada, tanto mais que aquelas pessoas não me conheciam e tiveram de esperar por mim e, além disso, eu próprio não conhecia o lugar fisicamente (“viajei” via Google maps, a Ana enviou-me fotografias e respondeu a várias dúvidas). Eu tinha um conjunto de lugares pensados e trouxe vários objectos. A maioria dos alunos revelaram-se interveniente. Nomeei o aluno mais inquisitivo como assistente e comecei pelas rosas que estavam em frente à Câmara Municipal. Depois andámos e discutimos um pouco (os elementos da Academia foram também bastante intervenientes). No final algumas alunas ficaram a conversar, o que achei bastante simpático. Como cheguei tarde o passeio foi curto. Voltei mais tarde, a convite da Plataforma da Ciência Aberta e participei em várias actividades: passeio químico na Escola de Figueira, almoço com um grupo de alunos, conversa sobre o fabrico de cerveja num bar em Castelo Rodrigo e passeio multidisciplinar no dia seguinte. Das muitas actividades que tive ali surgiu este passeio químico que como disse teve a colaboração de várias pessoas.]

Os azulejos envolvem, como é sabido, bastante química. Os da entrada da Câmara Municipal da Câmara Municipal de Figueira de Castelo Rodrigo merecem uma visita. Segundo a Ana Faustino se inteirou estes foram aplicados e pintados aquando da construção do edifício em 1892. Na praça onde está a Câmara poderemos ver outros azulejos (numa casa que estava em 2018 abandonada) que merecem também uma olhadela. Estes são da fábrica Aleluia de Aveiro. O estilo é inconfundível e estão assinados com o nome da fábrica. A fábrica foi criada em 1905 pela famíla Aleluia e tinha outro nome. Esta ainda existe e faz azulejos modernos. Tem uma página muito interessante, mas não esqueceu o passado. Voltarei a este assunto num passeio especificamente sobre os azulejos. Os azulejos são feitos essencialmente de caulino e são cozidos a altas temperaturas, perdendo de forma irreversível água e formando ligações permanentes que não existiam. Depois são pintados e levam um vidrado. Este útimo é de sílica e óxido bórico, além dos outros óxidos. De sódio, potássio, chumbo e alumínio, presentes também nos vidros. A cor azul cacterística é devida ao cobalto. Quando os iões de cobalto II estão num ambiente tetraédricos são azuis. Os mais claros são de aluminatos e mais escuros de silicatos. O amarelo é devido aos cromatos de chumbo. Isto na Câmara Municipal que só tem duas cores. Nos outros vamos encontrar mais cores em particular o verde e o lilás que poderá ser devidos a sais de crómio o primeiro e misturas de sais o segundo, mas só uma análise química permitirá verificar. No que concerne às actividades representadas, além das históricas e locais (Figueira de Castelo Rodrigo esteve do lado dos espanhóis e por isso foi castigada por D. João IV a exibir o brasão ao contrário, e Escalão esteve, corajosamente, do lado dos portugueses, mas isso fica para outras histórias), temos as artes agrícolas daqui: o cultivo  das terras, o pastoreio e o azeite. Curiosamente não é referido o vinho que está agora muito presente, como já referi, em Castelo Rodrigo. Será que não tinha a mesma relevância no final do século dezanove? Sobre o vinho já falei e sobre as artes agrícolas, do cultivo e ceifa, da produção de azeite e pastorio falarei noutro passeio.

A cegonha é o ex-libris de Figueira de Castelo Rodrigo. Incialmente parecia-me uma cegonha de loiça ao estilo de de Bordalo Pinheiro, mas a Ana Faustino disse-me que o material da estátua seria cimento armado com ferro na estrutura. Disse-me ainda que esta cegonha era uma homenagem a uma cegonha que em tempos viveu em Figueira de Castelo Rodrigo, a cegonha Joana. Esta cegonha tinha uma asa partida e foi acolhida pelos bombeiros de Figueira. Segundo a Ana, a cegonha Joana ficou muito conhecida em Figueira porque andava pelas ruas a bater à porta das pessoas para pedir comida. O cimento armado é um material pouco usual e difícil de trabalhar para estátuas penso eu. Tem de ser armado com ferro porque o cimento é muito fluido. Não vi os pormenores como foi feita e pintada, mas achei notável o material. Provavlemente os tanque e amuradas são do mesmo material. O cimento é uma rocha especial que tem carbonato de cálcio e aluminato e que perde dióxido de carbono e água quando aquecido a temperaturas bastante altas. Fica um pó que misturado com água e areia vai enrigecer de forma definitiva mesmo em contacto com a água. O ferro pode ser usado para lhe dar estutura e reforço dentro dos moldes conhecidos como cofragens. Para fazer estátuas envolverá moldes detalhados ou a aplicação com menos água, acho eu. A rever no local ou noutros passeio... No parque temos também muros de xisto mas também já falei destes noutros locais.        

As árvores do parque foram identificadas e têm histórias para contar, as quais foram já referidas noutros passeios ou, sendo novas, ficam em parte para outros passeios. Notámos várias tílias e cevadilhas, por exemplo, já referidas noutros passeios, mas aquela que nos chamou mais a atenção foi um grande ailanto (Ailanthus altissima) isolado no meio do parque Serpa Pinto. Trata-se legalmente de uma planta infestante. Crescem muito rapidamente e espalham-se se não forem controladas, mais do que as clássicas e conhecidas acácias. A Estrada da Beira, em 2018, estava cheio de ailantos, por exemplo. O controlo é até relativamente fácil, uma vez que é uma ávore com os sexos separados (diz-se que dióica) que pode ser controlada naturalmente controlando só as fêmeas, disse-me um botânico. O que me chamou a atenção é ser bastante tóxica. Tem um composto, a ailantona, que tem um LD50 (ou seja que mata em média 50%) de nove miligramas por kilograma, o qual está a ser estudado por aleloquímica como base de um insecticida ou herbicida natural, mas tem muitos efeitos secundários. Como já aqui referiri, as plantas comunicam com química e fazem guerra química umas às outras. Notem que tendo 0,01% na casca este composto só é venenoso para grandes quantidades de casca ou folhas.

No parque existe também pelo menos uma robínia (Robinia pseudoacacia). Trata-se de uma árvore muito bonita que tem os dois sexos, ou seja é hermafrodita, ou monoíca, e que é considerada também infestante. Segundo o sítio das infestantes, esta árvoresespalha-se mais por proliferação vegativa do que por polinização. Tal como as acácias, a robínia é difícil de eliminar porque cortar não chega, volta a rebentar. A solução para as acácias é cortar-lhes as cascas e deixá-las secar. Mas isso é assunto para outros passeio que envolve um material das acácias que se torna assim muito mais visível: a goma arábica é usado para colas e alimentos e eu, quando era pequeno, usava-a para colar cromos. Outro assunto a voltar. 

O nome do Largo Serpa Pinto vem do explorador Alexandre de Serpa Pinto mas não foi encontrada, que eu saiba, uma ligação directa deste a Figueira. A “Fonte dos Pretos” poderia ser parte dessa ligação, pelo nome, mas não tenho a a certeza. Também é um ex-libris de Figueira de Castelo Rodrigo com várias estórias associadas. Neste momento a água não é potável (tem até um sinal disso) ou não é vigiada, mas em geral seria. É conhecida assim por as caras dos meninos que dão água serem escuras mas estes não têm feições africanas como o nome faria supor. As caras são negras devido a oxidação do ferro mas inicialmente seriam douradas penso eu. De facto, parecem ter uma cobertura fina de latão. O latão é uma liga de cobre e zinco e não se oxidaria mas o ferro oxida-se criando este efeito.

Os equipamentos do parque infantil merecem um olhar, nomeadamente pelo seu uso de plásticos, mas isso fica para outra vez, uma vez que o passeio já vai longo. Estes permitem um uso mais sustentável, maior flexibilidades e recurso a melhores cores e mais segurança. Coisas quue não seriam possíveis apenas com outros materiais como a madeira e os metais. Também o chão merece alguma atenção. Trata-se, penso eu, da reciclagem de outros plásticos e é muito flexível e seguro. Nas ruas laterais há uma antiga loja de eletrodomésticos (ainda com eletrodomésticos no interior) que pode ser usada para contar histórias. Tenho visto em vários sítios vidros antigos, mas achei interessante falar deles em Figueira de Castelo Rodrigo. O vidro antigo nota-se por ter irregularidades devido ao seu processo de produção o qual foi modificado nos anos 1950 com o já referi anteriormente. Tudo isto fica para outros passeios. Em Figueira de Castelo Rodrigo, em Escalhão, na reserva da Ribeira Brava, em Barca de Alva e outros locais.

Objectos simples que poderemos levar para os passeios químicos

A ciência e a técnica modernas são feitas em grande parte recorrendo a enormes equipamentos (cada vez mais precisos e mais pequenos quando é possível), com grandes equipas de pessoas e estruturas, envolvendo muito dinheiro para salários, equipamentos e consumíveis. É assim. Os cientistas, como os outros, não vivem de ar e fazem trabalhos cada vez mais complexos e exigentes. A estabilidade é importante mas também a formação que é feita com a investigação em contextos cada vez mais exigentes. A ciência custa caro, dirão, mas experimentem a ignorância. E os retornos em formação e avanços científicos valem muitíssimo mais. Posto esta introdução, que deveria ser óbvia e explicada todos os dias, poderemos ensinar, motivar e dialogar recorrendo a equipamentos mais simples. Muita da ciência pode e deve ser entendida com objectos do dia-a-dia.

Tenho levado frascos pequenos de plástico do género dos tubos de ensaio com tempa com materiais que servem para experiências simples. Por exemplo, colocando umas pétalas de rosa vermelha em álcool e depois distribuindo por soluções de ácido clorídrico ou básicas, de amoníaco, ou ainda de um sal de alumínio, obtém-se respectivamente, cor de rosa, vermelho intenso, verde e roxo e poderemos explicar os rudimentos dos efeitos do pH e dos metais nas cores dos compostos químicos. Obviamente as soluções podem ser perigosas e devem ser sempre tratadas com cuidado e rolhadas. Também um caderno de micas ou um projector portátil (ao fim do dia ou à noite) são uma excelente ajuda para explicar os aspectos mais complexos. Por outro lado, temos de estar abertos a problemas e novidades. Temos de estudar as espécies envolvidas: funciona com as rosas, hortenses e agapantos roxos e com outras, mas não funciona com os cravos de Tunes nem com os pimentos! Em vez de entrar em pânico e dizer coisas não-científicas, será uma óptima oportunidade para explicar como funciona a ciência. O inesperado faz parte dos avanços. Melhor se for controlados e planificados. Por outro lado, poderemos saber muitas outras coisas sobre as moléculas e a sua forma com os equipamentos que referi no princípio: os cromatógrafos para separar e os espectrómetros de massa e de raios X, os espectrómetos de fluorescência, de infravermelho e visível-ultravioleta, e de ressonância magnética que identificam, entre muitos outros. Alguns destes equipamentos já são portáteis ou podem ser incorporados nos telemóveis, por exemplo. São no entanto ainda muito caros e especializados, perdendo-se a simplicidade e capacidade de reprodução que se procurava. De qualquer forma, basta pegar na folha de uma planta para irmos encontrar moléculas que não foram ainda identificadas ou entrar num laboratório de química para encontrar muitas outras ainda a ser inventadas.

Tubos de ensaio com hexano são mais difices de obter mas podem ser usados para dissolver pastilhas elásticas e alcatrão derretido pelo calor. Temos nesta actividade muito pontos para referir, claro, mas é importante a separação das fraccões solúveis e não soluveis dos hidrocarbonetos. Referir como eles podem ser obtidos, entre outros aspectos. Por outro lado as pastilhas elásticas dissolvem-se e revelam que o seu negro vem do carbono do ar e da sujidade. Podemos aqui falar da química das pastilhas e das crostas negras dos monumentos, entre muitas outras coisas.
Se tivermos um tubo com solução de bário identificamos os sulfatos que precipitam com este ião. Podemos entretanto aquecer ao rubro o mesmo material e ver a cor das chamas características do cálcio. Podemos medir o pH das soluções tanto com um aparelho como com indicadores. Entretanto, muitas paredes têm pós brancos de gesso que se formam a partir dos óxidos de enxofre e podem ser distinguidos dos carbonatos e dos nitratos. Se estes últimos forem de potássio, podemos observar a sua cor lilás quando queimados. 

Comecei também a levar nitrocelulose em pequena quantidade a qual permite muitas actividades. Um tubo de ensaio (neste caso de vidro) aquecido explode e projecta a rolha (que tenho presa com um fio para a voltar a encontrar). Sem o limite do tubo de ensaio arde rapidamente e desaparece. Chamo aqui a atenção para várias coisas: como funconam os explosivos e de como os componentes para os fazer são vigiados e os testes que podem fazer nos aeroportos para os detectar. Em particular, a água oxigenada muito concentrada, os adubos e o ácido nítico, são vigiados.

Levo comigo também modelos moleculares de plástico. Já percebi há muito tempo que as pessoas gostam de tocar nestes objectos maravilhosos e flexíveis. Agora é diferente, com o isolamento social e as restrições, mas posso usá-los para mostrar coisas.

Tenho um modelo do ácido ascórbico (vitamina C). Explico, com base na sua estutura, como pode ser oxidante e ser muito solúvel. Tenho também comigo uma maçã com um rótulo. Este tem muitos compostos, incluindo o ácido ascórbico. Usando um tubo de ensaio com uma solução de vitamina C, outra de bicarbontato de sódio e uma solução muito diluida de sulfato de cobre e ainda do corante azul de metileno posso observar a descoloração pela redução. E posso volta a ter azul com a agitação a qual aumenta a mistura com o ar e a reacção com o oxigénio. Estes tubos de ensaio provocam sempre muitos risos devido à agitação e podem ser usados durante muitos ciclos de mudança de cor.

Tenho um modelo de molécula de ambróxido, um cachalote de plástico, um tubo com ambróxido, que é um sólido branco, perfumes que têm o âmbar cinzento. Tenho um modelo molecular do indigo para explicar como este pode ser estável e como pode ser mais solúvel ou mudar de cor com grupos laterais. Nesse ponto falo dos projectos de investigação que envolvem o indigo. Na verdade, acabo por fazer isso com todos os modelos. Tenho um modelo molecular da penincilina G e mostro como este pode ser modificado para se obter a ampilicina e a amoxilina. Aproveito para contar uma parte da história do desenvolvimento destas moléculas semi-sintéticas, porque é que precisamos delas e porque continuamos as investigá-las. Tenho também um modelo do oseltamivir, uma das primeiras moléculas a ser desenvolvidas,usando química a computacional e o desenvolvimento racional de fármacos. Tenho tubos com diferentes aromas: sintéticos e naturais. Tenho metais e materiais, e muito mais. Tubos com materiais fluorescentes e que outros que quebrados emitem luz por quimioluminescência. Uma caneta de ultravioleta que tem também uma parte de solução de iodo (a qual serve para identificar notas). Tenho papéis que fluorescem e têm amido e outros não. Posso também pedir notas aos intervenientes e explicar como estas são feitas e como é feita a sua segurança. Tenho isto e ando sempre a procurar mais. A utilização vai variar com o passeio químico programado e com os níveis envolvidos, claro.

Passeio pelas coisas que não se podem ver o olho nu


Hoje vamos passear pelas coisas que não podemos ver. Como é isso possível? Não as vemos, mas podemos detectá-las! E quase todos os sabem: não é por não as vermos que são mais perigosas. Não o são. Se o fossem eram-no para todos e estavam proibidas.

Podemos detectá-las e vê-las de forma indirecta de várias maneiras. Toda a gente já ouviu falar de coisas invisíveis a olho nu como bactérias, vírus, ondas electromagnéticas [1] e electricidade, por exemplo. As primeiras não eram conhecidas até Pasteur, mas poderiam ser detectadas de forma indirecta. Agora podem ser vistas directamente, usando microscópios e corantes, por exemplo. Os vírus eram uma teoria que só no meio do século vinte foi confirmada com os microscópios electrónicos. Como é bem sabido, as bactérias e os vírus estão em todo o lado, mas alguns destes, em número suficiente e modos especiais, podem causar doenças, e, todos eles acabam por causar transformações, boas ou más, sendo detectados assim ou de outras formas. Mas mesmo assim, os actuais testes de amplificação de DNA são morosos e hoje só demoram algumas horas porque temos modernas máquinas e computadores. Claro que deveremos saber que embora as bactérias e virus sejam invisíveis são bastante grandes à escola molecular. São complexas fábricas moleculares, usando máquinas moleculares que são as proteínas e trocando muitas moléculas. Também as ondas electomagnéticas podem não ser visíveis mas todos os dias as utilizamos nas televisões e telemóveis. Vemos as suas antenas e aparelhos, os quais usam ondas invisíveis com energias baixas, electricidade e electrões que não se vêem, como é sabido, mas fazem funcionar coisas podem ser medidas e detectadas.


Vou-vos aqui falar de alguns outras coisas que não se vêem mas podem ser facilmente detectadas. Não me refiro à televisão que vêem todos os dias ou ao telemóvel (mas já agora já aproximaram uma lupa do ecrã destes ou um iman dos ecrâs?), nem à electricidade que pode ser sentida nas fichas (não o façam, claro). Falarei de outras coisas que podem ser detectadas sem serem vistas. A luz ultravioleta do Sol, por exemplo, não se vê, mas pode causar queimaduras e ionizar os materiais. Podemos detectá-la com espectofotómetos, claro, mas podemos ver os seus efeitos quando activa moléculas que fluorescem no visível ou em materiais que fosforecem também no visível [2]. A luz ultravioleta vai fluorescer a água tónica, o amido e os branquadores ópticos e vão fosforecer os relógios e alguns anúncios de emergência. Um efeito espetacular é o da clorofila verde que fluoresce em vermelho e isso é unsado nos satélites. Devido ao efeito das radiações ultravioleta queimamos-nos ao sol, temos mais cataratas nos olhos e o branco das camisas e papéis parece mais branco. Uma água tónica à janela fica mais azulada mesmo sem lâmpadas ultravioleta, as conhecidas lâmpadas de luz negra. Como são radiações ionizantes matam os micróbios mas também nos provocam danos, claro. Assim, não devemos olhar para elas e devermos usar óculos de protecção.
Para o Sol bastam óculos de sol. Se estes óculos polarizarem a luz temos efeitos interessantes que não se podem ver sem eles. Por exemplo os vidros duplos vão aparecer mais roxos e os vidros temperados notam-se aos quadrados da têmpera (para que estes de despedacem mais facilmente). Podemos assim, com uns óculos de luz polarizada distinguir os vidros dos carros antigos e modernos. Actualmente, à frente usam vidros duplos quando antigamente usavam vidros temperados. Mas com energias abaixo do vermelho que também não vemos, temos o infravermelho e as micro-ondas. Estas não são ionizantes mas podem aquecer como é sabido mas só em grandes quantidades.
Sem qualquer risco podem ser ser usadas para medir temperaturas, por exemplo. Não as vemos, mas nos comando e nos telemóveis elas estão lá. Podemos usar a câmara de um telemóvel (que detecta uma parte da radiação infravermelha) para ver a luz de um comando, por exemplo. Mas como já expliquei, não as vermos, não quer dizer que nos façam mal.
Mais simples ainda são as moedas de um a cinco cêntimos. Parecem ser de cobre mas por dentro são de ferro e por isso apresentam propriedades magnéticas. Por outro lado nem todo as ligas de ferro são magnéticas. Podemos experimentar simplesmente com um íman em diferentes materiais. E como cientistas podemos fazer uma tabela, controlar as variáveis e chegar a conclusões.

Um dos grandes paradoxos da história da ciência, segundo Butterfield, é que as maiores revoluções da astronomia aconteceram antes da descoberta do telescópio e as da medicina, ainda segundo este autor, antes do microscópio. Não acho que seja bem assim (as simplificações são sempre abusivas) mas mesmo a teoria dos vírus apareceu muito antes de os podermos ver. Tal como as maiores descobertas da mecânica surgiram da observação dos fenómenos do dia a dia. Por outro lado, as mais complexas e decisivas experiências podem não convencer quem não quer acreditar nelas, mesmo alguns cientistas. A ciência e a técnica não são perfeitas e também têm os seus paradoxos, mas usam isso a seu favor e desenvolveram um método que ainda não foi ultrassado de se corrigir sem dogmatismos e argumentos de autoridade ao longo do tempo no que concerne às coisas que se podem testar e que existem (só dessas é que trata a ciência).

Entretanto, nada é eterno, nem nós, nem as bactérias, nem os vírus, nem as moléculas. Tudo se transforma, tudo muda, tudo morre e renasce. E não basta existir. Para causarem mal ou bem as moléculas e virus têm de ter uma determinada quantidade, que ao nível molecular é muito grande. A toxina da botulina, por exemplo, é o composto mais tóxico conhecido (é uma proteína natural) e pode causar infecções mortais numa quantidade ínfima, mas quando esta quantidade é ainda menor pode ser usado para as rugas no conhecido botox. 

[1] Há duas coisas a considerar as ondas electomagnéticas: a frequência e a intensidade. Se a frequência for abaixo do visível, cuja energia mais baixa é o vermelho, são infravermelhos, microondas, ondas de rádio, entre outros nomes e não podem causar ionização. Só podem, quando muito, se forem muito intensas, causar aquecimento local, mas isso é rigorosamente vigiado e conhecido. Se tiverem uma frequência acima do visível, do violeta, são ultavioleta, raios X, ondas gama, ou outros nomes, e são ionizantes. São rigorosamente vigiadas, algumas delas operadas só por especialistas. Tudo isto se aprende no ensino básico e, não, não há nenhuma conspiração. Milhões de cientistas e especialistas sem nada que ver uns com os outros, de diferentes países e formações, dificilmente poderão estar todos enganados e não saber uma coisa que só um pequeno grupo de algumas dezenas julga saber. A ciência aplica-se às coisas que se podem verificar e não é, nem tem de ser, democrática mas há coisas em que o consenso é em termos práticos absoluto.

[2] A diferença principal é que a fluorescência acaba quando cessa a perturbação, enquanto que a fosforecência se mantém depois de acabar a excitação. Também os materiais envolvidos são em geral diferentes.

gás natural: rede de distribuição e abastecimento

Provavelmente já viram estes sinais. Estão nos locais de passagem dos gasodutos e de ligação de gás natural numa profundidade e pressão variáveis (menor junto das casas, maiores nos grandes gasodutos). Se não me enganei o sinal indica o local das válvulas de corte numa linguagem para os especialistas.
O gás natural chega em grandes navios metaneiros no estado líquido a -162°C, à pressão atmosférica e é armazenado em tanques também a essa temperatura em Sines [1]. Nessas condições, um metro cúbico pesa 422 quilogramas ou seja tem a densidade de 422kg/m3. Ao passar ao estado gasoso, à pressão atmosferica, esse gas vai ocupar cerca de 600 vezes o volume do líquido (volume nominal a 25°C e 1bar, densidade 0.679 kg/m3, volume molar 20.7 L/mol). A circulação do gás natural é feita em gasodutos no estado gasoso a cerca de 84 atmosferas, ocupando um volume de apenas cerca seis vezes o volume do liquido (80bar 69kg/m3, volume molar 16.8 L/mol). Há um armazenamento na zona de Pombal e Leiria em seis cavernas escavadas na rocha de sal a mais de mil metros de profundidade. Estas foram feitas com a solubilizacão do sal em água e têm capacidade para 228 milhões de metros cúbicos nominais. Este armazenamento é feito no estado gasoso a 180 atmosferas (180 bar 10°C 170 kg/m3 0.106 l/mol) e nestas condições o gas ocupa duas vezes e meia o volume do gás no estado líquido e um volume cerca de 250 vezes menor que o do gás no estado gasoso, à pressao atmosferica. Assim, o volume das cavernas não corresponde a esses 228 milhões de metros cubicos, mas um valor 250 vezes menor. Estas são aproximadamente cilindricas com uma altura idêntica à da torre Eiffel (cerca de 320 metros) e um diâmetro de pouco mais de 20 metros, cada uma. Os gasodutos percorrem todo o pais a uma profundidade minima de 80 centímetros e abastecem as redes de baixa pressão doméstica e de média pressão industrial. O sistema de armazenamento é gerido pela REN (Rede Eléctrica Nacional) mas a distribuição é feita por uma empresa do grupo GALP. Quando virem este sinal, os contadores instalados por especialistas, os sinais que marcam os gasodutos, as chamas e os depósitos devem admirar as pessoas que controlam e gerem um sistema tão complexo e seguro que chega a nossas casas e fábricas de uma forma quase invisível e muito cómoda.  

[1] O gás natural para ser liquefeito (GNL) tem de estar a uma temperatura inferior ao seu ponto crítico. Os antigos não sabiam disto e diziam que alguns gases não podiam ser liquefeitos. Se estiverem acima do ponto crítico não podem ser liquefeitos mas apenas comprimidos, ao contário do butano e propano, os quais estão abaixo dos seus pontos críticos. As botijas destes são designadas por gás de petróleo liquefeito (GPL) e estão a uma pressão que é apenas controlada pela composicão e temperatura, abaixo da dezena de atmosferas. Já pensou porque é que usamos redutores? Entretanto, o metano por seu lado, à temperatura ambiente, atinge uma pressão de quase duzentas atmosferas. Por isso pode ser um acidente grave armazenar o útimo nas botijas dos primeiros. Por outro lado, o butano e o propano são mais densos do que o ar enquanto o metano é menos denso. Por isso, são proibidas as botijas GPL de carros e domésticas em caves. 

Adega de Figueira de Castelo Rodrigo

[Foi há quase dois anos que estiva a visitar a Adega da Cooperativa de Figueira de Castelo Rodrigo. Uma terra fantástica que tem além da adega da cooperativa também, a alguns quilómetros, as adegas do Beyra e da Quinta do Cardo, assim como muitas outras coisas. Tudo tem muito que se lhe diga, claro, como o azeite, a cerveja ou os doces. Mas isso fica para outra altura]

Estava a chegar um carregamento de uvas da casta trincadeira, usadas para fazer um vinho monovarietal. O grau estimado com base no sumo era, salvo erro, de 13,4 graus. Entretanto, no pequeno laboratório, media-se o pH de outros vinhos, assim como o nitrogénio disponível. Esses parâmetros são necessários para se poder conduzir o processo natural para o resultado esperado: um vinho de boa qualidade e sem defeitos. A maioria das pessoas, quando ouve a palavra "laboratório", penso logo em coisas adicionadas. Não é verdade. Laboratório pode ser sinónimo de análise e controlo. Quando as uvas eram tratadas de qualquer maneira com pesticidas sem controlo nenhum, com ácidos tartárico e outros e caldas bordalesas de qualquer maneira e mesmo assim eram maus, muito maus, pareciam ser naturais, mas nunca o foram. A natureza abandonada a si própria faz o que lhe apetece e nem sempre, quase nunca, o que nós queremos.

Numa outra parte é feita a flotação com nitrogénio para separar a matéria particulada e ficar o vinho clarificado. O nitrogénio existe naturalmente, ocupando 78% da nossa atmosfera. É um gás inerte à temperatura ambiente, ao contrário do oxigénio que reagiria com o mosto. Este processo pode ser complementado com a utilização de enzimas clarificadoras. Estas enzimas são o equivalente actual e mais racional, seguro e higiénico do uso ancestral de carcaças de animais, cuja matéria azotada contribuía para essa clarificação.

A produção de vinho é um processo natural milenar que se baseia, como é bem conhecido, na fermentação das uvas. Na ausência de oxigénio, um conjunto de bactérias, que existem naturalmente nas uvas, oxida o açúcar destas, originando etanol. Ao longo dos séculos este processo tem sido melhorado e é hoje muito bem conhecido, sendo possível conduzi-lo para o resultado que gostamos em vez de seguir um dos muitos outros processos, também naturais, que podem conduzir a rsultados que não queremos como sejam os maus vinhos e a formação de vinagre. Hoje em dia, por exemplo, como a selecção de enzimas e da temparatura adequadas obter vinhos naturais de 17%. A produção de vinho é um processo concebido pela natureza mas que é conduzido e controlado pela ciência.

Um exemplo muito interessante da transformação de uma desvantagem numa oportunidade é contado a seguir. As uvas brancas da casta síria em Outubro tinham a tendência natural, devido ao terroir particular de Figueira de Castelo Rodrigo, para originar um vinho com uma cor salmão. Isso era considerado um problema pois tratava-se de um vnho branco e não de um vinho rosé. Estudando o processo, a enóloga Jenny Silva e outros investigadores verificaram que a cor era devida à produção natural pelas uvas das antocianinas, delfinidina, petunidina, cianidina, peonidina, e malvidina, ligadas, cada uma, a uma molécula de glicose, com concentrações entre 0.1 e 75 mg/L, e que era possível controlar e estabilizar o processo por forma a que o vinho sofresse alterações de cor durante o processo. Dessa investigação, que teve bastante impacto nos meios de comunicação nacionais, resultou uma patente internacional e um vinho único que é comercializado com a marca “Pinking”. De salientar que o processo envolve também algumas simplificações com vista à maior sustentabilidade do processo. Desta forma, uma desvantagem tornou-se uma oportunidade.

Novos passeios químicos

Tenho tido muito pouco tempo, mas tenho reparado em tudo o que nos rodeia. estava um pouco afastado, mas tive hoje de voltar aqui. Agora tem de ser. Em breve farei artigos sobre a produção de vinho nas adegas e sobre os seus aspectos actuais, sobre o gás de cidade que nos rodeia e tem segredos quase deconhecidos. Sobre as minas antigas que podemos visitar e são memória de tempos antigos. Sobre as muitas plantas e materiais que podemos encontrar e usar e nos protegem. Não vou fugir à polémica nem seguir a corrente. São os novos Passeios Químicos que começam aqui.    

Azulejos de promoção aos nitratos do Chile

Quem da minha idade não se lembra de ter visto o anúncio dos Nitratos do Chile? Este, bem preservado, está na Carrapichana, na EN 17, antes de Celorico da Beira. Vemos outros em Escalhão, perto de Figueira de Castelo Rodrigo. Outro vi em Ourém. Há ainda muitos! Eu ficava a olhar para o cavaleiro negro na Cova da Serpe, perto da Figueira da Foz. Também ainda lá está, mas com letreiros por de cima. 
Os nitratos do Chile são essencialmente nitrato de sódio, um sólido branco, que era minerado na América do Sul e foi usado como adubo até aos anos 1960. Embora a partir de 1909, o processo de Haber e Bosch tenha tornado quase desnecessária a utilização desse material natural não renovável. Durante mais de um século os cientistas sonhavam com um processo que retirasse o nitrogénio do ar e o tornasse um adubo de que as plantas vão precisar. Poderemos citar, o padre Himalaia, cujo fito era obter adubos com o calor do sol. E os noruegueses que durante algum tempo tiveram um processo que dependia da energia eléctrica para transformar o nitrogénio do ar em nitratos.Os agricultores não gostaram é diziam que esse nitratos não eram naturais! Hoje em dia, queremos também tirar os nitatos das águas pois são muito solúvieis e plantas em excesso causam eutrofização. Resolvemos um problema, cráimos outro. Resolveremos esse, como estamos a fazer, com mais ciência e química.
 

Expedição urbana à procura de âmbar cinzento


O passeio pelo anúncio do perfume lembrou-me a história do âmbar cinzento que costumo levar às escolas. Nos intestinos de uma parte dos cachalotes forma-se um material que, depois de abandonar o corpo do animal, de forma natural ou violenta, e secar, tem um odor característico devido essencialmente a uma molécula, o ambóxido, também conhecida por ambrox.

Com o declínio da caça à baleia, em boa parte devido à evolução da química, esse material era quase a única coisa com valor para a sua caça artesanal, como é contado em "Mau tempo no Canal" de Vitorino Nemésio. Hoje em dia, o ambróxido pode ser obtido a partir de esclariol, uma molécula presente num tipo de sálvia (Salvia sclarea) que ainda não encontrei, mas que tem semelhanças com a da fotografia do lado (Salvia splendens, foto obtida em Cantanhede, mas que costuma tambem estar plantada na rotunda do Papa em Coimbra). Dessa forma não é necessário caçar baleias para obter ambróxido.

Depois de consultar o site Fragrantica seleccionei um conjunto de perfumes para investigar (essencialmente perfumes masculinos: Obsessed da Calvin Klein, Not a Perfume, Into the Void, Anyway, White Spirit, Another Oud, todos da Juliette has a Gun, Sauvage da Dior, Dyln Blue da Versase, Luna Rossa da Parda, L'imensité da Vuitton, Gentleman's only da Givenchy, Kenzo World, Toni, A Better Man, L'étoile noir, Electric Wood, This is not a Blue Bottle, etc). Curiosamente, encontrei também dois da Zara, um deles, 4MBROX, aproximando-se do conceito do Not a Perfume (uma só molécula, ambróxido e álcool), o 4MBROX, que tem na composição do seu aroma ambróxido, almíscar e cedro.

Ao fim do dia, consegui ir a um centro comercial e a uma perfumaria fazer o trabalho de campo. Encontrei o perfume 4AMBROX (figura ao lado) e cerca de metade dos perfumes identificados cujos aromas registei num caderno (acima).

O Not a Perfume da Juliette has a Gun não estava disponível para testar, mas recordo a primeira vez que o encontrei  numa outra perfumaria. Trata-se de um perfume que tem apenas ambróxido em álcool (daí a provocação de "não ser um perfume") e o cheiro perdurou meses no caderno em que guardei o papel impregnado. Este perfume provocador custa dezenas de euros, enquanto que os três gramas de ambŕoxido que comprei custam cinco euros. No entanto, o custo de um perfume é devido também a todo o seu processo de desenvolvimento e este resultou de uma ideia nova. Curiosamente o 4MBROX refere a questão da molécula de ambóxido (ambrox) na caixa (carregar na imagem para ler) e, de facto, depois de aplicado. o cheiro que permanece é o desta molécula.

Os perfumes são um mundo de química olfativa, analíitica e sintética. Embora o mais visível seja o design, os criadores, os anúncios e os modelos que os promovem, sem os químicos não seria possível toda a diversidade que temos à disposição.

Anúncio de um perfume por toda a cidade: qual é a sua química?

Enquanto espero pelo autocarro reparo neste anúncio de um perfume. Qual será a sua química? O site Fragrantica diz que foi criado em 2017 por Oliver Polgue e tem notas superiores (aromas mais voláteis) de mandarina, toranja e passas; coração (aromas de volatilidade média) de tuberosa, ylang-ylang, jasmim, lírio-dos-vales, pimenta vermelha, pêra e flor de laranjeira; e base (aromas de menor volatilidade) de sândalo, almíscar, raiz de íris e cachemira. Cada um destes constituintes, dissolvidos em álcool com um pouco de água, tem, por seu lado, aromas que resultam, em geral, de misturas complexas de compostos. Intrigou-me o nome cachemira. Um pouco de pesquisa na maior biblioteca do mundo (a internet) e confirma-se que se trata de uma molécula sintética, obtida nos anos 1970 por John Hall, cujo odor parece ser difícil de descrever. As propriedades desta molécula estão muito bem estudadas, como pode ser seguido pelos links da wikipedia. O cartaz está por toda a cidade e a actriz é Kristen Stewart.

Passeio Químico em Proença-a-Nova (III)


Terceira e última parte do Passeio Químico realizado em Proença-a-Nova em 2011, seguindo a parte I e parte II (mapa em breve).

O Aloe Vera é uma planta muito usada em remédios e cosméticos naturais. Ainda não terá sido descoberto, nesta planta, nenhum princípio activo eficaz que possa ser usado como base para o desenvolvimento de medicamentos (um lead), mas a maioria dos estudos realizados indica que os extractos desta planta têm efeitos benéficos gerais. No entanto, não podemos cair na falácia de que alguma coisa não pode fazer mal por ser natural. De facto, há pelo menos um caso documentado de uma potencial interacção entre um anestésico e a ingestão de comprimidos de Aloe Vera.
Os eucaliptos têm uma grande história de serem mal amados devido a terem sido plantados de forma exagerada em locais errados e em monocultura – de notar que isto foi escrito em 2011 e, tanto na altura como agora, não me junto ao coro dos que diabolizam esta árvore cuja plantação deve ser controlada e ordenada, mas não faz sentido ser proibida. Trata-se de uma árvore da qual se aproveita, para além da celulose para a pasta de papel, muitos óleos essenciais. Há muitas espécies, sendo que na maioria o terpenóide eucaliptol domina. Há, no entanto, uma espécie cujas folhas cheiram a limão por conterem citronelal, um isómero do eucaliptol. E já que falamos tanto de terpenos e terpenóides vamos explicar melhor. Trata-se de moléculas construídas como um lego que tem como peça mais simples o isopreno de fórmula empírica C5H8. Surgem na natureza contendo múltiplos de cinco carbonos: com cinco, dez e quinze átomos de carbono em moléculas com odores característicos que têm diversas funções, com vinte ou mais átomos de carbono em moléculas que têm funções de interacção com a luz, com centenas de átomos de carbono nos poli-isoprenos que originam a borracha natural.
A grevília é uma árvore que é muito cultivada pela sua sombra e beleza especialmente na Austrália de onde é originária.  Nas suas folhas existem compostos que fazem guerra química às plantas que a rodeiam, sendo por isso também estudada para o desenvolvimento de herbicidas. Em zonas com muita população destas árvores, a sua contribuição para os aerossóis de compostos orgânicos voláteis (uma forma de poluição conhecida como VOC) é relativamente importante.  

Os pinheiros são nossos velhos conhecidos e uma fonte de riqueza importante. Para além da madeira para construção ou pasta de papel (cada vez menos), da resina extrai-se uma grande quantidade de compostos. A terebintina ou aguarraz é a parte volátil, sendo constituída por vários terpenos em especial o alfa-pineno. A colofónia, ou pez louro, é a parte não volátil. Ambas têm muitas aplicações. Para fazer papel, nas celuloses extraem-se as fibras de celulose por vários processos alguns deles mal-cheirosos devido à nossa grande sensibilidade para com os compostos de enxofre usados. Podemos poupar árvores e energia reciclando o papel, mas ao contrário do que acontece com o vidro, o ferro ou o alumínio, as fibras de celulose vão-se fragilizando nas sucessivas reciclagens.  A preocupação actual com o espalhamento do nemátodo do pinheiro coloca-nos várias questões, algumas delas de natureza química. Combater o vector com insecticidas? Usar nematicidas? Destruir apenas as árvores infectadas? Será que teríamos evitado isto misturando os pinheiros com espécies cujos compostos voláteis têm propriedades nematicidas como parecem ter os liquidambares?  
Os compostos e extractos da mélia ou amargoseira têm muito interesse. Têm um comprovado efeito larvicida e insecticida importante. Em zonas com muitas destas árvores, a diminuição dos mosquitos e moscas é notória. Os seus frutos são relativamente tóxicos e são conhecidos envenenamentos de animais com estes.

A paragem seguinte foi junto a um supermercado. Neste ponto pensemos um pouco na química que podemos encontrar nos rótulos dos produtos nos supermercados que não está lá para nos assustar, mas sim informar. Os iões que são indicados na água engarrafada também existem nas fontes, ou na água da torneira. A diferença é que a da fonte pode não ter sido analisada e a da torneira pode ter uma quantidade mínima de cloro que está lá para nos proteger de micro-organismos. Também os aditivos alimentares com os seus famosos números-E estão lá para uma função útil, como seja a preservação ou a manutenção de uma caracterísitica e não para serem tóxicos ou cancerígenos. Podem ser compostos inofensivos ou suspeitos de causar alergias, mas se fossem cancerígenos ou tóxicos não estariam lá. E, obviamente, nem os champôs nem os desodorizantes têm compostos cancerígenos, como por vezes se recebe por e-mail ou se encontra nas redes sociais. De qualquer forma podem evitar-se os compostos presentes nos xampôs e desodorizantes usando sabão azul para lavar o cabelo e não colocar nada nas axilas...

Chegámos de seguida junto de uma oliveira. Das azeitonas extrai-se esse sumo maravilhoso que já é referido na bíblia, o azeite. As suas propriedades e métodos de produção são bem conhecidos, assim como os significados dos termos “azeite virgem extra,”  “azeite virgem” e “azeite.”  O azeite tem como principais componentes o ácido oleico e o ácido linoleico. No entanto, a acidez é percentagem dos ácidos gordos livres, dado que a maioria destes está na forma de triglicéridos.  Em geral a acidez não tem um efeito perceptível no sabor que é resultado da complexa mistura dos vários tipos de compostos presentes. Nos rótulos aparece também o índice de peróxidos e a absorvância a determinados comprimentos de onda que permitem avaliar o grau de oxidação do azeite na altura do engarrafamento. Mas uma vez aberto e exposto à luz ou a temperaturas elevadas o aumento da oxidação é inevitável.
Bombas de combustíveis. A química e os químicos estão particularmente empenhados em contribuir para a poupança de energia e o desenvolvimento de combustíveis alternativos, desde o bio-diesel ao hidrogénio.  Os combustíveis mais comuns, gasolina e gasóleo, são misturas de hidrocarbonetos. Um dos aditivos mais famigerados foi o tetraetilchumbo, inventado por Thomas Midgley Jr. para aumentar o poder detonante das gasolinas. Com a melhoria da qualidade dos carros e a introdução do catalisador este aditivo tóxico deixou de ser usado. A química está presente em todas as partes dos automóveis e poderíamos falar horas sobre isso. Para além dos combustíveis, nos materiais de que é feito um carro, na pintura e nos tratamentos anti-corrosão, nos vidros e nos espelhos, nos lubrificantes, nos gases de escape, nos métodos usados para minimizar esses gases, no motor, no catalisador, no ar condicionado, nas baterias, no air-bag, etc.
Encontrámos de seguida um sobreiro e um azevinho. Como toda a gente sabe, a cortiça é a casca do sobreiro. Um tecido vegetal que tem imensas aplicações e de que somos o maior produtor e transformador mundial.  Os aspectos recentes da discussão entre as rolhas de cortiça e de plástico têm vários aspectos pedagógicos. Assim como o recente interesse pela sua reciclagem e o aproveitamento de desperdícios de cortiça que, com a ajuda da química, se transformam de pavimentos a objectos de design. O azevinho, em especial os seus frutos, é tóxico. Por isso com certeza que está a ser estudado para se encontrarem princípios activos anti-tumorais ou outros.
O ar-condicionado moderno utiliza compostos, dentro de um mecanismo estanque, que, no exterior da habitação são comprimidos, passando do estado gasoso a líquido, aquecendo o meio exterior, e no interior da habitação são expandidos, passando do estado líquido ao de vapor, arrefecendo o meio interior. Os CFC, inventados pelo nosso já conhecido Thomas Midgley Jr., revelaram-se as moléculas ideias para usar como refrigerantes. O problema é que estas moléculas ao subirem para a estratosfera contribuem para a depleção da camada do ozono. Assim, os CFC foram banidos e substituidos por espécies mais amigas do ozono como os hidrogenoclorofluorocarbonetos (HCFC). Mas a história não fica por aqui pois estes gases estão-se a revelar também problemáticos por contribuirem para o chamado aumento do efeito de estufa e estão também a ser banidos. Novos compostos têm sido desenvolvidos, desenhados primeiro teoricamente de forma a que não causem danos ao ozono nem contribuam para o efeito de estufa.
O passeio terminou junto da Pousada das Amoreiras. Entre as muitas coisas que haveria para referir, escolheu-se a piscina. O tratamento da água das piscinas tem aspectos químicos importantes, mas simples. Como a água não pode ser mudada com frequência, usam-se compostos oxidantes de cloro ou bromo para  destruir os micro-organismos. Para maior eficácia a acidez da água tem de ser corrigida. Também se usam compostos de cobre para combater os fungos e as algas.